segunda-feira, janeiro 29, 2007

O CHILE AINDA SERÁ UM PEQUENO BRASIL

Carlos Alberto Sardenberg

Assuntos dominantes no cenário político e econômico:
- Partido da base governista apresenta no Congresso projeto que muda o conceito de empresa privada, impondo restrições à sua atuação e ampliando suas obrigações trabalhistas;
- Governo quer mudar regras para concessão de estradas (e outros serviços públicos) ao setor privado;
- Dirigentes da base governista pedem aumento de impostos para financiar mais gastos sociais;
- Empresários reclamam da demora e do uso político na concessão de licenças ambientais; governo promete destravá-las;
- Entra em vigor legislação que dificulta e encarece a contratação de trabalhadores temporários e terceirizados;
- O governo propõe uma reforma da Previdência, restringindo o setor privado e ampliando o estatal;
- Debate-se por que o país, embora tendo estabilidade econômica e inflação baixa, não consegue crescer mais fortemente;
- Há reclamações contra a lentidão do governo e sua dificuldade de tomar decisões.

Pensou no Brasil? Errou. Trata-se do Chile – um resumo de temas que têm aparecido na imprensa nos últimos dias. Eliminados os detalhes, as particularidades e uma distância no tempo, o debate é igualzinho ao brasileiro. E pelo jeitão da coisa, pelo rumo que vem sendo tomado pelo governo e seus partidos, o Chile vai se afastando do modelo de economia de livre mercado, a marca que o distinguia na América Latina, e se aproximando de algo mais parecido com o modelo brasileiro.

A base governista é a Concertação, uma frente dominada pelos dois maiores partidos, o Socialista (PS) e o da Democracia Cristã (DC), que administra o país desde o fim da era Pinochet, em 1990. Os dois primeiros presidentes da era democrática foram da DC, que fica entre o centro e a centro esquerda, e os dois últimos, incluindo a atual, Michelle Bachelet, do PS, que vai da centro-esquerda à esquerda. A principal característica da volta chilena à democracia foi atitude da Concertação de manter o que seus dirigentes chamaram então de um “ativo” deixado pelos militares, um regime econômico de livre mercado, com baixa carga tributária, reduzida presença do estado na economia, privatização e abertura ao exterior (são as mais baixas tarifas de importação da AL).

De uns tempos para cá, entretanto, e como se observa facilmente – basta uma semana em Santiago acompanhando a imprensa local – vem ganhando corpo a onda de esquerda. No momento, os socialistas prevalecem na aliança de governo e são eles que forçam o caminho nessa direção. Deputados do PS têm patrocinado os projetos de lei que restringem a atividade das empresas privadas e impõem cada vez mais obrigações sociais e trabalhistas. Também são eles que tentam mudar o projeto de reforma da Previdência, de modo a introduzir uma previdência pública e estatal. Igualmente insistem nos programas sociais de distribuição de renda e de inclusão social, com dinheiro público. Mas também a Democracia Cristã abriga políticos e dirigentes que recusam o carimbo, como dizem, “de livre-mercadistas”.

Foi justamente um ex-presidente democrata-cristão, Patrício Aylwin, quem propôs o aumento de impostos para financiar gastos sociais. O dilema atravessa toda a Concertação: preservar e aprofundar o regime de livre mercado ou desmontar isso que a esquerda chama de neo-liberalismo? Não há um debate formal, mas é o que está por trás dos projetos de lei e políticas de governo. É verdade que, para um brasileiro, parece brincadeira. A carga tributária é de 16,5%, contra os 38% do Brasil. Mesmo o mais liberal dos brasileiros diria que não faria mal algum aumentar a carga para 20% e gastar tudo em Bolsa Família. Aqui, o presidente Lula se orgulha de ter enterrado a negociação em torno da Área Livre Comércio das Américas e de ter renegado a “submissão” aos Estados Unidos. Lá, ninguém está propondo liquidar o Tratado de Livre Comércio com os EUA, mesmo agora quando o governo americano colocou o Chile na lista negra da pirataria.

Aqui, a Previdência é quase toda pública, o déficit bate recordes todos os anos e o presidente diz que não há reformas a fazer. Lá, a Previdência é privada (herança do regime militar) e a reforma proposta apenas introduz um ramo público e estatal. De novo, comparado com o que temos aqui, parece nada demais. Aqui, o governo suspende a concessão de estradas às empresas privadas. Lá, quase todas as estradas já são privadas (e são sensacionais), com o governo querendo apenas impor mais obrigações às concessionárias e reduzir os pedágios. Daqui se diria, tudo bem, pessoal.
Aqui, o país não consegue crescer mais que 3% ao ano. Lá, o crescimento tem sido de 5%, número que o presidente Lula comemoraria como o “maior resultado de todos os tempos”. Mas, no essencial, o debate lá é igualzinho. De um lado, os que dizem que o país não cresce porque há muitas restrições ao investimento privado, inseguranças regulatórias (como as propostas para mudança das lei de concessão), custos e regras trabalhistas que desestimulam o emprego e incertezas legais. De outro, o pessoal que sustenta que o país não cresce porque o modelo é concentrador de renda e excludente. E que já está mais do que na hora de o estado forçar uma distribuição de renda e a inclusão social. Não há um desempate claro, mas também não há dúvidas de que a onda de esquerda avança com firmeza. As principais mudanças tem sido na direção de impor limites à atividade privada, ampliar as regras trabalhistas e aumentar os gastos públicos. Ainda não conseguiram aumentar impostos porque o tema é impopular mesmo na esquerda, mas as propostas estão na mesa.

Tudo considerado, parece que o Chile também não consegue escapar da onda do populismo distributivista que sempre aparece na América Latina, ora pela direita, ora pela esquerda. Toda vez que se dizia que certas idéias (não se pode distribuir quando não há geração de renda; não há almoço grátis; e só capitalismo gera riqueza) não pegavam na América Latina, o pessoal dizia: pois olhem para o Chile. Pois se olharem bem hoje, já vislumbrarão os velhos contornos latino-americanos. E os brasileiros de hoje.

www.sardenberg.com.br

domingo, janeiro 28, 2007

A DEMOCRACIA TOTALITÁRIA

Denis Lerrer Rosenfield

A América Latina está adotando um rumo nitidamente esquerdista, com posições que retomam as experiências socialistas autoritárias e totalitárias do século 20. A única novidade consiste no ressurgimento da tentação totalitária, nada tendo que ver com o que alguns chamam de resgate da utopia. A realização da utopia se consubstanciou no totalitarismo. O que ocorre é que um certo setor da esquerda latino-americana, aí incluindo a brasileira, se está sentindo autorizado a imitar a experiência em curso. A diplomacia brasileira, por sua vez, está dando uma importante contribuição à confusão reinante ao velar o que está acontecendo naqueles países, como se neles a democracia estivesse sento respeitada. Contribuem, neste sentido, para as farsas diplomáticas de Hugo Chávez e Evo Morales.

A imagem de Evo Morales de mãos dadas com o presidente da teocracia iraniana, Mahmoud Ahmadinejad, mostra o quanto a tentação totalitária está ganhando amplitude global. O representante de um regime teocrático que chega a negar a ocorrência do Holocausto, que exerce controle absoluto de sua população, punindo e mesmo eliminando adversários, se torna um convidado especial e, inclusive, um modelo da luta "antiimperialista", um homem "justo", nas palavras de Chávez. Rafael Correa, do Equador, segue, agora, os passos do líder máximo venezuelano. Daniel Ortega, da Nicarágua, aguarda somente uma ocasião mais propícia internacionalmente para enveredar pelo mesmo caminho.

Os vários tipos de tentações autoritárias e totalitárias, mais à esquerda ou mais à direita, parecem confluir num mesmo sumidouro que se alça à condição de realização de um sonho. A degradação da esquerda chega a tal ponto que um regime como o iraniano, de corte mais propriamente fascista, é considerado de esquerda.

Devemos evitar o equívoco de considerar o que está ocorrendo nessas regiões da América Latina como se fosse um mero ressurgimento do populismo. Notemos que o presidente Néstor Kirchner, que adota uma via populista clássica, não compareceu à posse do presidente do Equador, entre outras razões pela presença do presidente Mahmoud Ahmadinejad, dada a experiência argentina com o terrorismo iraniano. O fenômeno em curso é diferente, pois se trata do projeto marxista de estabelecimento de uma sociedade socialista, dita eufemisticamente "socialismo do século 21". O que, sim, se pode dizer é que o projeto socialista se utiliza da tradição populista vigente, aproveitando-a para seus propósitos específicos.

A tradição marxista internacional tem, basicamente, dois grandes modelos: a via leninista e a via gramsciana, a primeira também dita oriental e a segunda, ocidental. A via leninista emprega diretamente a violência revolucionária mediante a sublevação popular-partidária, destruindo imediatamente as instituições vigentes, estabelecendo um regime de partido único e abolindo a propriedade privada, o Estado de Direito e a economia de mercado. A estatização dos meios de produção - e da sociedade - se torna o seu objetivo primeiro. Ela surge, basicamente, em países sem nenhuma ou pouca tradição democrática e com pequena experiência da propriedade privada, como a Rússia. A via gramsciana é também dita ocidental por se apropriar das instituições democráticas e por fazer aparentemente o jogo do Estado de Direito, mantendo, num primeiro momento, alguns setores econômicos sob a economia de mercado, embora altamente controlada. Num segundo momento, envereda para a estatização de setores ditos "estratégicos". Eis por que ela oferece a imagem de ser "democrática" ao utilizar as regras da democracia para abolir precisamente esse regime político.

Chávez, por exemplo, está claramente eliminando a democracia por intermédio 1) da submissão do Judiciário; 2) do Parlamento, que se torna órgão auxiliar do Executivo, pois o ditador-presidente passará a legislar por decreto, unindo a função executiva com a legislativa - ele é ungido à posição de um senhor que tudo sabe, não precisando consultar ninguém; 3) do fechamento de uma rede de televisão, anunciando o que fará com a liberdade de imprensa; 4) de assegurar a sua vitaliciedade no poder mediante o mecanismo da reeleição indefinida, assumindo a posição que era a dos secretários dos ex-partidos comunistas no poder, como Stalin, Mao ou Fidel; 5) da criação de um partido único de esquerda, prenúncio de um único partido futuro.Digna de nota é a repetição em todos esses países da criação de Assembléias Constituintes, que têm como objetivo estabelecer uma relação direta do líder máximo com as massas, de modo a controlar o que se torna um pseudomecanismo parlamentar. O Legislativo desaparece enquanto Poder. Hugo Chávez utiliza-se desse mecanismo, Evo Morales segue os seus passos e Rafael Correa imita a mesma via. Em nome de uma suposta "soberania popular", eles caminham rapidamente para abolir a representação política e as liberdades democráticas em geral. Utilizam, portanto, uma instituição democrática para suprimir a própria democracia.

O governo Lula e o PT não são imunes a essa tentação. Diria que setores importantes do partido se sentem atraídos a enveredar por esse caminho. Praticamente todas as tendências petistas sempre defenderam o governo Chávez e algumas claramente o erigiram em modelo. O mesmo se pode dizer da defesa do socialismo indígena de Evo Morales. Alguns dirigentes chegaram mesmo a defender as medidas tomadas contra a Petrobrás, como se os interesses brasileiros fossem, para eles, secundários. Mais recentemente, o assessor especial da Presidência e ex-presidente do PT Marco Aurélio Garcia, aparentemente um moderado no espectro petista, chegou a declarar que o golpe chavista da reeleição indefinida e outras medidas tomadas na Venezuela constituíam um "aprofundamento da democracia". Faltou acrescentar: "da democracia totalitária".

Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRGS. E-mail: denisrosenfield@terra.com.

A QUESTÃO DO DESMATAMENTO VISTA POR OUTRO ÂNGULO

"CAMPEÕES DE DESMATAMENTO

Evaristo Eduardo de Miranda

Há 8 mil anos, o Brasil possuía 9,8% das florestas mundiais. Hoje, o País detém 28,3%. Dos 64 milhões de km2 de florestas existentes antes da expansão demográfica e tecnológica dos humanos, restam menos de 15,5 milhões, cerca de 24%. Mais de 75% das florestas primárias já desapareceram. Com exceção de parte das Américas, todos os continentes desmataram, e muito, segundo estudo da Embrapa Monitoramento por Satélite sobre a evolução das florestas mundiais.

A Europa, sem a Rússia, detinha mais de 7% das florestas do planeta e hoje tem apenas 0,1%. A África possuía quase 11% e agora tem 3,4%. A Ásia já deteve quase um quarto das florestas mundiais, 23,6%, agora possui 5,5% e segue desmatando. No sentido inverso, a América do Sul, que detinha 18,2% das florestas, agora detém 41,4%, e o grande responsável por esses remanescentes, cuja representatividade cresce ano a ano, é o Brasil.Se o desflorestamento mundial prosseguir no ritmo atual, o Brasil - por ser um dos que menos desmatou - deverá deter, em breve, quase metade das florestas primárias do planeta.

O paradoxo é que, ao invés de ser reconhecido pelo seu histórico de manutenção da cobertura florestal, o País é severamente criticado pelos campeões do desmatamento e alijado da própria memória.Na maioria dos países, a defesa da natureza é fenômeno recente. No Brasil, vem de longa data. Desde o século 16, as Ordenações Manuelinas e Filipinas estabeleceram regras e limites para exploração de terras, águas e vegetação. Havia listas de árvores reais, protegidas por lei, o que deu origem à expressão "madeira de lei".

O Regimento do Pau Brasil, de 1605, estabeleceu o direito de uso sobre as árvores, e não sobre as terras. As áreas consideradas reservas florestais da Coroa não podiam ser destinadas à agricultura. Essa legislação garantiu a manutenção e a exploração sustentável das florestas de pau-brasil até 1875, quando entrou no mercado a anilina. Ao contrário do que muitos pensam e propagam, a exploração racional do pau-brasil manteve boa parte da mata atlântica até o final do século 19 e não foi a causa do seu desmatamento, fato bem posterior.Em 1760, um alvará real de dom José I protegeu os manguezais.

Em 1797, uma série de cartas régias consolidou as leis ambientais: pertencia à Coroa toda mata à borda da costa, de rio que desembocasse no mar ou que permitisse a passagem de jangadas transportadoras de madeiras. A criação dos Juízes Conservadores, aos quais coube aplicar as penas previstas na lei, foi outro marco em favor das florestas. As penas eram de multa, prisão, degredo e até pena capital para incêndios dolosos. Também surgiu o Regimento de Cortes de Madeiras, com regras rigorosas para a derrubada de árvores, além de outras restrições à implantação de roçados.

Em junho de 1808, dom João VI criou a primeira unidade de conservação, o Real Horto Botânico do Rio de Janeiro, com mais de 2.500 hectares, hoje republicanamente reduzido a 137 hectares. Uma ordem, de 9 de abril de 1809, deu liberdade aos escravos que denunciassem contrabandistas de pau-brasil e decreto de 3 de agosto de 1817 proibiu o corte de árvores nas áreas das nascentes do Rio Carioca.

Em 1830, o total de áreas desmatadas no Brasil era inferior a 30 mil km2. Hoje se corta mais do que isso a cada dois anos. Em 1844, o ministro Almeida Torres propôs desapropriações e plantios de árvores para salvar os mananciais do Rio de Janeiro. Em 1861, pelo Decreto Imperial 577, de dom Pedro II, foi criada (e plantada) a Floresta da Tijuca.A política florestal da Coroa portuguesa e brasileira logrou, por diversos mecanismos, manter a cobertura vegetal preservada até o final do século 19.

O desmatamento brasileiro é fenômeno do século 20. Em São Paulo, Santa Catarina e Paraná, a marcha para o oeste trouxe grandes desmatamentos. As florestas de araucárias foram entregues pela Ré-pública aos construtores anglo-americanos de ferrovias, juntamente com as terras adjacentes.Na Amazônia, a maior ocupação ocorreu na segunda metade do século 20 com migrações, construção de hidrelétricas, estradas e outras infra-estruturas. Há 30 anos, o desmatamento anual varia de 15 mil a 20 mil km2, com picos de 29 mil e 26 mil km2 em 1995 e 2003.

Nos últimos dois anos, passou a 11 mil km2, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).Apesar de generalizações equivocadas, o desmatamento brasileiro não produziu desertos. Como na Europa, as florestas cederam lugar à agricultura moderna e competitiva, à pecuária, às florestas plantadas (seringa, café, eucalipto, laranja, teca...) e às cidades. O Brasil é um líder agrícola mundial.

O estudo da Embrapa indica que, apesar do desmatamento dos últimos 30 anos, o Brasil é um dos países que mais mantêm sua cobertura florestal. Dos 100% de suas florestas originais, a África mantém hoje 7,8%, a Ásia 5,6%, a América Central 9,7% e a Europa - o pior caso do mundo - apenas 0,3%. Embora se deva mencionar o esforço de reflorestar para uso turístico e comercial, não é possível ignorar que 99,7% das florestas primárias européias foram substituídas por cidades, cultivos e plantações comerciais.

Com invejáveis 69,4% de suas florestas primitivas, o Brasil tem grande autoridade para tratar desse tema ante as críticas dos campeões do desmatamento mundial, como tem proclamado o ministro da Agricultura, Luís Carlos Guedes. Há que ter também responsabilidade para reavivar, por meio de políticas e práticas duradouras, a eficácia das medidas históricas de gestão e exploração que garantiram a manutenção das florestas primárias brasileiras."

Evaristo Eduardo de Miranda, doutor em Ecologia, é chefe geral da Embrapa Monitoramento por Satélite E-mail: mir@cnpm.embrapa.br

quarta-feira, janeiro 24, 2007

TRABALHADORES DO MUNDO, ISOLAI-VOS!

Arranjos institucionais que privilegiassem reservas de mercado para seus integrantes, em detrimento dos demais.

Um dos slogans mais famosos do pensamento socialista, “Trabalhadores do Mundo, Uni-vos”, veio a público por meio do Manifesto Comunista, escrito por Karl Marx e Friedrich Engels, em 1848. O dito manifesto pretendia unir os proletários do mundo inteiro contra a opressão burguesa, em torno da revolução socialista. Quando eu trabalhava na marinha mercante, certa vez, foram embarcados três mecânicos. Nada de mais, se não fossem poloneses, uma novidade nos navios de bandeira brasileira. Com a queda do muro de Berlim, a navegação mundial viu-se repentinamente agraciada com uma multidão de trabalhadores razoavelmente bem qualificados, dispostos a trabalhar por salários bem mais compensadores que em seus respectivos países de origem. A título de ilustração, um capitão de uma fragata russa, que ganhava um soldo não maior que US$ 50.00, se tanto, poderia então comandar qualquer cargueiro enferrujado por aí com um salário não menor que US$ 4,000.00! Em pouco tempo, graças talvez à índole brasileira, os três colegas estrangeiros já estavam bem integrados à tripulação, mesmo apesar das dificuldades lingüísticas, até que um dia embarcou um colega que pertencia ao sindicato. Imagina o leitor que o sindicalista recebesse bem os “companheiros poloneses”? Que nada. Reprovara veementemente nossa amizade com os três, e nos exortava a tratá-los coma maior rispidez possível. A idéia era a de criar um ambiente psicológico de tal forma constrangedor que os estimulassem a desembarcar, ou, como se diz hoje, aplicar, sem meias palavras, o tal do “assédio moral”. Escancaradamente. Na cabeça do sindicalista, a contratação dos estrangeiros era um perigoso precedente para o mercado de trabalho. Contudo, ele não levava em consideração o fato de que brasileiros, até então praticamente desconhecidos no mercado internacional, também estavam começando a conseguir emprego em companhias de navegação estrangeiras. Assim é o pensamento trabalhista, aliás, desde muito antes previsto pelo filósofo Ludwig von Mises. Os interesses dos trabalhadores não são exatamente os mesmos, e muitas vezes são mesmo antagônicos. Não se coincidem os interesses dos empregados de uma mesma empresa, assim como também não coincidem os de uma mesma categoria ou de categorias diferentes, ou ainda, de países distintos.
A negociação coletiva de salários é um corolário da aversão que nutrem os operários mais medíocres, a maioria, em relação aos mais competentes e aplicados; mediante um artifício que lhes propicie uma alegada legitimidade, cuja justificativa não se assenta em mais do que ar rarefeito, aplicam a força pura contra a minoria representada pelos que conseguem se destacar com seus próprios méritos. Os princípios liberais, mesmo que jamais tivessem sido integralmente aplicados, geraram uma riqueza ímpar capaz de dotar muitas nações de um inédito incremento do padrão de vida. Por meio do intercâmbio de mercadorias, pessoas comuns passaram a ter à disposição coisas que anteriormente nem sequer os nobres de seus países tinham acesso.
O liberalismo tende ao congraçamento entre os indivíduos, e por extensão, entre os povos, pois transforma bárbaros em colaboradores voluntários. Ao passo que os princípios liberais tendem para a escolha do que é mais racional, mais eficiente e menos custoso, não importando de onde venha, o trabalhismo, dotado de uma mentalidade essencialmente protecionista, até hoje não criou nada que não fosse algo comparável aos sistemas feudais. Longe de unir os trabalhadores do mundo em torno de um ideal alegado, qual seja, a luta conjunta contra uma dada classe exploradora, sempre a atuação de seus advogados foi no sentido de se construírem arranjos institucionais que privilegiassem reservas de mercado para seus integrantes, em detrimento dos demais. Nada mais poderia ser denominado tão propriamente de “exclusão social” do que esquemas formais de proibir determinadas pessoas de exercer uma profissão.Alguns exemplos: as antigas corporações de ofícios, hoje evoluídas para os tais conselhos de classe ou ordens, sempre existiram para tão somente defender interesses corporativos; nos portos públicos, um chamado “Órgão Gestor de Mão-de-Obra (OGMO)” determina, com gozo de monopólio e predominantemente com base em critérios políticos, quais os trabalhadores que irão atender às fainas, e pior, totalmente à revelia dos importadores/exportadores; inúmeras leis exigem que certas atividades só possam ser executadas por determinados profissionais, ou que determinadas empresas tenham de admitir um certo número de tais ou quais profissionais, totalmente desprovidas de uma justificativa técnica admissível; no serviço público, é comum ver diferentes carreiras digladiando entre si, em busca de reservas privativas de atribuições, como forma de garantirem seus salários e exercerem poder, principalmente por meio de greve. Nas negociações que as diversas nações travam para consolidarem mercados comuns, não há tema trais trancado do que o trânsito de trabalhadores. Um verdadeiro tabu. Na Europa, a aplicação das doutrinas intervencionistas social-democratas e trabalhistas, hoje exibindo os seus retratos na forma de uma crônica estagnação econômica e de um alto desemprego, tem culminado com o recrudescimento da hostilidade contra os imigrantes estrangeiros, antes tão bem-vindos à época quando o continente se reergueu pujante do pós-guerra à base de políticas liberalizantes. Tal é a doutrina trabalhista: a apologia da barreira, da trincheira, do protecionismo, da reserva de mercado, pela qual qualquer pessoa ficará impossibilitada de exercer a mais simples atividade que não seja antes autorizada ou concedida ou visada por um grupo totalmente estranho, que se interpõe à força entre ela e os seus clientes. As nações tornar-se-ão comunidades autárquicas, onde predominarão os detestáveis regimes de substituição de importações, e uma das coisas mais belas e essenciais do ser humano, o direito de ir e vir, de transitar e conhecer outros países, e quiçá trabalhar, será fatalmente frustrado ante as alfândegas e polícias de imigração.


Klauber Cristofen PiresBacharel em Ciências Náuticas no Centro de Instrução Almirante Braz de Aguiar, em Belém, PA. Técnico da Receita Federal com cursos na área de planejamento, gestão pública e de licitações e contratos administrativos. Dedicado ao estudo autoditada da doutrina do liberalismo, especialmente o liberalismo austríaco. Possui artigos publicados no Mídia Sem Máscara, Diego Casagrande, Domínio Feminino, O Estatual e Instituto Liberdade. Em 2006, foi condecorado como "Colaborador Emérito do Exército", pelo Comando Militar da Amazônia.
Site: http://http:/libertatum.blogspot.comE-mail: mailto:%20klauber.pires@gmail.com

domingo, janeiro 21, 2007

O TIGRE CELTA

DO SITE DO WWW.INSTITUTOLIBERAL.ORG.BR
Irlanda
18.01.07

O Tigre Celta
MÁRCIO C. COIMBRA*

Se buscarmos qualquer palavra para definir a Irlanda atual, sem dúvida será liberdade. As reformas de cunho liberalizante iniciadas em 1997, conduzidas com enorme inteligência, levaram o país a ostentar indicadores invejáveis. Durante uma recente reunião da The Mont Pèlerin Society, na Guatemala, foi apresentado um trabalho que cruzava dados de todos os indexes de liberdade elaborados por diversos institutos de estudos pelo mundo. Depois de analisar todas as informações, a Irlanda foi considerada o país mais livre do mundo, ou seja, uma nação que possui baixa carga tributária, excelentes níveis de educação, respeito ao cumprimento dos contratos e das leis, independência do Judiciário, respeito à propriedade intelectual, instituições fortes, baixos níveis de corrupção e pouca regulação do Estado na economia. Tudo com o objetivo de incentivar o empreendedorismo. Sua pujante economia liberal, responsável por gerar ótimos indicadores sociais, levou o país a receber o apelido de Tigre Celta.

A mudança começou a ser gestada durante uma cisão política em 1985, com a criação da Democracia Progressista ou simplesmente Partido Democrático (An Páirtí Daonlathach). Este novo grupo político introduziu os conceitos de valorização da livre-iniciativa, baixos impostos, economia competitiva, privatizações e equilíbrio orçamentário com o objetivo de criar um ambiente de comércio dinâmico. Mesmo com Partido Republicano (Fianna Fáil) ocupando a Presidência e a Chefia de Governo (Taoiseach), a habilidade política da Democracia Progressista forneceu a possibilidade de influenciar nas políticas da administração federal por intermédio da Vice-Chefia (Tánaiste), desde a formação do governo de coalizão de 1997, primeiro com Mary Harney (1997-2006) e atualmente com Michael McDowell.

A Irlanda, entretanto, nem sempre foi livre e rica. Durante muitos anos viveu com grande interferência do Estado em sua economia. O desemprego, que hoje é de cerca de 4%, já alcançou 19% em 1987. Os problemas já foram enormes, como crises econômicas que geraram ondas de fome, secas que destruíram plantações e levaram a morte mais de 1 milhão de irlandeses ainda no século XIX. Neste período, mais de 2 milhões deixaram o país, que perdeu por volta de 35% da população. Os problemas continuaram com a interferência dos britânicos e as fortes reações irlandesas, como o Levante da Páscoa em 1916. A independência total veio aos poucos, primeiro com o estabelecimento de um Estado Livre, depois com a Constituição de 1937 e finalmente a República em 1949. Hoje, aberta, soberana e livre, a Irlanda se tornou uma nação de forte imigração, de braços abertos, especialmente aos descendentes dos antigos irlandeses que deixaram o país no passado.

O surgimento do Tigre Celta, na década de 90, é creditado a diversos fatores, entretanto, o mais interessante é observar o processo de ruptura com a interferência do Estado na economia e o surgimento de um país moderno, desenvolvido e socialmente saudável. A entrada na Comunidade Econômica Européia em 1973 é uma parte importante do processo, embora não explique o progresso espetacular a partir de 1997. O mesmo vale para a Espanha, que conheceu um governo de características similares que iniciou no mesmo período que o irlandês. A simples entrada da Espanha na Comunidade Européia em 1986 não foi responsável pelo seu magnífico progresso. Espanha e Irlanda implementaram políticas liberalizantes, responsáveis por seu fabuloso progresso muito tempo após sua adesão ao bloco econômico europeu. O crédito, neste caso, deve ser dado a coalizão entre Democracia Progressista e Partido Republicano na Irlanda, a partir de 1997 e ainda em curso, e ao Partido Popular na Espanha, entre o período de 1996 e 2004.

Durante meu período em Dublin, tive a felicidade de conhecer um país aberto, com liberdades plenas, sem interferência do Estado na economia, o que gerou pleno emprego e um ambiente socialmente desenvolvido. A experiência da Irlanda, sem precedentes em sua história, é uma lição aos países irresponsáveis, toscos e ignorantes que flertam que o populismo e políticas de assistência, como o Brasil e alguns de seus pares na América Latina. As políticas de plena liberdade levam invariavelmente ao sucesso, ao progresso e aos melhores indicadores sociais. “There is no free lunch”, como dizia o saudoso Milton Friedman. Ele estava certo. É só observar no que se transformou a Irlanda.

Artigo redigido em 31.12.2006
Em Dublin, Irlanda.
* Analista político, especialista em Direito Internacional, membro da The Mont Pèlerin Society, editor –chefe do site Parlata (www.parlata.com.br

quarta-feira, janeiro 17, 2007

O Foro de São Paulo, versão anestésica
por Olavo de Carvalho em 16 de janeiro de 2007 .

Resumo: Depois de ignorar durante anos a existência do Foro de São Paulo, a mídia brasileira agora prefere mentir e desinformar afirmando que o viés da organização comunista é "populista-nacionalista".

© 2007 MidiaSemMascara.org
Depois de esconder por dezesseis anos a existência da mais poderosa entidade política latino-americana, a mídia chique deste país, vencida pela irrefreável divulgação dos fatos na internet, trata agora de disfarçar, como pode, o mais torpe e criminoso vexame jornalístico de todos os tempos. O expediente que usa para isso é ainda mais depravado: caluniar, difamar, sujar a reputação daqueles poucos que honraram os deveres do jornalismo enquanto ela não se ocupava senão de prostituir-se, vendendo silêncio em troca de verbas estatais de propaganda.
Envergonhada de si mesma, ela não tem nem a dignidade de citar nominalmente essas honrosas exceções. Designa-as impessoalmente, fingindo superioridade, mediante pejorativos genéricos. O mais comum é “radicais de direita”. Encontro-o de novo no artigo “Os limites de uma onda esquerdista”, assinado por César Felício no jornal Valor no último dia 12.

O autor é uma nulidade absoluta, e eu jamais comentaria uma só linha da sua fabricação se as nulidades não se tivessem tornado, num jornalismo de ocultação, os profissionais mais necessários e bem cotados. Por favor, não me acusem de caçar mosquitos. Compreendam o meu drama: nas presentes circunstâncias, a recusa de falar de nulidades me deixaria totalmente desprovido de material nacional para esta coluna.
A primeira coisa que tenho a dizer a esse moleque é bem simples: Radical de direita é a vó. Antigamente chamava-se por esse qualificativo o sujeito que advogasse a matança sistemática de comunistas como os comunistas advogam e praticam a matança sistemática de populações inteiras. Hoje em dia, para ser carimbado como tal, basta você achar que o Foro de São Paulo existe e é perigoso. Basta você fazer as contas e notar que centenas de prisioneiros morreram de tortura na Guantanamo cubana e nenhum na americana. Basta você apelar à matemática elementar e concluir que a guerra do Iraque matou muito menos gente do que o regime de Saddam Hussein sob os olhos complacentes da ONU. Se você incorre em qualquer desses pecados mortais, lá vem o rótulo infamante grudar-se na sua pessoa indelevelmente, como marca de escravo fujão ou ferrete de gado. E não vem por via de nenhum jornaleco de partido, de nenhum panfleto petista. Vem pela Folha de São Paulo, pelo Globo, pelo Estadão, pelo jornal Valor – os órgãos da burguesia reacionária, segundo o site oficial do PT.

Que é que posso concluir disso, objetivamente, senão que a esquerda radical conseguiu impor à grande mídia a sua escala de mensuração ideológica e o correspondente vocabulário, agora aceitos como opinião centrista, equilibrada, mainstream, enquanto as opiniões que eram da própria grande mídia ontem ou anteontem já não podem ser exibidas ante o público porque se tornaram politicamente incorretas?
Será extremismo de direita concluir que o eixo, o centro, se deslocou vertiginosamente para a esquerda, criminalizando tudo o que esteja à direita dele próprio? Será extremismo de direita concluir que a única direita admitida como decente na mídia chique é o tucanismo, quotista racial, desarmamentista, politicamente corretíssimo, padrinho do MST e filiado à internacional socialista, além de bettista e boffista, quando não abertamente anticristão? Será extremismo direitista notar que o traço mais saliente dessa direita bem comportadinha é a abstinência radical de qualquer veleidade anticomunista? Será extremismo de direita entender que esse fenômeno é a manifestação literal e exata da hegemonia tal como definida por Antonio Gramsci? Será extremismo de direita concluir que o establishment midiático deste país é, no seu conjunto, um órgão da esquerda militante mesmo nos seus momentos de superficial irritação antipetista, quando jamais proferiu contra o partido dominante uma só crítica que não viesse de dentro da esquerda mesma e que não fosse previamente expurgada de qualquer vestígio de conteúdo ideológico direitista?

Qualquer pessoa intelectualmente honesta sabe que um juízo de fato não pode ser derrubado mediante rotulação infamante. Tem de ser impugnado pelo desmentido dos fatos. Se quiser rotulá-lo, faça-o depois de provar que é falso. Não antes. Não em substituição ao desmentido. Ora, o tal Felício, em vez de desmentido, fornece uma brutal confirmação. Vejam só:
“O grupo que se reúne a partir de hoje em San Salvador... atende pelo nome de ‘Foro de São Paulo’ e nasceu sob o patrocínio do PT, em 1990. Os encontros anuais não costumam chamar muita atenção, a não ser de certos radicais de direita no Brasil.”

Ora, como é possível que encontros esquerdistas anuais repetidos ao longo de uma década e meia, com centenas de participantes, entre os quais vários chefes de Estado, não chamem atenção exceto de radicais de direita? Ninguém na esquerda prestou atenção ao Foro de São Paulo? O sr. Lula fez um discurso presidencial inteiro a respeito sem prestar a mínima atenção à entidade da qual falava? Antes disso, quando presidia pessoalmente as sessões da entidade até 2002, não lhes prestou nenhuma atenção? Entrava em transe hipnótico e balbuciava mensagens do além, sem se lembrar de nada ao despertar? Os jornalistas de esquerda que, às dezenas, compareceram aos debates, foram lá por pura desatenção, dormiram durante as assembléias e voltaram para casa sem coisa nenhuma para contar? O sr. Bernardo Kucinsky, um dos fundadores da entidade, que emocionado assistiu ao nascimento dela num encontro entre Fidel Castro e Lula, não prestou a mínima atenção àquele momento supremo da sua vida de militante esquerdista? Pago com dinheiro público para relatar aos eleitores os atos presidenciais, calou-se por mera distração, e também por mera distração guardou os fatos para contá-los depois no seu livro de memórias, onde só os colocou porque não tinham a mínima importância?

Ora, menino bobo, você não sabe a diferença entre a desatenção e a atenção extrema acompanhada de um propósito deliberado de ocultar? Que você seja desprovido do senso da verdade, vá lá. Sem isso não se sobe no jornalismo brasileiro. Mas será que você precisa também desprover-se do senso do ridículo ao ponto de tentar minimizar a importância do Foro e logo em seguida, citando documento oficial da entidade, alardear que “na primeira reunião do grupo, em 1990, os integrantes estavam no governo em um único país: Cuba. Hoje desfrutam o poder na Venezuela, Brasil, Bolívia, Nicarágua, Argentina, Chile, Uruguai e Equador”? Você acha mesmo que a organização que planejou e dirigiu a mais espetacular e avassaladora expansão esquerdista já observada no continente é um nada, um nadinha, no qual só radicais de direita ou teóricos da conspiração poderiam enxergar alguma coisa?
Na verdade, o próprio Felício enxerga ali alguma coisa. Ele cita o documento oficial: “Passamos a controlar uma cota de poder, mas as outras cotas continuam sob controle das classes dominantes. Os chamados mercados, as grandes empresas de comunicação, os setores da alta burocracia do Estado, os comandos centrais das Forças Armadas, os poderes Legislativo e Judiciário, além da influência dos governos estrangeiros, competem com o poder que possuímos.”
Ou seja: a entidade que já domina os governos de nove países não admite, não suporta, não tolera que parcela alguma de poder, por mais mínima que seja, esteja fora de suas mãos. Nem mesmo as empresas de comunicação e o judiciário, sem cuja liberdade a democracia não sobrevive um só minuto. Com a maior naturalidade, como se fosse uma herança divina inerente à sua essência, o Foro de São Paulo, com a aprovação risonha do nosso partido governante, reivindica o poder ditatorial sobre todo o continente.

Felício lê esse documento assim: “Os limites a um poder absoluto parecem incomodar os participantes do encontro.” Parecem, apenas parecem. Quem ficaria alarmado com aparências, senão radicais de direita? Afinal, eles vivem enxergando comunistas embaixo da cama, não é mesmo?
Para tranqüilizar a população, Felício trata de lhe mostrar que no Foro não há socialismo nenhum, apenas o bom e velho populismo nacionalista, tão difamado pelos agentes do imperialismo. “Um mesmo discurso estava presente na oposição a Perón e a Getúlio nos anos 40 e 50. Reapareceu, quase igual, no tipo de ataque recebido ano passado por Lopez Obrador no México e Evo Morales na Bolívia.”
A circunstância de que, ludibriados por milhares de Felícios, até membros da oposição temam dar nome aos bois, preferindo falar de “populismo” em vez de comunismo, é usada como prova de que o Foro não é uma organização comunista. O fato é que as idéias e as pessoas dos velhos populistas jamais aparecem citadas nos documentos do Foro como exemplos a ser imitados. Ao contrário, os apelos à tradição revolucionária comunista ressurgem a cada linha, com todos os seus heróis e símbolos, com todos os cacoetes lingüísticos medonhos do jargão marxista-leninista mais típico e obstinado, acompanhados da declaração explícita, infindavelmente repetida, de que a meta é o socialismo. Mas, decerto, todos os participantes do Foro, todos aqueles tarimbados militantes revolucionários treinados em Cuba, na China e na antiga URSS, estão equivocados quanto à sua própria ideologia e metas. Eles apenas pensam que são comunistas, socialistas, marxistas. Felício é quem, penetrando com seus olhos de raios-x no fundo das almas deles, sabe que não são nada disso. São getulistas que se ignoram.

A prova? Ele não se recusa a fornecê-la. É esta: “Antes de ser uma verdadeira marcha ao socialismo, a ofensiva de Chávez... sugere a coroação de um processo de concentração de poder”. Entenderam a lógica profunda? Se é concentração de poder, não é socialismo. Pena que ninguém avisou disso Marx, Lênin, Stalin, Mao, Fidel e Che Guevara. Todos eles sempre entenderam, ao contrário, que a concentração de poder é a única via para o socialismo, é a essência mesma do processo revolucionário. Mas talvez estivessem enganados, tanto quanto a turminha do Foro. Quem entende do negócio é César Felício.

No tempo em que havia jornalismo no Brasil, um sujeito como esse não seria designado para cobrir nem partida de futebol de botão. Hoje ele é uma espécie de modelo, reproduzido às centenas em todas as redações. O resultado é óbvio. Faça um teste. Segundo pesquisa da Folha de São Paulo, a opinião majoritária dos brasileiros é acentuadamente conservadora. É contra as quotas raciais, contra o desarmamento civil. É contra tudo o que os Felícios amam. É até a favor da pena de morte para crimes hediondos. E confia infinitamente mais nas forças armadas do que na classe jornalística que as difama sem cessar. Quantos jornalistas, nas redações das empresas jornalísticas de grande porte, se alinham com essa opinião majoritária? Não fiz nenhuma enquete, mas, por experiência pessoal, afirmo: poucos ou nenhum. A leitura diária dos jornais confirma isso da maneira mais patente.

A opinião pública brasileira não é refletida nem representada pela grande mídia. Não tem direito a voz, a não ser por exceção raríssima concedida a algum colaborador ocasional só para depois ser exibida como exemplo de aberração extremista, felizmente compensada pela pletora de articulistas serenos, normais e equilibrados que igualam George W. Bush a Hitler e Abu-Ghraib a Auschwitz.

A idéia mesma de que uma mídia só pode ser equilibrada quando reflete proporcionalmente a divisão das correntes de opinião no país já desapareceu por completo da memória nacional. O simples ato de enunciá-la tornou-se prova de direitismo radical. Resultado: a elite microscópica de tagarelas esquerdistas que domina as redações (não mais de duas mil pessoas) se permite tomar a sua própria opinião como medida da normalidade humana, condenando como patológicas e virtualmente criminosas as preferências gerais da nação.

Quem se coloca em tais alturas está automaticamente liberado de prestar quaisquer satisfações à realidade. Não quer conhecê-la, quer transformá-la. Para transformá-la, não é preciso mostrar os fatos às pessoas: é preciso alimentá-las de crenças imbecis que as induzam a se comportar da maneira mais adequada para favorecer a transformação. Da classe empresarial que lê o jornal Valor, que é que se espera? Que permaneça idiotizada e passiva, embriagada de falsa segurança, incapaz de mobilizar-se em tempo para se opor à onda revolucionária que vai submergindo o continente. Foi para isso que os Felícios lhe negaram por dezesseis anos o conhecimento do Foro de São Paulo. É para isso que, hoje, não podendo mais levar adiante a operação-sumiço, apelam à operação-anestesia, chamando-a, cinicamente, de jornalismo. E são pagos para fazer isso pelos próprios empresários de mídia, aqueles mesmos cujas empresas o Foro de São Paulo promete calar ou expropriar junto com todos os demais instrumentos de exercício da liberdade, num futuro mais breve do que todos imaginam.

Publicado pelo Diário do Comércio em 15/01/2007

domingo, janeiro 14, 2007

AS GRAVES CONTRADIÇÕES DO FORO DE SÃO PAULO

por Alejandro Peña

Esclusa em 12 de janeiro de 2007 © 2007 MidiaSemMascara.org

Esta semana começa em San Salvador o XIII Encontro do Foro de São Paulo (FSP) [1], organização criada por Fidel Castro e Lula da Silva em 1990, para reagrupar as forças de esquerda da região, depois da queda do muro de Berlim e do descalabro do comunismo.
Por motivo deste Encontro, publicou-se um documento – redigido, entre outros, pelo Partido dos Trabalhadores (PT) do Brasil e pelo Movimento Quinta República (MVR) da Venezuela – repleto de contradições e de falsidades [2]. A mais chamativa consiste em apresentar o Foro como uma organização de oposição ao sistema, quando na realidade seus membros governam a maioria dos países latino-americanos há anos.
São integrantes do FSP: Fidel Castro, Hugo Chávez, Lula da Silva, Evo Morales, Tabaré Vázquez e Daniel Ortega; enquanto que Néstor Kirchner, Michelle Bachelet e Rafael Correa chegaram ao poder com o apoio de partidos pertencentes ao Foro. Só ficam de fora de seu controle Felipe Calderón, Álvaro Uribe, Alan García e Tony Saca, porém assediados permanentemente por López Obrador, as FARC, Ollanta Humala e a Frente Farabundo Martí (FMLN) respectivamente, todos membros do Foro de São Paulo.
Sua presumível condição “opositora” permite ao Foro criticar a “pobreza”, a “concentração da riqueza” e a “falta de saúde, educação e moradia”, porém se esquece que seus membros levam anos no poder e que nada fizeram para solucionar esses problemas; ao contrário, os têm agravado. Chávez já vai governando há oito anos – com preços do petróleo sete vezes superiores aos que havia anteriormente – e, entretanto, a pobreza e a concentração da riqueza incrementaram-se notavelmente, enquanto que os níveis de corrupção e insegurança aumentaram em índices jamais vistos. Lula tampouco fez nada para melhorar a situação do Brasil, como se pode constatar em qualquer estatística séria.
No mencionado documento o Foro de São Paulo condena “o crime organizado, o terrorismo e o narcotráfico”, porém, convenientemente omite dizer que entre seus membros fundadores encontram-se as FARC e o ELN, organizações criminosas e terroristas que se financiam com o narcotráfico e o seqüestro.
O documento defende “a independência e a soberania” das nações latino-americanas e, ao mesmo tempo, critica “a intervenção estrangeira, a subordinação e o colonialismo” porém, não diz que o castro-comunismo exporta sua revolução ao resto do continente e influi notavelmente sobre seus aliados. Caso emblemático é o de Hugo Chávez, que manipula a seu bel prazer o governo de Evo Morales e se imiscui permanentemente nos assuntos internos de outras nações.
O FSP diz promover a integração e a unidade dos povos, porém na prática fomenta a desintegração e a divisão. Chávez não apenas acabou com o Pacto Andino, como dividiu internamente a Venezuela e a Bolívia em dois lados irreconciliáveis, o qual pode desatar a violência em ambos os países. Por sua parte, Kirchner e Tabaré Vázquez, em seu afã revanchista contra os militares, revivem perigosamente conflitos superados há décadas.
O Foro reanima as “lutas populares” dos movimentos de esquerda, “expressadas através de greves, protestos, manifestações e bloqueio de estradas”, porém quando essas mesmas ações são realizadas contra ele, as reprime ferozmente. Na Venezuela, Chávez despediu 20 mil trabalhadores da indústria petroleira por exercer seu direito universal à greve, grupos oficialistas paramilitares atacam com balas os protestos opositores e se promulgaram leis contra o bloqueio de estradas ou “guarimbas”.
Todavia, o documento do XII Encontro do Foro de São Paulo diz toda a verdade quando confessa que não existem duas esquerdas diferentes, uma “moderada” (Lula, Kirchner, Vázquez, Bachelet) e outra “radical” (Castro, Chávez, Morales), mas que há uma só esquerda. Textualmente diz: “A maquinaria político-ideológica da direita... tenta dividir os governos progressistas em dois grupos: a esquerda moderna e a esquerda atrasada com a intenção de apagar os muitos objetivos comuns que unem nossos governos e partidos. Esta diferença é falsa e o que existe na verdade é uma diversidade de estratégias que respondem às realidades e condições de luta que existem em cada país”.
Tantas e tão graves contradições demonstram que o objetivo do Foro de São Paulo não é resolver os problemas que critica, senão aproveitar o fracasso dos governos anteriores e manipular os povos para alcançar o poder e usufruí-lo em benefício próprio.
Nesta oportunidade o Foro se reúne em El Salvador – um dos poucos países que o FSP não pôde controlar – para dar respaldo continental à Frente Farabundo Martí a fim de que tome o poder, quer seja pela via eleitoral quer seja pela via das armas. No momento Chávez financia generosamente a campanha do FMLN, fornecendo petróleo barato às prefeituras governadas por essa organização. Se isso não é intervenção externa, então o que é?

Tradução: Graça Salgueiro
[1] A página web do Foro de Sao Paulo é www.forosaopaulo.org

O DESAFIO DA AGRICULTURA FAMILIAR

XICO GRAZIANO

Manter o trabalho e a renda dos pequenos agricultores, garantindo-lhes qualidade de vida: esse é o maior desafio da política rural no Brasil. A reforma agrária distributivista está superada, encerrando seu ciclo histórico. Durante 50 anos, dominou a problemática dos "sem-terra". Agora, o centro da questão agrária está nos "com-terra".

Milhões de pequenos agricultores, em todo o mundo, sofrem o drama da sobrevivência. Os mercados globalizados e a tecnologia ditam regras impeditivas à organização tradicional no campo. Na França ou nos Estados Unidos, embora com modelos diferentes de agricultura, a situação é semelhante: verifica-se, nos últimos 20 anos, forte redução na quantidade de agricultores e o subseqüente aumento na escala de produção.

Esse fenômeno, felizmente, não se manifesta cabalmente por aqui. As estatísticas mostram que a pequena produção persiste no campo, convivendo ao lado das grandes empresas rurais. O mecanismo da herança familiar contrapõe-se à força da concentração fundiária e o pequeno agricultor, talvez até pela falta de melhor alternativa, continua a saga de sua existência. Até quando?

Segundo estudo da FAO/Incra, existem 4.140.000 agricultores familiares no País. Esse enorme contingente de trabalhadores "com-terra" detém 30,5% da área e gera 38% do valor da produção rural. Ocupa 77% da mão-de-obra no campo, somando 13,8 milhões de pessoas, metade delas no Nordeste. Este é o perfil geral da agricultura familiar no País. Fora os 600 mil novos agricultores assentados da reforma agrária e beneficiários do Banco da Terra.
Aqui reside o desafio do futuro: garantir a permanência desses produtores.

Para evitar o êxodo rural, entretanto, será necessário urbanizar o campo, levando cidadania aos agricultores, vida digna, educação, saúde. Como chegar lá?
Primeiro, enfrentando o jogo da Política. Enquanto a sociedade e a mídia continuarem polarizadas pelas invasões de "sem-terra", estará perdendo precioso tempo na luta a favor dos "com-terra". A luta ideológica conduzida pelo MST distrai o foco da verdadeira batalha. A aspiração dos agricultores familiares, suas necessidades reais, submerge no maniqueísmo ridículo que contaminou o debate sobre a questão da terra.

A reforma agrária ou se transforma num processo planejado, ou continuará destinada ao fracasso, mesmo travestida de ação social. Não se fazem agricultores assentando invasores de terras: o mundo rural exige qualificação adequada, aptidão. Se alguém duvida, que pergunte aos milhões de agricultores tradicionais, que estão na lide há séculos. Chega de vender ilusão.
Segundo, para fortalecer os pequenos produtores rurais, carece decidida política de Estado. O Pronaf, implantado pelo governo FHC, deve ser radicalizado, ultrapassando seu viés financeiro e adentrando na luta pelo conhecimento, que leva à verdadeira emancipação. O crédito rural, mal utilizado, pode aumentar a dependência dos agricultores, endividando-os, mantendo uma espécie de clientelismo nas agências do capital. A motivação dos pequenos produtores, através da tecnologia e da organização rural, oferece o conteúdo de uma nova assistência técnica. Isso formata uma política de desenvolvimento rural, acoplada à política econômica.

Essa tarefa, a da organização, depende dos próprios agricultores. Somente a consciência crítica sobre sua realidade, nos marcos concretos da economia globalizada, pode induzir os produtores a buscarem formas solidárias de atuação, principalmente na comercialização de seus produtos. A tecnologia e os mercados, aparentemente próprios dos grandes capitais, podem muito bem servir aos pequenos. Pequenos, agrupados, viram grandes!

Terceiro, qualquer política de desenvolvimento rural precisa considerar que, hoje, o rural é maior que o agrícola ou o pecuário. As imensas oportunidades de negócio oferecidas pelo turismo rural e ecológico, o lazer no campo, surgem como valiosas alternativas de renda e emprego. Mais que agricultura, o mundo rural envolve crescentemente atividades de natureza variada nos pequenos municípios, chamados de urbanos pelo IBGE, porém eminentemente dependentes da dinâmica do campo. São essas "cidades-rurais", milhares delas, com seus distritos e povoados, que multiplicam a renda e agregam as comunidades do interior do País.

Por último, um quesito fundamental. Uma política para a agricultura familiar precisa estar diferenciada conforme o público-alvo. Não há maior pecado na economia rural que desprezar a complexidade do mundo agrário, com seus múltiplos agroecossistemas, suas enormes disparidades regionais.

Dos agricultores familiares, 46% são muito pobres, produzindo para autoconsumo com baixíssima produtividade. Representam, segundo a FAO/Incra, 1,9 milhão de pequenos produtores. Distante do mercado, tal segmento nada se assemelha ao grupo de elite, formado por 400 mil agricultores eficientes, inseridos na economia. Na parcela intermediária encontram-se os agricultores em transição, subindo ou descendo a ladeira do progresso.
Será um equívoco imaginar uma única política de desenvolvimento rural. Os "pobres rurais" exigem políticas sociais compensatórias, como a renda rural mínima. Aos outros, capitalizados, basta que se organizem melhor. Aqueles próximos a mercados precisam de apoio na venda de seus produtos.

Enfim, a tecnologia não é panacéia. Os preços, não sendo remuneradores, refreiam o avanço tecnológico. Mais ainda: a equação dos pequenos agricultores não se resolve apenas na economia. Claro que almejam o progresso. Mais que riqueza, porém, querem eles respeito. Esta é sua maior necessidade: salvar seu modo de vida.

Xico Graziano, agrônomo, foi presidente do Incra (1995) e secretário da Agricultura de São Paulo (1996/98). E-mail: xicograziano@terra.com.br

O CUSTO DA JUSTIÇA DO TRABALHO

Terça-feira, 11 de março de 2003

O SISTEMA É INEFICAZ E QUANDO JULGA GASTA MAIS DO QUE DEVOLVE AOS RECLAMANTES

JOSÉ PASTORE
Uma das tarefas mais difíceis nas ciências sociais é matematizar o valor dos serviços intangíveis. Quanto vale a ação de um juiz que corrige a injustiça praticada por um empregador? Quanto vale a decisão de um tribunal que termina com uma greve de ônibus?
Se, de um lado, é difícil estimar o benefício de uma sentença judicial, de outro, é mais fácil calcular o seu custo. Segundo os dados do Relatório Geral da Justiça do Trabalho de 2001, aquele órgão encerrou nas Varas do Trabalho 1.642.613 ações, tendo pago aos reclamantes R$ 5.735.978.055 e utilizado, para tal, R$ 4.403.347.000 dos recursos da União. Ou seja, para solucionar um caso no valor de mil reais, a Justiça do Trabalho gastou, em média, R$ 767 - o que dá uma taxa de retorno fracamente positiva.
O problema não pára aí. Dos 1.642.613 casos resolvidos, 805.880 foram acertados por acordo, em geral, na primeira audiência (49,1%); 59.545 solucionaram-se por desistência (3,6%) e 244.722, por arquivamento (14,9%).
Foram julgados e executados 532.466 processos (32,4%). Portanto, mais de dois terços foram solucionados de forma expedita e menos de um terço exigiu um maior esforço.
Nos casos de acordo, foram pagos aos reclamantes R$ 2.392.679.316; nas execuções, R$ 3.343.298.738. Na hipótese de 25% da verba total (R$ 4.403.347.000) terem sido gastas com os trabalhos mais rápidos (R$ 1.100.836.000) - e 75% com os mais demorados (R$ 3.302.511.000), verifica-se que, para cada mil reais referentes a um acordo, desistência ou arquivamento, o órgão gastou R$ 460; e para cada mil reais referentes a uma execução, gastou R$ 980 - uma taxa de retorno quase nula.
Ao se incluir na receita da Justiça do Trabalho as taxas e emolumentos por ela cobrados para (1) arrematação, adjudicação e remição (5% do valor da ação); (2) atos dos oficiais de justiça (R$ 11,06 para zona urbana e R$ 22,13 para a zona rural); (3) agravo de instrumento ou de petição (R$ 44,26); (4) embargos à execução, embargos de terceiros e embargos à arrematação (R$ 44,26); (5) recurso de revista (R$ 55,35); (6) impugnação à sentença de liquidação (R$ 55,35); (7) despesa de armazenagem em depósito judicial (0,1% ao dia do valor da avaliação); (8) cálculos de liquidação realizados pelo contador do juízo (0,5% do valor liquidado) e outros -, verifica-se que para julgar mil reais, o órgão gasta mais de mil reais - o que torna a taxa de retorno negativa. E ao se adicionar, por fim, o valor do tempo e outras despesas das partes para preparar e acompanhar as ações assim como os honorários advocatícios, a taxa de retorno de um julgamento que chega à execução é gravemente negativa.
O pior é que, além de caro, o sistema atual desperdiça talentos. A maior parte do tempo dos juízes é consumida com reclamações individuais de escandalosa trivialidade. É triste ver magistrados que acumularam 10 ou 15 anos de estudo e experiência enfrentando, todos os dias, a mesmice de questões banais, tais como, acertos de salário, férias, aviso prévio, horas extras, 13.º salário e outras verbas não acordadas na hora da demissão.
Estamos diante de um sistema ineficaz que, quando julga, gasta mais do que devolve aos reclamantes e subutiliza a inteligência dos seus servidores.
De quem é a culpa? Dos juízes não é, muito menos dos funcionários.
Magistrados e servidores têm uma carga de trabalho colossal. Em 2001, tramitaram pela Justiça do Trabalho do Brasil, 2.527.671 ações! É um volume monstruoso, quando se sabe que nos Estados Unidos os processos de natureza trabalhista giram em torno de 75 mil por ano e, no Japão, apenas 2.500. Só no Rio de Janeiro, cada juiz resolve mil casos por ano e, em São Paulo, 1.244! - quase todos fundados nas banalidades apontadas!
A causa desse quadro kafkiano está em nossa lei trabalhista que, por ser velha e detalhista, não deixa o menor espaço para as partes negociarem - a não ser o salário, a participação nos lucros e o banco de horas.
A CLT é um livro grosso que impressiona pelo seu tamanho e os acordos e convenções preocupam pela sua anemia. Nos países de tradição negocial, dá-se o inverso: a maior parte das regras de relacionamento entre empregados e empregadores está no contrato de trabalho - e não na lei.
O que isso tem a ver com a Justiça do Trabalho? Tudo! O que é acertado por negociação normalmente não dá encrenca. E se der, as próprias partes estabelecem no contrato modos expeditos para resolver os impasses (autocomposição, conciliação, mediação, etc.).
Entre nós, como tudo é estabelecido na lei, qualquer desvio constitui uma violação legal que, é óbvio, tem de ser levada aos tribunais, o que gera 2,5 milhões de ações por ano. Temos uma lei que instiga conflitos.
Neste momento em que está sendo montado o Fórum Nacional do Trabalho para estudar a reforma trabalhista, a sociedade terá de ser bem esclarecida sobre a causa real da distorção apontada e decidir se deseja continuar com uma legislação que "fabrica" conflitos e é cara ou se prefere um sistema que inibe conflitos a custos desprezíveis.

José Pastore é professor da FEA-USP. Site: www.josepastore.com.br

quarta-feira, janeiro 10, 2007

QUE IMPORTÂNCIA TEM OS FATOS?

Parte 1
por Thomas Sowell
31 de março de 2006.
Resumo: É surpreendente que dogmas sociais como as cotas raciais sejam repetidos por décadas sem nenhum esforço sério para testar sua veracidade.
© 2006 MidiaSemMascara.org

Recentemente, um jovem negro me enviou um atencioso correio eletrônico. Entre seus gentis comentários estava uma expressão de consideração pelo racismo que, ele pensava, os negros de minha geração experimentaram na universidade.
Na realidade, é a geração dele que tem encontrado maior hostilidade racial nos campi universitários do que a minha. Mas o erro dele é compreensível, se levarmos em conta quão pouca atenção é dada à precisão histórica e quão freqüentemente a História é usada como instrumento de propaganda, hoje em dia.
Minha graduação e pós-graduação ocorreram durante os anos 1950’s – aquela década, antes da esquerda trazer a luz à suposta escuridão que cobria o mundo inteiro. Durante aquela década, eu freqüentei quatro instituições acadêmicas – um ano e meio numa instituição para negros, Universidade Howard, três anos em Harvard, onde eu me graduei, nove meses em Columbia, onde eu fiz meu mestrado e um verão na Universidade de Nova Iorque.
Eu não me lembro de uma única palavra ou um único fato racista em qualquer dessas instituições. A coisa mais próxima de uma observação racista foi feita a respeito de um estudante inglês que era definido, pejorativamente, como “desagradável, inglês e baixinho.” E fui eu quem fez essa observação.
Meu primeiro encontro com o racismo num campus universitário ocorreu próximo ao final de meus quatro anos de docência em Cornell, nos anos 1960’s – o incidente irrompeu depois de estudantes negros terem sido admitidos com notas menores do que as dos estudantes brancos e terem sido a eles permitido o envolvimento em distúrbios suficientes para punir, ou mesmo expulsar, quaisquer outros envolvidos.
Eu não fui vítima de nenhum desses incidentes racistas direcionados contra os estudantes negros. Eu recebi uma impressionante ovação em minha última aula em Cornell. Uma das estudantes negras daquela universidade foi morar comigo e minha esposa, por estar com medo, tanto dos militantes negros, quanto daqueles brancos que se tornavam, continuamente, mais amargos a respeito dos problemas causados pelos militantes e a respeito da forma compreensiva com que a administração da universidade os estava tratando.
Essa reação não era peculiar a Cornell, mas estava se desenvolvendo em muitos campi e tornou-se tão amplamente conhecida, com o passar dos anos, que ganhou um nome – “o novo racismo”. Na década de 1980, por exemplo, uma diretora da Faculdade Middelbury relatou que – pela primeira vez em seus 19 anos na instituição – ela estava recebendo solicitações dos estudantes brancos para não morarem com colegas negros nos alojamentos da universidade. Pessoas que ensinavam em Berkeley, no mesmo período, relatavam a existência, pela primeira vez, de pichações racistas e cartas com ameaças. Mais de dois terços dos graduandos seniores de Stanford diziam que as tensões racistas tinham aumentado durante suas permanências no campus.
Tudo isso era o oposto do que você seria levado a acreditar, pela história politicamente correta ou pela teoria da raça nos EUA. A infindável repetição do mantra “diversidade” implica que tais coisas como cotas e programas de identidade de grupos aprimora as relações raciais.
Considera-se que a política de cotas é necessária para criar uma “massa crítica” de estudantes negros nos campi universitários, a fim de fazê-los sentirem-se socialmente confortáveis e permitir-lhes a máxima eficiência acadêmica. Que haja várias opiniões sobre isso não é surpreendente. O que é surpreendente – de fato, chocante – é que esses dogmas sociais têm sido repetidos por décadas, sem nenhum esforço sério para testar sua veracidade.
Quando instituições de elite como Stanford, Berkeley e as universidades da Ivy League [1] são palco de cenas de apartheid e tensões raciais, deve-se perguntar: as instituições mais conservadoras, que têm resistido às políticas de cotas, estão em situação melhor ou pior nesse aspecto?
Minha impressão é de que elas estão em melhores condições. Mas o problema real é que temos de confiar em impressões, pois a pesquisa sobre assuntos raciais – que tem contado com vastos recursos de tempo e dinheiro – ainda sequer tocou nessa questão-chave, que atinge o coração dos dogmas que permeiam a academia atualmente.
Por um período de três décadas, durante a primeira metade do século XX, 34 estudantes negros da Escola Secundária de Dunbar, em Washington, foram admitidos na Faculdade Amherst. Desses, aproximadamente três quartos graduaram-se e mais de um quarto desses graduandos foram Phi Beta Kappa[2]. Mas, nunca houve mais do que uns poucos estudantes negros em Amherst durante aquele período – nada que lembrasse uma “massa crítica”. Essa evidência é conclusiva? Não. Mas, é uma evidência – e a esquerda foge de uma evidência como o diabo da cruz.
Publicado por Townhall Tradução Antônio Emílio Angueth de Araújo

AUTÓPSIA DE UM FIASCO

Cláudio de Moura Castro (REVISTA VEJA- 10 de janeiro de 2007 edição 1990)
O fiasco da nossa educação fundamental começa a ser percebido. Há cada vez mais brasileiros sabendo que tiramos os últimos lugares no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), uma prova internacional de compreensão de leitura e de outras competências vitais em uma economia moderna. Sabem também dos resultados do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), confirmando plenamente esse diagnóstico moribundo do ensino. Agora, cabe fazer a autópsia do fracasso, dissecando cuidadosamente o defunto: por que os alunos não aprendem?
Tão retumbante fracasso tem múltiplas causas. Contudo, o presente ensaio assesta suas baterias em uma causa fatal, mas pouco considerada. Vejamos uma constatação surpreendente e assustadora: o Pisa mostrou que os alunos das famílias brasileiras mais ricas entendem menos um texto escrito do que os filhos de operários da Europa e de outros países com educação séria. Portanto, não é a pobreza dos alunos ou das escolas que explica o vexame.
Por que nossos alunos não entendem um texto escrito? Submeto aqui a hipótese de que reina nos impérios pedagógicos e nos autores da moda uma atmosfera que desvaloriza a tarefa de compreender o que está escrito no papel. Veja-se a seguinte citação de B. Charlot: "Os saberes científicos podem ser medidos em falsos e verdadeiros, mas não os conteúdos de filosofia, pedagogia e história... (Fora das ciências naturais) o mundo do verdadeiro e do falso é do fanatismo, e não da cidadania".
Ou esta outra, de E. Morin, afirmando que, "em lugar da especialização, da fragmentação de saberes, devemos introduzir o conceito de complexidade". Critica também "o princípio consolidado da ciência, o determinismo – segundo o qual os fenômenos dependem diretamente daqueles que os precedem e condicionam os que lhes seguem". Ou ainda a afirmação de D. Lerner, de que "não faz falta saber ler e escrever no sentido convencional... Quem interpreta o faz em relação ao que sabe... Interpretações não dependem exclusivamente do texto em si".
Nesses textos, há asneiras irremediáveis e assuntos que coroariam um processo de amadurecimento intelectual. Contudo, para jovens que iniciam seus estudos, são fórmulas certeiras para uma grande balbúrdia mental, em uma idade que pede a consolidação de idéias claras e a compreensão rigorosa e analítica do texto escrito. Embaçamos o ensino ao solicitar aos alunos que "reinterpretem" o pensamento dos grandes cientistas e filósofos, segundo Mortimer Adler, "pedindo sua opinião a respeito de tudo".
Continua correto o conselho de Descartes de dividir o problema em tantas partes quantas sejam necessárias para a sua compreensão. De fato, a física de Newton é determinista. Nas melhores escolas, é com ela que se afia a capacidade de análise dos alunos – inclusive na terra dos autores citados. As ciências sociais adotam outro determinismo, expresso em distribuições de probabilidades. A filosofia requer ainda mais exatidão no uso da linguagem. Elegância e rigor precisam ser conquistados na língua portuguesa, e as primeiras lições devem ser exercícios de interpretação correta do que está escrito. Ao se enamorarem das idéias turvas acima citadas, nossos professores desviam as atenções que deveriam colimar o uso judicioso das palavras e embrenham seus alunos na indisciplina do relativismo, do subjetivismo e da "criatividade".
Wittgenstein foi ao âmago da questão ao dizer que "os limites da minha linguagem são também os limites do meu pensamento". Quem não aprendeu a usar palavras não sabe pensar. Para Spinoza, "as desavenças humanas são desavenças de palavras".
O grande desafio dos ciclos iniciais de uma educação é entender as relações entre sons, letras e significados, aprendendo a ler, para que se possa passar a ler para aprender. Lembremo-nos da obsessão de George Steiner, sempre em busca do sentido exato que os autores quiseram dar às palavras. Sem isso, o que vem depois é ruído, é o que respondem nossos alunos às questões cuidadosamente formuladas nas provas do Pisa e do Saeb. Esses miasmas intelectuais não oferecem os alicerces para um distanciamento crítico e produtivo do texto original – tarefa que só pode vir mais adiante.

domingo, janeiro 07, 2007

O MAL DA AJUDA À ÁFRICA

06/07/2005 - DER SPIEGEL

"Pelo amor de Deus, parem de ajudar a África!", afirma economista do Quênia
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Especialista explica que a ajuda internacional alimenta a corrupção e impede que a economia se desenvolva, o que destrói a produção agrícola e causa desemprego, mais miséria e mais dependênciaThilo ThielkeEm HamburgoO especialista em economia James Shikwati, 35, do Quênia, diz que a ajuda à África é mais prejudicial que benéfica. O entusiástico defensor da globalização falou com a SPIEGEL sobre os efeitos desastrosos da política de desenvolvimento ocidental na África, sobre governantes corruptos e a tendência a exagerar o problema da Aids.

DER SPIEGEL - Senhor Shikwati, a cúpula do G8 em Gleneagles deverá aumentar a ajuda ao desenvolvimento da África...
James Shikwati - Pelo amor de Deus, parem com isso!

DS - Parar?Os países industrializados do Ocidente querem eliminar a fome e a pobreza.
Shikwati - Essas intenções estão prejudicando nosso continente nos últimos 40 anos. Se os países industrializados realmente querem ajudar os africanos, deveriam finalmente cancelar essa terrível ajuda. Os países que receberam mais ajuda ao desenvolvimento também são os que estão em pior situação. Apesar dos bilhões que foram despejados na África, o continente continua pobre.

DS - O senhor tem uma explicação para esse paradoxo?
Shikwati - Burocracias enormes são financiadas (com o dinheiro da ajuda), a corrupção e a complacência são promovidas, os africanos aprendem a ser mendigos, e não independentes. Além disso, a ajuda ao desenvolvimento enfraquece os mercados locais em toda parte e mina o espírito empreendedor de que tanto precisamos. Por mais absurdo que possa parecer, a ajuda ao desenvolvimento é uma das causas dos problemas da África. Se o Ocidente cancelasse esses pagamentos, os africanos comuns nem sequer perceberiam. Somente os funcionários públicos seriam duramente atingidos. E é por isso que eles afirmam que o mundo pararia de girar sem essa ajuda ao desenvolvimento.

DS - Mesmo em um país como o Quênia pessoas morrem de fome todos os anos. Alguém precisa ajudá-las.
Shikwati - Mas são os próprios quenianos quem deveria ajudar essas pessoas. Quando há uma seca em uma região do Quênia, nossos políticos corruptos imediatamente pedem mais ajuda. O pedido chega ao Programa Mundial de Alimentação da ONU --que é uma agência maciça de "apparatchiks" que estão na situação absurda de, por um lado, dedicar-se à luta contra a fome, e por outro enfrentar o desemprego onde a fome é eliminada. É muito natural que eles aceitem de bom grado o pedido de mais ajuda. E não é raro que peçam um pouco mais de dinheiro do que o governo africano solicitou originalmente. Então eles enviam esse pedido a seu quartel-general, e em pouco tempo milhares de toneladas de milho são embarcadas para a África...

DS - Milho que vem predominantemente de agricultores europeus e americanos altamente subsidiados...
Shikwati - ... e em algum momento esse milho acaba no porto de Mombasa. Uma parte do milho em geral vai diretamente para as mãos de políticos inescrupulosos, que então o distribuem em sua própria tribo para ajudar sua próxima campanha eleitoral. Outra parte da carga termina no mercado negro, onde o milho é vendido a preços extremamente baixos. Os agricultores locais também podem guardar seus arados; ninguém consegue concorrer com o programa de alimentação da ONU. E como os agricultores cedem diante dessa pressão o Quênia não terá reservas a que recorrer se houver uma fome no próximo ano. É um ciclo simples mas fatal.

DS - Se o Programa Mundial de Alimentação não fizesse nada, as pessoas morreriam de fome.
Shikwati - Eu não acredito nisso. Nesse caso, os quenianos, para variar, seriam obrigados a iniciar relações comerciais com Uganda ou Tanzânia, e comprar alimento deles. Esse tipo de comércio é vital para a África. Ele nos obrigaria a melhorar nossa infra-estrutura, enquanto tornaria mais permeáveis as fronteiras nacionais --traçadas pelos europeus, aliás. Também nos obrigaria a estabelecer leis favorecendo a economia de mercado.

DS - A África seria realmente capaz de solucionar esses problemas por conta própria?
Shikwati - É claro. A fome não deveria ser um problema na maioria dos países ao sul do Saara. Além disso, existem vastos recursos naturais: petróleo, ouro, diamantes. A África é sempre retratada como um continente de sofrimento, mas a maior parte dos números é enormemente exagerada. Nos países industrializados existe a sensação de que a África naufragaria sem a ajuda ao desenvolvimento. Mas, acredite-me, a África já existia antes de vocês europeus aparecerem. E não fizemos tudo isso com pobreza.

DS - Mas naquela época não existia a Aids.
Shikwati - Se acreditássemos em todos os relatórios horripilantes, todos os quenianos deveriam estar mortos hoje. Mas agora os testes estão sendo realizados em toda parte, e acontece que os números foram enormemente exagerados. Não são 3 milhões de quenianos que estão infectados. De repente eram apenas cerca de um milhão. A malária é um problema equivalente, mas as pessoas raramente falam disso.

DS - E por quê?
Shikwati - A Aids é um grande negócio, talvez o maior negócio da África. Não há nada capaz de gerar tanto dinheiro de ajuda quanto números chocantes sobre a Aids. A Aids é uma doença política aqui, e deveríamos ser muito céticos.

DS - Os americanos e europeus têm fundos congelados já prometidos para o Quênia. O país é corrupto demais, segundo eles.
Shikwati - Temo, porém, que esse dinheiro ainda será transferido em breve. Afinal, ele tem de ir para algum lugar. Infelizmente, a necessidade devastadora dos europeus de fazer o bem não pode mais ser contida pela razão. Não faz qualquer sentido que logo depois da eleição do novo governo queniano --uma mudança de liderança que pôs fim à ditadura de Daniel Arap Mois--, de repente as torneiras se abriram e o dinheiro verteu para o país.

DS - Mas essa ajuda geralmente se destina a objetivos específicos.
Shikwati - Isso não muda nada. Milhões de dólares destinados ao combate à Aids ainda estão guardados em contas bancárias no Quênia e não foram gastos. Nossos políticos ficaram repletos de dinheiro, e tentam desviar o máximo possível. O falecido tirano da República Centro Africana, Jean Bedel Bokassa, resumiu cinicamente tudo isso dizendo: "O governo francês paga por tudo em nosso país. Nós pedimos dinheiro aos franceses, o recebemos e então o gastamos".

DS - No Ocidente há muitos cidadãos compassivos que querem ajudar a África. Todo ano eles doam dinheiro e mandam roupas usadas em sacolas...
Shikwati - ... e então inundam nossos mercados com essas coisas. Nós podemos comprar barato essas roupas doadas nos chamados mercados Mitumba. Há alemães que gastam alguns dólares para comprar agasalhos usados do Bayern Munich ou do Werder Bremen. Em outras palavras, roupas que algum garoto alemão mandou para a África por uma boa causa. Depois de comprar esses agasalhos, eles os leiloam na eBay e os mandam de volta à Alemanha -- pelo triplo do preço. Isso é loucura!

DS - ... e esperamos que seja uma exceção.
Shikwati - Por que recebemos essas montanhas de roupas? Ninguém passa frio aqui. Em vez disso, nossos costureiros perdem seu ganha-pão. Eles estão na mesma situação que nossos agricultores. Ninguém no mundo de baixos salários da África pode ser eficiente o bastante para acompanhar o ritmo de produtos doados. Em 1997 havia 137 mil trabalhadores empregados na indústria têxtil da Nigéria. Em 2003 o número tinha caído para 57 mil. Os resultados são iguais em todas as outras regiões onde o excesso de ajuda e os frágeis mercados africanos entram em colisão.

DS - Depois da Segunda Guerra Mundial a Alemanha só conseguiu se reerguer porque os americanos despejaram dinheiro no país através do Plano Marshall. Isso não se qualificaria como uma ajuda ao desenvolvimento bem-sucedida?
Shikwati - No caso da Alemanha, somente a infra-estrutura destruída tinha de ser reparada. Apesar da crise econômica da República de Weimar, a Alemanha era um país altamente industrializado antes da guerra. Os prejuízos criados pelo tsunami na Tailândia também podem ser consertados com um pouco de dinheiro e alguma ajuda à reconstrução. A África, porém, precisa dar os primeiros passos na modernidade por conta própria. Deve haver uma mudança de mentalidade. Temos de parar de nos considerar mendigos. Hoje em dia os africanos só se vêem como vítimas. Por outro lado, ninguém pode realmente imaginar um africano como um homem de negócios. Para mudar a situação atual, seria útil se as organizações de ajuda saíssem.

DS - Se fizessem isso, muitos empregos seriam perdidos imediatamente.
Shikwati - Empregos que foram criados artificialmente, para começar, e que distorcem a realidade. Os empregos nas organizações estrangeiras de ajuda são muito apreciados, é claro, e elas podem ser muito seletivas na escolha das melhores pessoas. Quando uma organização de ajuda precisa de um motorista, dezenas de pessoas se candidatam. E como é inaceitável que o motorista só fale sua língua tribal, o candidato também deve falar inglês fluentemente --e, de preferência, ter boas maneiras. Então você acaba com um bioquímico africano dirigindo o carro de um funcionário da ajuda, distribuindo comida européia e forçando os agricultores locais a deixar seu trabalho. É simplesmente loucura!

DS - O governo alemão se orgulha exatamente de monitorar os receptores de suas verbas.
Shikwati - E qual é o resultado? Um desastre. O governo alemão jogou dinheiro diretamente para o presidente de Ruanda, Paul Kagame, um homem que tem na consciência a morte de um milhão de pessoas --que seu exército matou no país vizinho, o Congo.

DS - O que os alemães deveriam fazer?
Shikwati - Se eles realmente querem combater a pobreza, deveriam parar totalmente a ajuda ao desenvolvimento e dar à África a oportunidade de garantir sua sobrevivência. Atualmente a África é como uma criança que chora imediatamente para que a babá venha quando há algo errado. A África deveria se erguer sobre os próprios pés.

A QUALIDADE DA REFORMA AGRÁRIA

CXICO GRAZIANO
Durante oito anos, a opinião pública acompanhou o debate entre o MST e o governo FHC sobre a quantidade dos assentamentos rurais. A briga foi brava. Para o governo, fazia-se muito. E tomem-se os números. Para o MST, a reforma não andava. E dá-lhe invasão de terra, para apressar a reforma. Quem tinha razão?
Que ninguém duvide: na disputa da quantidade, o governo vence fácil. O Brasil realizou a maior reforma agrária do mundo, nos marcos do regime democrático. Arredondando, foram 20 milhões de hectares distribuídos a 600 mil famílias "sem terra". A base de comparação pode ser a agricultura paulista: São Paulo mantém 270 mil agricultores, que cultivam 6,2 milhões de hectares. No País, toda a área cultivada com grãos atinge 40 milhões de hectares.
Qualquer comparação vai comprovar a grandiosidade da reforma agrária de FHC.
Na questão agrária, porém, a quantidade deve estar subordinada à qualidade.
Aqui reside o problema. Qual o resultado da distribuição de terras? Como vivem os novos agricultores? Qual o custo-benefício dessa política? Deixando a quantidade e olhando a qualidade, a maior se transforma na pior reforma agrária. É decepcionante.
Primeiro, o aspecto produtivo. O efeito macroeconômico da reforma agrária na produção rural é quase nulo. A produção dos assentamentos beira o nível de subsistência das famílias, com parcos excedentes destinados aos mercados locais, raramente regionais, especialmente gêneros básicos, como mandioca, legumes, ovos. É bom, mas pouco!
O assunto parece tabu. Por incrível que pareça, inexistem dados agregados suficientes para aquilatar, com razoável precisão, o retorno produtivo da área reformada na agricultura. É lamentável. Fica-se na dependência de informações obtidas em pesquisas restritas: tal assentamento é excelente, este produz abacaxi, lá se produz leite, aquele está abandonado. Bons exemplos são exaltados. Mas estatística, mesmo, ninguém tem.
Essa lacuna sobre a produção dos assentamentos indica uma marcante característica da reforma agrária: no paradigma distibutivista, importa punir o latifúndio, assentar logo. Quanto mais, melhor: a reforma deve ser rápida e maciça.
Nesse sistema, em que imperam as invasões de terra e o governo trabalha a reboque dos acontecimentos, sempre pressionado, a qualidade vai para o brejo. Esta é a triste realidade dos assentamentos rurais: falta produção, a infra-estrutura é deficiente, a qualidade de vida dos assentados é sofrível.
Estudos do Incra, embora limitados, atestam que 40% dos assentamentos não dispõem de nenhum tipo de assistência médica. Na educação infantil o quadro melhora: 88% têm escolas, mas apenas 10% proporcionam cursos de alfabetização de adultos, num público em que 40% são analfabetos ou semi-analfabetos. Em 60% dos locais, as estradas, quando chove, impedem a passagem, suspendendo as aulas. Menos de 30% dos assentamentos contam com luz elétrica. Telefone, nem pensar.
Favelas rurais - assim se configura, tristemente, boa parte dos assentamentos. O nível de renda continua baixo, muito dependente de ganhos "extras", como aposentadoria e serviços assalariados. Vivem melhor que na cidade, argumentam os defensores do modelo. Pode ser verdade. Afinal, além de produzirem sua roça, recebem dinheiro de graça do Estado.
Mesmo assim, 30% das famílias, na média, abandonam seus lotes e retornam à origem. No Norte, não raro a evasão ultrapassa 50%; no Sul, assentamento surgido de invasão chega a atingir 47%. Nenhum atestado será mais terrível.
Por que as famílias abandonam seus lotes?
As causas são variadas. Começam pela baixa qualidade das terras desapropriadas. Em 1998, 26,7% delas se classificavam nas classes 5 a 8, que significam os piores solos, no conceito agronômico. Em 1999, aquela porcentagem subiu para 34,8%. Quer dizer, as áreas desapropriadas estão, progressivamente, recaindo sobre terras impróprias para cultivo.
Terras fracas, homens despreparados. As invasões de fazendas aglutinam trabalhadores desempregados nas cidades, sem aptidão para o trabalho rural.
Certos acampamentos de sem-terra, recenseados pelo Incra, mostraram que a origem urbana das pessoas chega a 75%. Pior: no processo de seleção, fica difícil separar os verdadeiros sem-terra dos malfeitores e oportunistas de toda espécie, que se infiltram no acampamento.
É preciso afirmar claramente: sem qualificação adequada, ninguém se torna agricultor de sucesso. Antes, bastava uma enxada e vontade de trabalhar.
Hoje, a tecnologia domina e o mercado estrangula o produtor. Muito treinamento e estudo se exigem, para descobrir o que plantar e para onde vender. Como planejar, entretanto, se a sofreguidão é a marca do processo?
Restritivas, ainda, são a distância dos mercados e as deficiências de infra-estrutura. Em 1997, técnicos do governo reunidos no BNDES estimaram em US$ 14 bilhões o débito da reforma agrária, calculado apenas até 1998.
Chamaram-no de uma "expectativa de direito". Essa conta só cresceu, juntamente com milhares de novos assentamentos. Conclusão: o modelo de reforma tornou-se financeiramente insustentável.
A terra não é passaporte para a felicidade, como idilicamente imaginam os simpatizantes do distributivismo. A reciclagem profissional, com certeza, ofereceria melhores resultados para a inclusão social dessas categorias marginalizadas. Infelizmente, a reforma agrária tornou-se uma péssima, e caríssima, política social.
Certo, significa uma enorme irresponsabilidade distribuir mais terra.
Exceto, talvez, para aqueles grupos que se encontram hoje acampados. Fora disso, o caminho da solução exige consolidar os assentamentos existentes e direcionar uma nova política fundiária. Para garantir o emprego e a renda dos "com-terra".
x
Xico Graziano, agrônomo, foi presidente do Incra (1995) e secretário da Agricultura de São Paulo (1996-98) E-mail: xicograziano@terra.com.br

O QUE HÁ POR TRÁS DO MST?

__ Cândido Prunes*

Percorri quase 8.000 km nas (péssimas) estradas brasileiras, nas últimas 4 semanas. Saí de São Paulo e fui até o Maranhão, passando por quase todos os estados do Sudeste e Nordeste. Andei por estradas secundárias, muitas de terra, incluindo as do cerrado e da caatinga. Foi um longo trajeto fora da rota turística convencional, visando ter um conhecimento direto da realidade brasileira.
Pude observar dezenas (quase uma centena) de acampamentos do Movimento dos Sem Terra (MST) e de outras poucas agremiações congêneres. Alguns fatos chamam a atenção e só um observador que se dê ao trabalho de enfrentar o caos rodoviário brasileiro pode ter uma idéia do verdadeiro significado dos acampamentos do MST.
O primeiro aspecto a observar é que todos os acampamentos, sem nenhuma exceção, estão estrategicamente localizados junto a entroncamentos rodoviários importantes. Em segundo lugar, a proximidade com centros urbanos é também outro fator que as lideranças do MST levam em consideração na hora de escolher onde fincar a sua bandeira. Nas regiões brasileiras de pouca densidade populacional (interior do Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte, certas áreas de Minas Gerais) e em geral mais pobres, não observei a presença de nenhum acampamento. Como também nunca vi acampamento em estradas vicinais, nem em estradas de terra (interior de Minas Gerais, Bahia, Alagoas e Paraíba, especialmente). Aliás, o MST está praticamente ausente no Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí e Maranhão – pelo menos nos trechos asfaltados que percorri entre Natal e São Luiz, de leste para oeste, e entre Fortaleza e Juazeiro (do norte para o sul), poucos foram os acampamentos observados. Alagoas e Pernambuco, em compensação, apresentam uma quantidade elevada de acampamentos em comparação com outros estados. Os acampamentos maiores e mais organizados também são aqueles melhor localizados.
Normalmente a população masculina de um acampamento não excede a 30% do total. O maior movimento é feito de fato por mulheres, que podem ser vistas cozinhando, colocando roupa para secar ou cuidando de crianças pequenas. Há vários acampamentos que aparentemente estão vazios (cerca de 20% do total). Nos acampamentos ocupados, um número significativo de barracos se encontra fechado. Em geral são os barracos melhor construídos e que apresentam lonas plásticas pretas para garantir que a chuva não molhe os seus ocupantes e/ou o seu conteúdo.
Esses são alguns fatos. A conclusão inicial que tiro do observado diretamente diz respeito à localização estratégica dos acampamentos. O MST está teoricamente em condições de paralisar todo o transporte rodoviário do Sudeste e Nordeste. Não há estrada (e entroncamento) importante onde não exista na proximidade um acampamento. Aliás, há mais acampamentos do MST do que postos da Polícia Rodoviária. Na hipótese de o MST ser um movimento revolucionário, como muitas vezes seus líderes têm declarado, ele ocupa uma situação única de poder rapidamente paralisar o País. Nem o Exército pode a ele se contrapor com tamanha eficiência. Mesmo que não existam armas nesses acampamentos, não é difícil, com uma ou duas centenas de pessoas, rapidamente bloquear uma rodovia. E o tumulto que se criaria num entroncamento bloqueado, com centenas ou milhares de ônibus, caminhões e automóveis parados, dificultaria qualquer ação armada por parte do Estado.
Talvez seja mera coincidência a localização desses acampamentos espalhados por todo o Brasil. Mas nenhum observador atento pode deixar de avaliar seu significado e eventual utilização, num contexto que fuja a mera questão agrária. Aliás, outros fatos observados também sugerem que o MST não está apenas empenhado na "luta" por terra. São muitas as coincidências que preocupam, pois elas criam todas as condições para o MST extrapolar e ameaçar ainda mais o precário Estado de direito brasileiro.

· Vice-Presidente do Instituto Liberal

NÃO SINTO CULPA

Não sinto culpa
___ Patrícia Carlos de Andrade*

O artigo de Arnaldo Jabor, “Meninos do Rio nos provocam arrepio” (O GLOBO, 23/11), descrevendo medos e culpas diante dos meninos dos sinais, é oportunidade para discutir questão central no jornalismo brasileiro: o predomínio do paradigma que simplifica, em dois sentidos, o problema da pobreza e da criminalidade. Primeiro, porque explica transgressão e crime como produtos da estrutura social e não da responsabilidade individual e, segundo, porque culpa os que prosperam, pela pobreza dos que fracassam.
Não sinto, como Jabor, culpa pelo malabarista no sinal; absolutamente nenhuma. Porque eu não tirei nada dele. Tudo que ganhei, foi com o suor de meu rosto, dando, com determinação, o melhor de mim a cada momento da vida. Sempre cumpri com minhas obrigações, paguei os impostos, votei nas eleições, assinei as carteiras que passaram pela minha frente. E agi para aumentar o bem-estar das pessoas pobres com quem convivi e que, muito pobres como são, nunca quiseram me atacar, roubar ou enganar: a cada ato meu de solidariedade -- ajuda para escola dos filhos, pagamento de plano de saúde, da escolinha de futebol, cestas e festas de Natal -- sempre tive o retorno em gratidão e amizade.
Que culpa pode sentir um amigo, por exemplo, dono de uma loja do McDonald’s? Com sua vontade de vencer, por mais de doze horas por dia ele combate muito mais a pobreza do que chorões perplexos que reclamam das injustiças, sentados em frente a seus computadores.
Não sinto culpa, porque não faço parte do grupo de intelectuais que, por anos e anos, usa privilégios ou verbas públicas para nos convencer que vivemos numa sociedade de classes e raças que se odeiam, de exploração do pobre pelo rico.
Sinto pena dos meninos, como dos garagistas do edifício em que cresci, que hoje, senhores como eu, continuam na mesma garagem escura; e da cozinheira de minha infância, hoje velhinha, que conseguiu dar estudo para os dois filhos, que tiveram as expectativas frustradas pela falta de oportunidade.
Somos um país sem regras universais de economia de livre mercado, que, como o prova a História do último século, são as que produzem prosperidade para a maioria da população. Afundamos gerações e gerações na mais eterna mediocridade, com uma elite dirigente que, alimentada em suas idéias por intelectuais que acreditam saber a fórmula de um mundo melhor, promete o que não vai entregar, enquanto alguns se locupletam ilimitadamente.
Eu sei para o que digo “basta!”. Basta daqueles que, dos seus cafofos de luxo, publicam artigos não para nos ajudar a entender as bem-sucedidas democracias de mercado que construíram a prosperidade de seus povos, mas para fazer cabeças, com uma visão de mundo coletivista e estatista, já sepultada pela História; que ilegitimamente dizem em meu nome: “Menininho do sinal, não interessa os sacrifícios que o cara ali naquela Mercedes fez para montar seu negócio, dando empregos e oportunidades para centenas de famílias, ou o que suou aquele, no Palio, para estudar e trabalhar no Miguel Couto. Porque o que eles têm, eles tiraram de você. Não sei direito por que vias, mas repito sempre que o que eles têm é o que você não tem. Largue suas bolinhas, junte-se aos outros, e ataque-os sem piedade.”
Basta de sermos enganados nas escolas, nas universidades, na Igreja, com dedos apontados e palavras de ordem: Injustiça Social! Eu não cometi essa injustiça.
É hora de mudarmos o enfoque: sociedades prosperam porque incentivam os pobres a tornar-se ricos, e ricos e pobres a cumprir leis universais e simples, entendidas por todos, sendo os bem-sucedidos referência para os pobres. Sem isso, é mais pobreza, mais ilegalidade, mais jovens de talento no caminho do cinismo ou da emigração, alimentando o círculo vicioso de uma sociedade fracassada.
Precisamos mudar a abordagem sobre riqueza e pobreza para evitar ser parte desse grupo, em que estão muitas sociedades no início do século XXI, particularmente na América Latina.
* Economista e empresária. O artigo foi replicado pela APADDI – Associação Paulista de Defesa dos Direitos das Liberdades Individuais. Fonte: http://oglobo.globo.com/jornal/opiniao/147418922.asp

AUTÓPSIA DE UM FIASCO

Cláudio de Moura Castro (REVISTA VEJA- 10 de janeiro de 2007 edição 1990)

O fiasco da nossa educação fundamental começa a ser percebido. Há cada vez mais brasileiros sabendo que tiramos os últimos lugares no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), uma prova internacional de compreensão de leitura e de outras competências vitais em uma economia moderna. Sabem também dos resultados do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), confirmando plenamente esse diagnóstico moribundo do ensino. Agora, cabe fazer a autópsia do fracasso, dissecando cuidadosamente o defunto: por que os alunos não aprendem?
Tão retumbante fracasso tem múltiplas causas. Contudo, o presente ensaio assesta suas baterias em uma causa fatal, mas pouco considerada. Vejamos uma constatação surpreendente e assustadora: o Pisa mostrou que os alunos das famílias brasileiras mais ricas entendem menos um texto escrito do que os filhos de operários da Europa e de outros países com educação séria. Portanto, não é a pobreza dos alunos ou das escolas que explica o vexame.
Por que nossos alunos não entendem um texto escrito? Submeto aqui a hipótese de que reina nos impérios pedagógicos e nos autores da moda uma atmosfera que desvaloriza a tarefa de compreender o que está escrito no papel. Veja-se a seguinte citação de B. Charlot: "Os saberes científicos podem ser medidos em falsos e verdadeiros, mas não os conteúdos de filosofia, pedagogia e história... (Fora das ciências naturais) o mundo do verdadeiro e do falso é do fanatismo, e não da cidadania".

Ou esta outra, de E. Morin, afirmando que, "em lugar da especialização, da fragmentação de saberes, devemos introduzir o conceito de complexidade". Critica também "o princípio consolidado da ciência, o determinismo – segundo o qual os fenômenos dependem diretamente daqueles que os precedem e condicionam os que lhes seguem". Ou ainda a afirmação de D. Lerner, de que "não faz falta saber ler e escrever no sentido convencional... Quem interpreta o faz em relação ao que sabe... Interpretações não dependem exclusivamente do texto em si".

Nesses textos, há asneiras irremediáveis e assuntos que coroariam um processo de amadurecimento intelectual. Contudo, para jovens que iniciam seus estudos, são fórmulas certeiras para uma grande balbúrdia mental, em uma idade que pede a consolidação de idéias claras e a compreensão rigorosa e analítica do texto escrito. Embaçamos o ensino ao solicitar aos alunos que "reinterpretem" o pensamento dos grandes cientistas e filósofos, segundo Mortimer Adler, "pedindo sua opinião a respeito de tudo".

Continua correto o conselho de Descartes de dividir o problema em tantas partes quantas sejam necessárias para a sua compreensão. De fato, a física de Newton é determinista. Nas melhores escolas, é com ela que se afia a capacidade de análise dos alunos – inclusive na terra dos autores citados. As ciências sociais adotam outro determinismo, expresso em distribuições de probabilidades. A filosofia requer ainda mais exatidão no uso da linguagem. Elegância e rigor precisam ser conquistados na língua portuguesa, e as primeiras lições devem ser exercícios de interpretação correta do que está escrito. Ao se enamorarem das idéias turvas acima citadas, nossos professores desviam as atenções que deveriam colimar o uso judicioso das palavras e embrenham seus alunos na indisciplina do relativismo, do subjetivismo e da "criatividade".
Wittgenstein foi ao âmago da questão ao dizer que "os limites da minha linguagem são também os limites do meu pensamento". Quem não aprendeu a usar palavras não sabe pensar. Para Spinoza, "as desavenças humanas são desavenças de palavras".
O grande desafio dos ciclos iniciais de uma educação é entender as relações entre sons, letras e significados, aprendendo a ler, para que se possa passar a ler para aprender. Lembremo-nos da obsessão de George Steiner, sempre em busca do sentido exato que os autores quiseram dar às palavras. Sem isso, o que vem depois é ruído, é o que respondem nossos alunos às questões cuidadosamente formuladas nas provas do Pisa e do Saeb. Esses miasmas intelectuais não oferecem os alicerces para um distanciamento crítico e produtivo do texto original – tarefa que só pode vir mais adiante.

sexta-feira, janeiro 05, 2007

POR QUE A AMÉRICA LATINA SEMPRE FRACASSA?

Mario Vargas Llosa
Quando cheguei à Espanha em 1958, havia uma frase corrente: "Nós espanhóis não estamos preparados para a democracia. Se Franco morresse, isto seria o caos, talvez a guerra civil." Mas não foi assim. Caiu a ditadura, houve uma transição admirável, exemplar, para a democracia, e a democracia na Espanha tem tido êxito. Tem havido consenso das forças políticas que deram uma estabilidade ao País que permitiu à democracia espanhola resistir a ameaças involucionistas, golpistas, e, eu diria, sem triunfalismo de qualquer espécie. Ninguém pode negar que a Espanha é a história feliz dos tempos modernos, o que se deve de certa maneira à imensa maioria dos espanhóis de diferentes convicções políticas que têm sido capazes de atuar civilizadamente, estabelecendo justamente esse denominador comum que faz com que funcionem as instituições e que um país cresça.
Por que não tem havido algo parecido na América Latina? Por que fracassam nossas tentativas de modernização? Creio que a idéia do desenvolvimento, do progresso da civilização, tem que ser simultaneamente econômica, e política e cultural, e aqui emprego uma palavra que há muitos poderá surpreender: ética ou moral. Na América Latina há uma falta de confiança total da imensa maioria dos cidadãos com relação às instituições, e esta é uma das razões do fracasso das nossas instituições. As instituições não sobrevivem se as pessoas não acreditam nelas e, ao contrário, delas desconfiam fundamentalmente e não vêem nelas uma garantia de segurança, de justiça, mas exatamente o contrário disto.
Permitam-me contar-lhes um caso pessoal: Depois de estar vivendo na Inglaterra por algum tempo, de repente percebi que acontecia comigo algo curioso, que eu não me sentia nervoso quando passava por um policial. Até então, sempre me ocorria certo nervosismo ao cruzar com um policial, como se ele, de algum modo, representasse para mim um perigo potencial. Os policiais na Inglaterra não me produziram jamais esse sentimento de receio, de secreta inquietação. Não andam armados, e parecem estar prestando um serviço público, não estando ali para, de alguma maneira, aproveitarem-se do pequeno poder que lhes dá o uniforme, o cacetete ou o revólver que levam na cintura. No Peru e na maior parte dos países da América Latina, os cidadãos têm razão de se sentirem alarmados, inquietos, quando passam por um policial, porque é muito possível que esse guarda use seu uniforme, não para defender a segurança do cidadão, mas para se aproveitarem deles. Do mesmo modo, o que ocorre com os policiais, ocorre também com as instituições. Esses exemplos criam afinal um estado de coisas que impedem o funcionamento das instituições porque elas não estão apoiadas ou mantidas por aquilo que é fundamental numa sociedade democrática, a confiança dos cidadãos, a convicção de que estas instituições estão ali para garantir a segurança, a justiça, a civilização.
Essa é uma das razões pelas quais as reformas que têm sido feitas na América Latina tenham fracassado quase sempre. Paulo Rabello de Castro, do Brasil, dizia que os milhões de indivíduos que votaram no Lula não votaram no socialismo na maioria dos casos, e sim, por algo que fosse diferente do que têm agora, e essa diferença foi encarnada pelo candidato através de carisma ou demagogia. É o mesmo que aconteceu, por exemplo, na Venezuela. Esse país potencialmente riquíssimo, que deveria ter um dos níveis de vida mais altos do mundo, se debate numa crise atroz, e tem no governo um grande demagogo, que pode realmente destruir seu país. E entretanto, não é por acaso que o comandante Chávez esteja no poder. Ele chegou ao poder com o voto de uma grande maioria de venezuelanos totalmente frustrados e enojados da democracia existente, uma democracia que o era apenas de nome, e à sombra da qual a corrupção imperou de maneira realmente vertiginosa, eliminando as possibilidades de uma imensa maioria de venezuelanos de realizar suas expectativas, seus sonhos, e permitindo que umas ínfimas minorias ligadas ao poder pudessem se enriquecer enormemente.
Nesse contexto, como podem funcionar as reformas liberais que defendemos, promovemos e sabemos que são eficazes para desenvolver um país? Uma reforma mal feita é às vezes pior que uma falta total de reformas e, nesse sentido, o caso peruano é exemplar. Durante a ditadura de Fujimori e Montesinos, entre 1990 e 2000, tivemos aparentemente reformas liberais radicais e privatizamos mais do que qualquer outro país da América Latina. Mas como foi feita a privatização? Ela se fez pela transformação de monopólios públicos em monopólios privados. Para que se privatizou? Não foi pelos critérios que deveriam comandar a privatização, isto é, para que houvesse concorrência e, assim, melhorasse a qualidade de bens e serviços e os preços abaixassem, e também para disseminar a propriedade privada entre aqueles que não a têm, como se fez nas democracias ocidentais mais avançadas nos processos de privatização, como se fez na Grã-Bretanha onde a privatização serviu para difundir a propriedade privada entre os usuários e os empregados das empresas privatizadas. Nesses países ela não foi feita para enriquecer determinados interesses particulares, empresários, empresas, ou mesmo os próprios detentores do poder.
Como podem os peruanos nos acreditarem quando lhes dizemos que a privatização é indispensável para o desenvolvimento de um país, já que a privatização para os peruanos significou o enriquecimento extraordinário dos ministros do Senhor Fujimori, que as empresas dos ministros e associados ao Senhor Fujimori foram as únicas que tiveram lucros excepcionais nesses anos de ditadura? Por isso, quando os demagogos dizem "a catástrofe do Peru, a catástrofe da América Latina são os neoliberais", essas pessoas que foram enganadas acreditam nesses demagogos e, como necessitam de um bode expiatório, passam a odiar-nos, a nós, os "neoliberais".
O governo de Toledo tentou privatizar algumas empresas na minha cidade natal de Arequipa, e o povo arequipenho saiu às ruas em massa arrancando as pedras do calçamento e enchendo as ruas de barricadas e, dessa forma, impediu a privatização. Se olhamos os dados no papel trata-se de algo insensato, algo absolutamente fora de propósito. As empresas privatizadas não serviam para nada, não realizavam de forma alguma as suas funções e eram um passivo para o País, para o Estado, isto é, para os pobres peruanos, e as empresas que ganharam a licitação pretendiam investir dinheiro novo para se instalarem em Arequipa. Prometeram, além disso, fazer uma série de investimentos complementares, beneficiando muitíssimo a cidade, mas nada disso mereceu o crédito de um povo profundamente decepcionado com esses dez anos de suposto liberalismo radical que viveu o País com Fujimori.
Bem, isto é o que tem ocorrido na maior parte dos países latino-americanos. Essas reformas, no fundo, não eram liberais, eram uma caricatura de reformas liberais, mas isso que é sabido por nós é desconhecido por alguns públicos desinformados, boa parte dos quais estão em luta feroz pela própria sobrevivência, o que a América Latina sito é muito triste dizer, empobreceu muitíssimo nas últimas décadas. No caso de alguns países, o empobrecimento foi verdadeiramente pavoroso.
No final do ano passado, estive percorrendo uma parte do Peru andino, a região de Ayacucho, uma região que foi tremendamente mal tratada na época do terrorismo e uma região tradicional muito pobre do Peru. E eu já havia passado por aí várias vezes entre 1987 e 1990, e saí espantado com o empobrecimento sofrido por esta região que já era pobre e que agora se encontrava mutíssimo pior, da mesma que empobrecera o resto do Peru, enquanto um pequeno grupo de bandidos, encarnados no poder, se enriquecia vertiginosamente. Dessa maneira, quando falamos de desenvolvimento, não podemos tratar este fenômeno como uma série de reformas econômicas que porão em marcha o sistema produtivo do País, aumentar as nossas exportações, permitindo ao Pais que, por fim, inicie um processo de modernização, não, o desenvolvimento de que necessitamos tem que ser um desenvolvimento simultâneo, que ao mesmo tempo melhore nossos índices de crescimento e produção, façam funcionar as instituições que hoje não funcionam, conquistando a credibilidade popular com relação a essas instituições bem como a solidariedade do povo, pois são essas coisas que fazem com que as instituições funcionem numa sociedade democrática. Isso não existe na América Latina e esta é uma das razões pelas quais fracassam as reformas econômicas inclusive quando bem orientadas.
Carlos Alberto Montaner dizia algo que me parece correto. Temos que dar mais decência à política. Não é possível que os países se desenvolvam quando seus governantes são Alemán, de Nicarágua, Chávez, de Venezuela, Fujimori, Peru, verdadeiros gangsters, autênticos bandidos que entram no governo como um ladrão entra numa casa para roubar, para enriquecer-se da maneira mais cínica e rápida possível. Como pode a política ser uma atividade atraente para os idealistas os jovens vêem a política naturalmente com espanto, como roubo. E a única maneira de tornar a política decente ;é levando a ela gente decente, pessoas que não roubam, pessoas que cumpram as suas promessas, que não mintam ou que mintam pouco, o inevitável.
Várias vezes me tem perguntado "a quem você admira na América Latina?" E eu cito sempre a mesma pessoa que talvez muitos de vocês não conheçam o nome, e se trata do presidente Cristián, de El Salvador. É uma pessoa que eu admito muito, não é um político, é um empresário que decidiu entrar na política num momento terrível, trágico, quando o exército e as guerrilhas se matavam nas ruas de San Salvador, deixando como resultado um número enorme de mortos desaparecidos e de torturados, nesse momento, o Sr. Cristián , um empresário, um homem fundamentalmente decente, nada carismático, nada do tipo do homem forte latino-americano, mal orador, decide ingressar na política e acaba ganhando as eleições e o governo de seu país, e governa de uma maneira discreta, nada carismática, e nos anos em que está no governo leva seu país a uma situação melhor do que antes, e isso parece muito pouco coisa, mas de fato trata-se de uma façanha quase que única. Quando Cristián assumiu o governo matavam-se nas ruas de San Salvador e os mortos eram inúmeros; quando deixou o poder, as guerrilhas e o governo haviam celebrado a paz, e os guerrilheiros se apresentavam como candidatos a postos eletivos, pediam os votos do público e assumiam suas cadeiras no Parlamento; desde então há paz em El Salvador. Trata-se agora de um país que progride, como bem observa Montaner, lentamente, mas progride, de verdade, isto é, simultaneamente em várias direções. Bem, disso é o que precisamos na América Latina, não apenas bons economistas que nos digam as reformas a realizar,. Precisamos de pessoas decentes como o Senhor Cristián, empresários profissionais, que decidam participar da política para tornar decente essa atividade fundamentalmente suja, imoral, corrompida que, lamentavelmente, é a política que temos conhecido.
Outro aspecto fundamental é o cultural. A cultura na América Latina infelizmente e com umas poucas exceções é privilégio de minorias . A América Latina tem uma grande criatividade, tem produzido músicos, artistas, poetas, escritores, pensadores, mas a verdade é que na maioria dos nossos países a cultura é monopólio de minorias insignificantes e está praticamente fora do alcance da maioria . Nessas bases, não se pode construir uma democracia genuína, instituições que funcionem e não se pode fazer reformas liberais que produzam os resultados positivos e criativos que deveriam produzir. Nesse sentido, infelizmente, há uma terrível falta de consciência na América Latina. A cultua ainda é considerada por aqueles que pensam que ela existe como um mundo, um passatempo, uma forma superior de ócio, e não como o que é, uma ferramenta fundamental para que uma mulher, ou para que um homem tome as decisões acertadas em sua vida familiar, em sua vida pessoal, em sua vida profissional e, sobretudo as decisões políticas acertadas na hora de votar.
A cultura é uma defesa contra a demagogia, contra o equívoco de escolher mal nas eleições. Nesse campo lamentavelmente quase nada se faz, e talvez deveria dizer com um sentido de autocrítica que quase nada fazemos, inclusive nós mesmos. Nesses institutos liberais tão úteis, tão idealistas, entretanto, a cultura é a menor das suas prioridades e isto é um erro, um gravíssimo erro. A cultura é fundamental porque ajuda a criar os consensos que têm ensejado o surgimento de casos às vezes exemplares como o da Espanha e Chile.
Eu gostaria de falar um pouco sobre o Chile devido a algumas coisas ditas por Hernán Büchi, meu amigo, uma pessoa inteligente que como ministro chileno fez algumas reformas admiráveis que funcionaram. O caso do Chile é singular na história da América Latina e assim é porque uma ditadura militar como era a de Pinochet teve sucesso econômico. Permitiu que um grupo de economistas liberais realizassem reformas bem concebidas que funcionaram. Alegro-me muito pelo Chile que é um pais que sempre menciono mas é um exemplo que nós devemos citar juntamente com todos os tipos de advertências, e a primeira e fundamental é a de que para um liberal uma ditadura jamais é justificável. Isto é muito importante e deve ser repetido. Tratou-se de um acidente favorável para o Chile. Que sorte para o Chile! Mas há muitos latino-americanos que pretendem transformar esse acidente num modelo e ainda nos repetem que o que nos falta para o nosso desenvolvimento é a presença de um Pinochet. A popularidade de Fujimori em boa parte se deveu ao fato de muitos peruanos identificarem Fujimori com Pinochet. Não é verdade, há acidentes na História, mas se há na história latino-americana uma constante, essa constante é a de que as ditaduras jamais representaram uma solução para os problemas latino-americanos, e todas elas, sem exceção, Chile à parte contribuíram para agravar os problemas que pretendiam solucionar: a corrupção o atraso, o debilitamento, o colapso das instituições. As ditaduras têm contribuído mais do que qualquer coisa para criar esse cinismo político que é uma das características talvez mais generalizadas na América Latina: a política é a arte de enriquecer, é a arte de roubar,; esta é a definição de política para uma imensa maioria de latino-americanos e assim pensam porque essa tem sido a verdade em boa parte da nossa história por culpa das ditaduras. As ditaduras têm feito da corrupção forma natural de governo, que têm criado com relação à política esse sentimento tão terrivelmente cínico que impera na grande maioria dos países latino-americanos.
O Chile teve êxito também por outra razão. Porque o Chile no século XIX teve uma sociedade civil que cresceu, teve uma sociedade civil na qual as instituições funcionaram. Houve lá figuras admiráveis, intelectuais, juristas, professores, um venezuelano que importaram e que cumpriu importantíssimo papel naquele país André Bello. O Chile sempre teve fama de um país legalista, que é uma tradição que felizmente ajudou muitíssimo na hora das reformas econômicas e da transição política o resto da América Latina não teve, como o Chile, esta sociedade civil forte no passado e que fez com que as instituições funcionassem.