sexta-feira, outubro 09, 2009

AS IDÉIAS INDUSTRIALISTAS DE JOSÉ DA SILVA LISBOA E DE JOÃO SEVERIANO MACIEL DA COSTA: UM ESTUDO COMPARATIVO

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ





SUELEM HALIM NARDO DE CARVALHO








AS IDÉIAS INDUSTRIALISTAS DE JOSÉ DA SILVA LISBOA E DE JOÃO SEVERIANO MACIEL DA COSTA: UM ESTUDO COMPARATIVO
(1808-1821)












Maringá
2009

SUELEM HALIM NARDO DE CARVALHO





AS IDÉIAS INDUSTRIALISTAS DE JOSÉ DA SILVA LISBOA E DE JOÃO SEVERIANO MACIEL DA COSTA: UM ESTUDO COMPARATIVO
(1808-1821)






Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual de Maringá, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em História.


Área de concentração:
Política, movimentos populacionais e sociais.

Orientador: Prof. Dr. José Flávio Pereira




MARINGÁ
2009















Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
(Biblioteca Central - UEM, Maringá – PR., Brasil)

Carvalho, Suelen Halim Nardo de
C331i As idéias industrialistas de José da Silva Lisboa e de João Severiano Maciel da Costa: um estudo comparativo (1808-1821) / Suelen Halim Nardo de Carvalho. -- Maringá, 2009.
103 f.

Orientador : Prof. Dr. José Flávio Pereira.
Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Maringá, Programa de Pós-graduação em História, 2009.

1. Lisboa, Jose da Silva, Visconde de Cairu, 1756-1835 - Idéias industrialistas. 2. Costa, João Severiano Maciel da, Marquês de Queluz, 1769-1833 - Idéias de industrialização. 3.História do Brasil - Pensamento liberal - Pensamento protecionista - Século 19. 4. História - Política industrial - Brasil. I. Universidade Estadual de Maringá, Programa de Pós-graduação em História. II. Título.


CDD 21.ed. 981.033
















SUELEM HALIM NARDO DE CARVALHO






AS IDÉIAS INDUSTRIALISTAS DE JOSÉ DA SILVA LISBOA E DE JOÃO SEVERIANO MACIEL DA COSTA: UM ESTUDO COMPARATIVO
(1808-1821)


Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual de Maringá - UEM, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em História sob apreciação da seguinte banca examinadora:





Aprovado em ____/____/____



____________________________________________
Prof. Dr.



____________________________________________
Prof. Dr.



____________________________________________
Prof. Dr.






























“É para salvar a indústria nacional, ainda nascente, contra a concorrência da estrangeira que devem servir as alfândegas, ou impostos diretos (...)”

(João Severiano Maciel da Costa, 1821)





























“Em matéria de fábricas, há dous escolhos igualmente fatais ao progresso da fortuna particular e pública: um consiste em não se dar plena franqueza à indústria para estabelecimentos de manufaturas, o outro consiste em introduzir estas por privilégios e favores extraordinários.”

(Visconde de Cairu, 1810)
RESUMO

Nosso objetivo, no presente trabalho, é analisar comparativamente o pensamento industrialista de José da Silva Lisboa, Visconde de Cairu (1756-1835), e de João Severiano Maciel da Costa, Marquês de Queluz (1769-1833), no período compreendido entre 1808 e 1821. Ambos os autores foram importantes personagens da história brasileira do início do século XIX, que defenderam posições divergentes no campo das concepções político-ideológicas. Visconde de Cairu, defensor do pensamento liberal no Brasil, acreditava no livre comércio como forma legítima de estimular o desenvolvimento gradativo da indústria no país. Maciel da Costa, personagem de perspectiva conservadora, entendia que somente com a adoção do protecionismo estatal criar-se-iam as condições para a industrialização no país. O debate entre os dois autores inaugurou a discussão, presente até hoje entre nós, sobre qual política industrial seria mais adequada para industrializar o Brasil: Protecionismo ou Liberalismo?


Palavras-chave: Silva Lisboa, Maciel da Costa, industrialização.




























ABSTRACT

Our objective in this study is to analyze comparatively the thought of industrialist José da Silva lisboa, Viscount of Cairu (1756-1835), and Joao Severiano Maciel da Costa, Marquis of Queluz (1769-1833), in the period between 1808 and 1821. Both authors were important figures in brazilian History at the begining of the nineteenth century, that argued different positions in the field of political-ideological conceptions.Viscount of cairu , advocate of liberal thought in Brazil, believed in free trade as a legitimate way to stimulate the gradual development of industry in the country. Maciel da Costa, a conservative figure, realised that only with the adoption of state protectionism would create the conditions for industrialization in the country. The debate between the two authors began the discussion , present among us today, on industrial policy wich would be more appropriate to industrialize the country: protectionism or liberalism?

Key words: Jose da Silva, Joao severiano, industrialization.





















SUMÁRIO



INTRODUÇÃO......................................................................................................... 09


CAPÍTULO I
1. A VISÃO DE JOSÉ DA SILVA LISBOA (VISCONDE DE CAIRU) ACERCA DA INDUSTRIALIZAÇÃO NACIONAL..........................................................................19

1.1. Vida e obra de Visconde de Cairu.....................................................................19

1.2. A defesa do livre cambismo em Cairu...............................................................20

1.3. O processo de industrialização nacional na visão de Cairu..............................26

1.3. A visão de Cairu acerca da Abertura dos Portos..............................................36


CAPÍTULO II
2. A VISÃO DE JOÃO SEVERIANO MACIEL DA COSTA ACERCA DA INDUSTRIALIZAÇÃO NACIONAL.......................................................................... 47

2.1. Vida e obra de João Severiano Maciel da Costa.............................................. 47

2.2. A visão de Maciel da Costa acerca da escravidão no Brasil............................ 48

2.3. O pensamento industrialista de Maciel da Costa..............................................57

2.4. A tese protecionista de Georg Friedrich List e sua relação com o pensamento industrialista de Maciel da Costa............................................... ..............................65


CAPÍTULO III
3. PROTECIONISMO E LIBERALISMO: DUAS TESES PARA PROMOVER O DESENVOLVIMENTO DA INDÚSTRIA NACIONAL..............................................75


CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................96


REFERÊNCIAS......................................................................................................100


FONTES IMPRESSAS...........................................................................................100


BIBLIOGRAFIA..................................................................................................... 100

INTRODUÇÃO

José da Silva Lisboa (Visconde de Cairu) e João Severiano Maciel da Costa, dois importantes autores da nossa história, publicaram algumas obras no começo do século XIX que podem ser consideradas como a raiz histórica mais remota do debate acerca da industrialização brasileira. São obras polêmicas e apaixonadas justamente porque foram produzidas no calor do debate político que se estabeleceu, no Brasil, a partir de 1808, ano da chegada da Família Real portuguesa e de decretação da abertura dos portos brasileiros às nações amigas. Com esse decreto liberal de D. João VI, instaurava-se uma grande discussão no Brasil entre os partidários da política econômica protecionista e os partidários da abertura comercial e industrial.
Cairu será, naquele momento, o principal defensor e articulador de uma política liberal de desenvolvimento agrícola e industrial, engajamento este que o levará a produzir inúmeros estudos nos quais procura tratar das questões relacionadas à industrialização e ao desenvolvimento econômico sob a ótica da economia política liberal de Adam Smith. Por outro lado, João Severiano Maciel da Costa, um dos primeiros e mais destacados representantes da escola protecionista no pensamento brasileiro, tomará posições opostas as de Cairu, reivindicando explicitamente uma política estatal de proteção à indústria brasileira.

* * *
Partindo do pressuposto de que as idéias presentes em uma determinada obra sempre expressam as questões e preocupações de uma época e de uma sociedade específica, o estudo das idéias industrialistas de Cairu e de Maciel da Costa, difundidas no início do século XIX no Brasil, representa uma tentativa de compreensão dos fundamentos do pensamento político e econômico do país.
Os autores, objetos de nossa investigação, formularam idéias que serviram de base para novas concepções político-econômicas no Brasil. Seus escritos vieram à luz para a legitimação de princípios e ideologias que foram expressões de suas épocas. Nesse sentido, são também testemunhos das transformações e permanências históricas que deram origem à nossa atual conjuntura.
Como assinalou Norbert Elias (1994, p.240-241), os diversos pensadores, ao longo da história, exercem uma função muito importante na sociedade porque são dotados de uma capacidade de percepção das transformações históricas. Os “grandes pensadores” não foram, sozinhos, os inventores do pensamento racional ou os responsáveis pelo processo civilizador. Mas tais homens tornaram compreensível, através de suas obras, o processo histórico no qual a coletividade estava inserida. Assim, toda a sociedade (e não apenas os intelectuais) é agente produtor das transformações e da criação de novas mentalidades. No entanto, cabe a esses homens de “pensamento” captar as transformações históricas e ordená-las de forma compreensiva às demais pessoas.
Para Norbert Elias, os intelectuais, ao longo da história, “deram a outras pessoas um entendimento mais claro do mundo e de si mesmas. Dessa maneira, atuaram também como alavancas na máquina mais ampla da sociedade. Foram em maior ou menor grau, dependendo de seus talentos e situação pessoal, intérpretes e porta-vozes de um coro social. Mas não foram, sozinhos, os originadores do tipo de pensamento que prevalecia na sociedade de seu tempo” (1994, p.241).
Podemos dizer que alguns homens, ao longo da história, são dotados de uma maior sensibilidade em relação às transformações históricas e, por isso, imbuídos de uma capacidade de canalização e organização das idéias, tornando-as compreensíveis aos demais homens. Ou, como no dizer de Pinto de Aguiar: “Não cremos, seja possível, ainda, sustentar-se que atos de decisão atinentes a coletividades possam ser ditados pelo livre arbítrio de indivíduos. Mas, sem dúvida cabe aos indivíduos, em certo momento, dar expressão concreta a determinadas aspirações coletivas. E o acerto de tais decisões depende da fidelidade, maior ou menor, com que interpretam tais aspirações. Estas são as personalidades que se evidenciam no curso dos acontecimentos históricos. São como solistas e os primeiros violinos, nas orquestras, destacando-se, mas nelas integrados.” (1960, p.70)
Cairu e Maciel da Costa foram homens que expressaram de forma bastante singular as inquietações de uma época. São personagens da nossa história que se destacaram pela percepção das transformações e pela tradução destas em idéias para seus livros. Por isso, o estudo do pensamento desses autores representa uma tentativa de compreensão da tradição político-econômica de nosso país. Suas obras são clássicos que nos ajudam a entender o curso da nossa história; estudá-los é buscar a compreensão das raízes do pensamento político e econômico brasileiro.
Italo Calvino já dizia que os “clássicos servem para entender quem somos e onde chegamos” (1985, p.16) e “não necessariamente nos ensina algo que não sabíamos; às vezes descobrimos nele algo que sempre soubéramos (ou acreditávamos saber) mas desconhecíamos que ele o dissera primeiro (ou de algum modo se liga a ele de maneira particular).” (1985, p.12).
Dessa forma, não podemos errar quando dizemos que Cairu e Maciel da Costa são autores que merecem sempre ser visitados. E por mais que ambos tenham sido estudados, analisados e revistos, ainda assim, haverá sempre uma nova perspectiva a ser explorada, capaz de nos fornecer novos elementos acerca das temáticas por eles abordadas. Como Calvino nos alertou, “um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer” (1985, p.11). Tendo em vista tais considerações, neste momento, vamos buscar o que Cairu e Maciel da Costa têm a nos dizer sobre as raízes do debate teórico-ideológico acerca da questão do industrialismo no Brasil.
Quanto a Cairu, não há dúvidas de que é um autor bastante estudado. Os trabalhos publicados sobre ele são inúmeros e as temáticas de sua atuação política e intelectual estão longe de se esgotarem. Caracterizado como um autor controverso , seus escritos suscitaram fortes críticas e grandes elogios tanto de seus contemporâneos, como também de autores de épocas posteriores. Mas isso, como veremos, variou sempre de acordo com a perspectiva histórica de cada autor que se propôs a criticar esse economista brasileiro.
Durante a sua vida, Cairu certamente recebeu reconhecimento e estima dos governantes aos quais esteve ligado, a julgar pelos relevantes cargos que ocupou (ROCHA, 2001, p.22). Mas, como José Flávio Pereira apontou, “seja à postura não conciliatória em relação aos sistemas e práticas restritivas da atividade econômica da sociedade, seja ao seu monarquismo, seja, finalmente, à maneira arrebatada e aguerrida com que Cairu defendia seu posicionamento” (1997, p.318), enfim, todos esses motivos teriam “contribuído para lhe granjear mais hostilidade e críticas do que elogios e adesões entre seus contemporâneos” (1997, p.317).
As críticas contra Cairu “partiram de autores e políticos comprometidos com os mais variados interesses e projetos políticos. Elas partiram, por exemplo, daqueles que reivindicavam a substituição da liberdade de comércio e indústria, instituída com a reforma joanina, por uma política de proteção da indústria e da manufatura nacionais” (1997, p.318), como, evidentemente, foi o caso de João Severiano Maciel da Costa.
Contudo, é importante ressaltar que, embora Maciel da Costa sustentasse uma visão política e ideológica muito distinta da de Cairu, este sempre o tratou de forma muito respeitosa, diferentemente das condutas adotadas por José Bonifácio de Andrada e Silva e Cipriano Barata, por exemplo, que se destacaram pela maneira depreciativa como fizeram suas críticas a Cairu (1997, p. 21). No caso desses dois últimos personagens, os ataques desferidos contra o economista ultrapassaram o campo das concepções político-ideológicas e chegaram ao nível das ofensas pessoais, como bem indicou Hélio Vianna (1945, p. 442-444).
Segundo Pereira, a origem do combate “depreciativo constitui, na verdade, uma tendência teórico-política que já se esboça no momento em que Cairu publica seus primeiros escritos polêmicos e cresce à medida em que aumenta seu engajamento político na defesa dos pontos programáticos de seu projeto social inspirado na economia política ortodoxa.” (1997, p.322).
Em um momento posterior à morte de Cairu, a partir de meados do século XIX, surgiram diversos trabalhos em referência à sua importância e atuação no ambiente intelectual brasileiro. Conforme Antonio Penalves Rocha, nesses trabalhos , Cairu foi caracterizado como um eminente político e escritor, um dos construtores da nação, ao qual toda a sociedade deveria prestar um grande reconhecimento e respeito.
No entanto, a caracterização de Cairu como um grande defensor do liberalismo econômico e o primeiro e maior disseminador das idéias de Adam Smith no Brasil, tornou-o uma figura bastante polêmica. Segundo Rocha, “depois que os escritores do século XIX elegeram-no como um dos construtores da nação, os do século XX gastaram bastante tinta pra traçar duas imagens opostas de Cairu: uma que o glorificava, outra que o condenava.” (2001, p.25)
Entre os autores que tiveram uma perspectiva favorável às idéias de Cairu, procedimento ao que Rocha denomina “montagem do processo de glorificação” (2001, p.28), podemos destacar Hélio Vianna, Nogueira de Paula, Vilhena de Moraes e José de Almeida .
Em um sentido contrário, são de grandes autores como Sérgio Buarque de Holanda, Celso Furtado e Emilia Viotti da Costa que Cairu recebeu as mais duras críticas, as quais, segundo Fernando A. Novais e José Jobson Arruda, teriam legado ao economista o “rótulo de construtor ideológico do Império, defensor da monarquia, e representante da oligarquia latifundiária” (1999, p.25).
Contudo, também surgiram no Brasil estudos que, a nosso ver, buscaram a compreensão das idéias cairunianas em sintonia com seu contexto histórico, sem realizarem a depreciação ou o enaltecimento do personagem Cairu. Podemos citar como exemplos de importantes trabalhos acerca do pensamento cairuniano, que buscaram uma postura imparcial e despida de preconceitos, as obras de Darcy Carvalho, José Flávio Pereira, José Jobson de Andrade Arruda e Fernando Novais .
Diante dessa breve exposição das interpretações que Cairu recebeu ao longo da história, podemos perceber que, de acordo com a posição político/ideológica dos pesquisadores, houve, durante o século XX, certa tendência à condenação ou glorificação de Cairu. Por isso, como nos alertou Rocha, devemos “examinar o porquê da produção dessas imagens, partindo do pressuposto de que os escritores as construíram para que participassem nos debates sobre certas questões, ou seja, para que na condição de ícones, interferissem em determinadas circunstâncias históricas; deste modo, elas só ganham sentido dentro do contexto em que foram produzidas” (2001, p.32). Em outras palavras, ao realizarmos uma análise da historiografia acerca do pensamento cairuniano, devemos ter clareza a respeito de cada contexto histórico em que foram produzidos os diversos estudos, ou seja, é necessário que saibamos identificar quais foram os reais anseios e objetivos que levaram cada um dos diversos pesquisadores a lançar seu olhar ao pensamento cairuniano.
Com o intuito de ver Cairu a partir dos próprios escritos e de conhecer o seu pensamento industrialista é que desenvolveremos nosso trabalho. Evidentemente, iremos, ao longo da dissertação, dialogar com diversos estudiosos de seus escritos. No entanto, nossa tarefa, com esta pesquisa a respeito desse economista brasileiro, é procurar entender qual era a sua visão acerca do processo de industrialização nacional.
Com relação ao estudo do pensamento de João Severiano Maciel da Costa, não temos a mesma quantidade de trabalhos que encontramos em relação à Cairu. Parece-nos que a maior parte dos trabalhos existentes sobre Maciel da Costa, exceto a pesquisa de Pereira , volta-se, essencialmente, para a análise referente ao modo como o autor via a questão da escravidão e, por isso, não traz como foco de pesquisa o problema da industrialização.
Nesse sentido, podemos dizer que nossa pesquisa, em relação ao pensamento desse autor, caminha em outra direção, pois nossa pretensão é realizar uma análise do posicionamento de Maciel da Costa acerca da questão da industrialização brasileira no século XIX, uma tarefa que, até o presente momento, parece não ter sido muito explorada pelos historiadores.
Mas, para atingirmos nosso objetivo, que é compreender as idéias industrialistas desse autor, é necessário que discutamos também a questão da escravidão, uma vez que, nas proposições de Maciel da Costa, o tema da industrialização do Brasil é tratado paralelamente à necessidade de acabar com a escravidão. Para o autor, estimular o florescimento da indústria nacional seria também o meio de expandir os setores intermediários da sociedade brasileira que, naquele momento, era constituída, basicamente, por duas classes antagônicas: senhores e escravos.
* * *
Sabemos que uma obra nunca é escrita ao acaso, pois os pensadores das mais diferentes épocas estão sempre refletindo o momento histórico em que estão inseridos. Uma obra é, de modo geral, uma tentativa de encontrar respostas para as questões da realidade histórica em que vive o autor. Por isso, sabemos também que um texto deve ser sempre analisado dentro de seu contexto histórico, ou seja, devemos buscar identificar os diálogos que o autor empreende em sua conjuntura.
Acreditamos que as análises das idéias dos mais variados pensadores ao longo da história somente ganham sentido se o pesquisador, que se propõe a interpretá-las, adota como conduta a visualização de tais idéias em sintonia com o momento histórico em que as mesmas foram produzidas. Somente a partir da identificação do contexto histórico, no qual uma idéia foi disseminada, é que se torna possível compreender, de fato, sua essência, seu significado. Acreditamos que essas premissas são elementos essenciais para que possamos alcançar a compreensão da história.
Portanto, neste momento, faremos uma breve contextualização histórica do período em questão, com o propósito de situarmos nossos personagens em suas devidas conjunturas e identificarmos as transformações pertinentes à compreensão de nosso trabalho.
As profundas transformações pelas quais passou a Europa, no final do século XVIII e início do século XIX, produziram mudanças significativas na história de grande parte do mundo ocidental. Segundo Fernando A. Novais, tal período aparece “como um desses momentos temerosos e fecundos em que se acelera significativamente o tempo histórico: o movimento revolucionário promove a demolição progressiva do Antigo Regime e a construção das novas instituições do Estado da época contemporânea.” (1981, p.03). O movimento Iluminista, o florescimento da Economia Política, a Revolução Industrial, a Revolução Francesa, as invasões napoleônicas etc. são todos acontecimentos que marcam o processo de ruptura do Antigo Regime.
Como parte desse processo de decadência do Antigo Regime, visualizamos o desmantelamento das bases do sistema mercantilista, que, segundo Francisco Falcon, “foi o produto das condições específicas de um determinado período histórico do Ocidente, caracterizado pela transição do feudalismo ao capitalismo.” (1982, p.09). Vemos, assim, o antigo sistema colonial, que se baseava no mercantilismo, sofrer seu primeiro grande abalo com a Independência dos Estados Unidos em 1776, no mesmo ano em que veio à luz a primeira edição de A Riqueza das Nações, de Adam Smith.
É a partir desse processo global de transformações que devemos procurar entender as mudanças que ocorriam no Brasil naquele momento, pois nosso país foi diretamente influenciado pelas transformações econômicas, sociais e políticas vigentes em boa parte do mundo ocidental. Nesse sentido, a vinda da família real para o Brasil, como consequência da invasão francesa a Portugal, foi o mais significativo dos fatos, pois sua chegada “em 1808, alterou, profundamente, a situação do nosso país, que de simples colônia (...), repentinamente passava à condição de sede da monarquia lusitana” (VIANNA,1970, p.13).
Exemplo característico dessa nova realidade veio com o decreto de 28 de janeiro de 1808, assinado pelo Príncipe Regente D. João VI, que abria os portos brasileiros às nações amigas. Com esse decreto, rompia-se com o chamado “Pacto Colonial”, que garantia exclusividade aos comerciantes portugueses nas transações dos produtos demandados pela colônia Brasil. Nessa direção, tal medida foi extremamente revolucionária ao permitir que os brasileiros pudessem negociar livremente com todos os países europeus, inclusive com a Inglaterra, país mais desenvolvido do mundo, que realizará a Revolução Industrial. Era a chegada de uma nova ordem para a colônia brasileira, deflagrando uma mudança histórica de sua condição política e econômica.
Nosso trabalho parte desse momento crucial de transformações, onde Cairu e Maciel da Costa foram testemunhos ativos desses acontecimentos. As obras que usamos como fontes para a realização da pesquisa foram escritas, exatamente, entre 1808 e 1821, sinalizando que ambos os autores produziram seus estudos em um período de importantes acontecimentos históricos e fortes debates relacionados às questões políticas e econômicas da época.
O período que vai de 1808 a 1821, momento em que nossas fontes são escritas, coincide, como sabemos, com o “período joanino” que, segundo Emília Viotti da Costa, caracterizou-se como uma política de medidas liberais que manifestava intenções de ampliar o mercado e “de estimular tanto a indústria quanto o comércio” da colônia; mas “a preocupação em garantir os interesses portugueses e os da Coroa, frequentemente confundidos, entravava, necessariamente, o liberalismo das medidas” (1969, p.75). Para Caio Prado Junior, a política de D. João VI teve “influência muito favorável para a colônia”, pois transplantada a sede do Império para o outro lado do Atlântico, “é compreensível que a política e administração portuguesas com relação ao Brasil, caracterizadas até então pela ignorância completa de seus interesses próprios, e dominadas unicamente por influencias metropolitanas, pendessem agora mais para a colônia.” (1998, p.101).
Assim, o período que abarca o governo de D. João VI no Brasil representa uma ocasião de transformações políticas e econômicas, bem como de origens de debates e posicionamentos ideológicos distintos acerca da questão do desenvolvimento da indústria brasileira. Segundo Nícia Vilela Luz, “as primeiras tentativas para se promover a industrialização do Brasil partiram, no início do século XIX, dos esforços conscientes do Estado, encarregado na pessoa de um monarca absoluto, o Rei de Portugal.” (1975, p.19). A partir da chegada de D. João VI no Brasil, foi lançada uma questão que deu, e ainda continua dando, argumentos para uma vasta produção acadêmica acerca da polêmica do desenvolvimento econômico nacional com base na industrialização.
Podemos, certamente, afirmar que são as obras de Cairu e Maciel da Costa que inauguram esse debate industrialista que se inicia, conforme Nícia Vilela Luz, com a transferência “do príncipe Regente D. João” para a colônia brasileira (1975, p.20). A partir do pensamento industrialista de Cairu e Maciel da Costa, passaremos a ter dois distintos posicionamentos frente à questão do desenvolvimento econômico nacional com base na indústria: Cairu introduzindo, de forma pioneira, a questão da industrialização nacional a partir da teoria liberal de Adam Smith; Maciel da Costa desenvolvendo, também de maneira precursora, o pensamento industrialista com base no sistema protecionista.
Com o objetivo máximo de comparar esses distintos posicionamentos acerca da questão da industrialização no Brasil, nossa pesquisa está fundamentada na análise de três fontes documentais: as duas primeiras se constituem nas obras do Visconde de Cairu: Observações sobre o comércio franco no Brasil e Observações sobre a franqueza da indústria e estabelecimento de fábricas no Brasil, publicadas, no Brasil, em 1808-1809 e 1810, respectivamente. A terceira fonte constitui-se na obra de Maciel da Costa, Memória sobre a necessidade de abolir a introdução dos escravos africanos no Brasil, sobre o modo e condições com que esta abolição se deve fazer e sobre os meios de remediar a falta de braços que ela pode ocasionar, publicada em 1821, em Portugal.
A dissertação está estruturada da seguinte forma: no primeiro capítulo, faremos a análise das obras de Cairu, buscando, essencialmente, o entendimento de seu pensamento industrialista. No segundo capítulo, buscaremos compreender a questão da industrialização nacional a partir da perspectiva de Maciel da Costa. Por fim, na terceira parte de nosso trabalho, faremos uma análise comparativa entre as duas visões, procurando pontuar qual teria sido a tese mais coerente com o contexto histórico em questão e identificar qual das duas propostas teria maiores chances de promover o desenvolvimento da economia nacional nas condições históricas do início do século XIX.

























CAPÍTULO I
A VISÃO DE JOSÉ DA SILVA LISBOA (VISCONDE DE CAIRU) ACERCA DA INDUSTRIALIZAÇÃO NACIONAL

1.1. Vida e obra de Visconde de Cairu

José da Silva Lisboa, o visconde de Cairu, nasceu em 1756, em Salvador, e faleceu no Rio de Janeiro, em 1835. Formou-se em Portugal pela Universidade de Coimbra, onde concluiu os cursos de Filosofia e Direito em 1779. Já nesse tempo, foi professor substituto das cadeiras das línguas Grega e Hebraica, no Colégio das Artes, em Portugal. Regressando ao Brasil, foi designado para a Cátedra de Filosofia Moral na Bahia, onde criou a Cadeira de Língua Grega. Publicou em Portugal, no ano de 1804, a sua importante obra Princípios de Economia Política, primeira obra publicada em nossa língua sobre o tema.
Cairu é reconhecido por muitos estudiosos como o arquiteto da abertura dos portos no Brasil. De fato, ele foi um grande defensor do decreto assinado por D. João VI em 28 de janeiro de 1808, que resultou, como o próprio economista brasileiro assinalou, “na conciliação dos interesses do Brasil com os de Portugal e da Europa” (1999, p.55). Nesse mesmo ano, Cairu foi nomeado desembargador da Mesa do Desembargo do Paço e da Consciência e Ordens, que lhe deu a função de Censor Régio.
Ainda em 1808, Cairu ocupou a função de deputado da Real Junta de Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação e desembargador da Relação da Bahia. Também nesse ano, publicou as duas primeiras partes de Observações sobre o Comércio Franco no Brasil, obra na qual fez a defesa do livre comércio e mostrou a importância da abertura dos portos para o progresso e desenvolvimento de nossa economia.
A partir desse período, Cairu teve uma intensa atividade como publicista, sendo que, entre os anos de 1810 e 1815, dez livros seus foram editados pela Impressão Régia. Em 1820, foi nomeado por D. João VI deputado da Junta das Cortes, órgão encarregado de discutir as leis constitucionais e, em 1821, tornou-se inspetor geral dos estabelecimentos literários, no que lhe coube a função de censurar as obras que seriam publicadas no Brasil. Em 1825, foi nomeado Barão e, em 1826, foi nomeado Visconde. Com o início da atividade legislativa no Brasil, Cairu ganhou uma cadeira no Senado. Sua obra totaliza, entre livros e periódicos, 45 publicações.
Cairu foi, sem dúvida, um personagem bastante ativo na história política do Brasil. Sua importância para a política econômica brasileira é inegável, pois, além de ter atuado como conselheiro do Rei, fundamentou, com base nos princípios da Economia Política Clássica, de Adam Smith, uma teoria liberal para a industrialização do Brasil. Podemos dizer que a obra de Cairu estava sintonizada com os princípios contidos em A Riqueza das Nações, de Adam Smith, publicada em 1776, e que buscava aplicar semelhantes paradigmas à economia brasileira.


1.2. A defesa do livre cambismo em Cairu

Para a compreensão do pensamento industrialista de Cairu – que se constitui em um dos objetivos centrais de nosso trabalho – tomamos como fonte duas de suas obras que mais versaram sobre o referido tema: Observações sobre o comércio franco no Brasil (1808-1809) e Observações sobre a franqueza da indústria e estabelecimento de fábricas no Brasil (1810).
Iniciaremos nossa análise a partir da obra publicada em 1808-1809, como procedimento necessário para entendermos a evolução e a sequência dos ideais político-econômicos cairunianos. Assim, em linhas gerais, em Observações sobre o comércio..., Cairu teve como objetivo a defesa e legitimação da liberdade comercial no Brasil. Em Observações sobre a franqueza..., desenvolveu uma argumentação bastante realista e sólida a respeito da inviabilidade da implantação de fábricas de superior ordem no Brasil, naquele momento.
Cairu, como já afirmamos anteriormente, foi o grande intérprete das idéias de Adam Smith no Brasil e toda sua obra foi profundamente influenciada pelos princípios liberais difundidos pelo economista escocês.
Como um legítimo defensor do ideário liberal no Brasil, Cairu criou uma tese de desenvolvimento econômico nacional que divergiu largamente do tradicional pensamento mercantilista . Ao invés de barreiras alfandegárias por meio de tarifas aduaneiras, monopólios, restrições a importações, etc., como formas de promover o desenvolvimento econômico, Cairu defendeu uma política de liberdades comerciais e de incentivos cambiais entre as mais diversas nações do mundo, como forma eficiente de proporcionar a maior riqueza e o bem-estar de todos os países.

O verdadeiro espírito do comércio é social; ele quer ajudar, e ser ajudado, ele aspira a dar socorro e recebê-lo, ele carece um benefício recíproco, e não é fecundo, e constantemente útil, senão quando é repartido. (LISBOA, 2001, p.72).

Cairu não via a concorrência comercial entre os países como algo prejudicial, que impedia o progresso e a riqueza das nações, mas sim como um meio de reprodução de um auxílio mútuo entre os mais diversos países do mundo. Acreditava que, em cada região distinta, existiam, naturalmente, condições especiais para a produção de determinados produtos. Por isso, em sua opinião, a adoção de uma política de livre importação não poderia acarretar prejuízo para nenhum país, pois cada região possuía uma vantagem natural para um determinado ramo de produção. Desse modo, a troca universal seria algo extremamente vantajoso, já que cada nação teria a oportunidade de usufruir daquilo que melhor haveria nas mais diversas regiões do mundo.
Em contrapartida, a nação que decidia por não participar do livre comércio mundial acabava se submetendo a uma letargia econômica, pois ficava, inevitavelmente, em uma situação de exclusão e limitação comercial. Segundo Cairu, era essa a situação comercial em que se encontrava a colônia brasileira antes da abertura dos portos, em 28 de janeiro de 1808, por D. João VI.
É importante lembrarmos que as duas primeiras partes das Observações sobre o comércio franco no Brasil foram publicadas em 1808. Portanto, Cairu estava escrevendo no calor de um fato histórico que influenciou de forma muito significativa a política econômica do Brasil. Sua obra vem à luz em um momento estratégico, pois surge para legitimar esse acontecimento e, também, para dar provas de quão sábia e imperiosa havia sido tal decisão do monarca português.
Essa visão de interdependência dos povos e de dinâmica comercial como mola propulsora do desenvolvimento econômico da nação é a tônica do trabalho de Cairu. Ao contrário da visão mercantilista, que até quase o final do século XVIII reinou absoluta, a posição de Cairu, herdada de Smith, era de legitimação do livre comércio mundial e valorização de uma política imparcial, livre de monopólios e privilégios exclusivos. Além disso, em Cairu, é absolutamente clara a importância de um princípio liberal fundamental: a divisão internacional do trabalho.
A teoria da divisão do trabalho foi discutida originalmente por Adam Smith, em Riqueza das Nações. Segundo Smith, “O maior aprimoramento das forças produtivas do trabalho, e a maior parte da habilidade, destreza e bom senso com os quais o trabalho é em toda parte dirigido e executado, parecem ter sido resultado da divisão do trabalho.” (1983, p. 41). De acordo com essa teoria, este aumento de produtividade e a maior destreza e habilidade em executar um determinado serviço, em consequência da divisão do trabalho, surge de três circunstâncias distintas: a primeira diz respeito à especialidade que surge em cada trabalhador, por só praticar um tipo de serviço; a segunda relaciona-se à economia de tempo, que costumeiramente seria perdido na passagem de um tipo de ferramenta para outra; e por último, a criação de condições mais favoráveis às invenções de máquinas, que são importantes para a facilitação do trabalho e o aumento da produtividade.
Para Smith, a referida especialização do trabalho, ou seja, a divisão do trabalho, veio ao mundo a partir de uma propensão natural do homem ao intercâmbio com outros homens. Isso porque, em uma sociedade civilizada, o intercâmbio é uma prática necessária de cooperação entre os indivíduos para a sua convivência em harmonia.
O homem teria constante necessidade de ajuda e cooperação de seus semelhantes. No entanto, Smith esclarece que nenhuma pessoa poderia esperar o grande e perfeito intercâmbio entre os povos pela benevolência alheia, pois essa troca harmônica que garantia as necessidades de todos os povos era realizada através do empenho de cada indivíduo pela busca de seu maior conforto e satisfação de seus interesses.

Não é pela benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelo seu próprio interesse. Dirigimo-nos não à sua humanidade, mas à auto-estima, e nunca falamos das nossas próprias necessidades, mas das vantagens que advirão para eles. (SMITH,1983, p. 50).

Essa necessidade de satisfação dos próprios interesses, por meio do escambo com outros homens, é que gerava a divisão do trabalho. A partir da especialização da produção e, consequentemente, do seu aumento, cada indivíduo se tornava capaz de adquirir um excedente de produção e, com isso, alcançar os meios para o intercâmbio com outros homens. É precisamente esse interesse em trocar o excedente produtivo, ou seja, aquilo que ultrapassa o consumo pessoal de cada individuo por produtos diversos e que também são essenciais para a sua vida, que estimula os homens a executarem a divisão do trabalho. Essa condição de distinção entre os homens, de haver habilidades e caracteres diferentes, é útil a todos, pois o fato de cada indivíduo se especializar em algum tipo de produção faz com que ele possa produzir um excedente de seu trabalho; com isso, passa a ter, a partir da troca ou venda de seus produtos, o poder de aquisição de tudo aquilo que precisa para seu bem-estar e satisfação.
Um aspecto interessante da tese smithiana é o fato de que, quanto mais extenso for o mercado, maior poderá ser o nível de divisão e especialização do trabalho. Isso acontece porque, segundo Smith, se o mercado é muito reduzido, os indivíduos não se sentem seguros e estimulados a se dedicarem a uma única atividade, já que não seria possível encontrar mercado suficiente para toda a produção excedente de seu trabalho. Portanto, a lógica da divisão do trabalho, que garante o máximo de aproveitamento e de aperfeiçoamento da produção, tem sua ação regulada de acordo com a dimensão do mercado. Nesse sentido, é possível compreender que, quanto maiores as possibilidades de intercâmbio entre os povos, maior quantidade e aperfeiçoamento teremos nos mais diversos produtos e serviços que o homem é capaz de originar.
Cairu compreendia muito bem essa lógica das relações comerciais internacionais desenvolvida por Smith e, acima de tudo, acreditava piamente na harmonia e no bem-estar geral que o livre comércio era capaz de proporcionar ao mundo inteiro. Para o economista brasileiro, a importação de mercadorias estrangeiras nunca significou uma ameaça para a prosperidade ou para o desenvolvimento econômico de uma região, como alegavam muitos estudiosos, a exemplo de Maciel da Costa e Georg Friedrich List . Cairu acreditava no contrário disso. Para ele, a livre importação de mercadorias estrangeiras garantia a um país o aumento da receita pública e maior facilidade e abundância no suprimento de sua população. Além disso, entendia ser absolutamente irracional querer barrar a entrada de produtos estrangeiros – para que estes não fizessem ruinosa concorrência com os artigos locais – se não existiam, ainda, em território nacional, iguais condições para uma produção de qualidade e com preços competitivos.
Querer exportar o máximo e importar o mínimo, isso sim era um tipo de mentalidade altamente perniciosa para o bem geral da humanidade. Segundo Cairu, o livre comércio mundial visava à amizade e cooperação entre os povos; em contrapartida, o sistema de restrições comerciais, que impedia a livre circulação de mercadorias, era o gerador da desunião e inveja entre os países.
Em Observações sobre o comércio franco no Brasil, fica claro que a luta de Cairu, naquele momento, era contra o fantasma das reminiscências mercantilistas, das políticas parciais e exclusivistas. Na visão de cairu, tal sistema mercantil, que regeu as ordens comerciais por quase três séculos nas principais nações ocidentais, era um sistema que obstaculizava o desenvolvimento da economia dos países que o praticavam. As diretrizes traçadas por esse antigo regime econômico eram contrárias ao real progresso e desenvolvimento das nações, justamente porque eram desfavoráveis à harmonia e cooperação comercial entre os países.
Para o autor, o sistema que defendia o princípio da máxima exportação e a mínima importação, como forma de desenvolver a economia nacional e estabelecer independência estrangeira, esquecia de considerar que se uma nação barrava a entrada de produtos estrangeiros em seu território, logo seus produtos também seriam barrados nos países que fossem atingidos por tal medida restritiva. Nesse sentido, existia necessariamente a recíproca dependência dos povos; de modo que, nenhuma nação poderia ter e fabricar tudo sozinha. Somente através do comércio livre é que um país teria acesso aos mais diversos tipos de mercadorias e, ao mesmo tempo, encontraria mercado para sua produção. A nação mais rica, na visão de Cairu, era aquela que se beneficiava dos mais diversos tipos de produtos da natureza e das artes de todos os lugares da terra, e não aquela que limitava o poder de consumo de sua população – obrigando-a a comprar produtos nacionais mais caros – ou que acumulava desnecessariamente metais preciosos.
Cairu, com essa argumentação, obviamente herdada de Smith, desestabilizava a tese da balança comercial favorável, exageradamente defendida pelos seguidores do mercantilismo. O autor brasileiro mostrou que a busca excessiva pelo saldo comercial favorável destruía o bom andamento do comércio universal porque colocava os mais diversos países como inimigos. Diferentemente dessa situação imposta pelo regime mercantilista, no sistema de livre comércio mundial os países visavam a um benefício comum, isto é, à troca recíproca de seus produtos, como forma de cada nação desenvolver sua economia.
Cairu evidenciou que era do interesse de cada nação que sua produção excedente encontrasse o maior mercado e o melhor preço possível, pois, assim, todos os países animavam sua economia. Sendo assim, se um país proibia a entrada de mercadorias estrangeiras em seu território, logo os países atingidos por tal proibição não comprariam mais seus produtos. Dessa forma, a nação que adotava o sistema de restrições às importações prejudicava o próprio desenvolvimento econômico. Inevitavelmente, essa era uma realidade do comércio em geral que não podia ser ignorada.
Além disso, Cairu via a concorrência estrangeira como um forte estímulo para o melhoramento e barateamento dos produtos nacionais. Cairu entendia que a emulação servia para os comerciantes se aperfeiçoarem e, também, os disciplinava a serem mais moderados em seus lucros.
Na opinião do economista, nenhum tipo de indústria merecia proteção ou privilégios exclusivos por parte do Governo. Para Cairu, qualquer tipo de intervenção estatal só servia para favorecer a inércia, diminuir a emulação, desencorajar os indivíduos que não recebiam privilégios e impedir a possível perfeição da produção. Segundo o autor, um governo justo e honesto não deveria conceder privilégios e monopólios exclusivos, de modo que “O dever do soberano é, como pai justo e sem odiosas predileções, proteger com imparcialidade a todas as ordens e indivíduos da nação. Tirar a uns para dar a outros é injustiça evidente.” (2001, p.137). Assim, Cairu entendia que as atribuições de um verdadeiro soberano eram aquelas relacionadas à boa administração, como garantia de segurança, de facilidades das circulações interiores da nação, de menor burocracia possível e da criação de condições para ampliar os mercados consumidores.


1.3. O processo de industrialização nacional na visão de Cairu

Com relação à questão da industrialização nacional, Cairu tinha uma posição bastante realista frente às circunstancias da colônia brasileira naquele momento histórico. Segundo o autor, faltava ainda ao Brasil, no início do século XIX, condições essenciais para a instalação e o desenvolvimento de indústrias manufatureiras. Nesse sentido, acreditava ser ilusão o objetivo de implantar fábricas em território nacional do dia para a noite, e ainda pretender competir com a indústria de grande tradição da Europa.
Para Cairu, o processo de industrialização ocorria de forma gradativa. Por essa razão, acreditava que a introdução prematura da indústria superior no país, por meio da proibição das manufaturas estrangeiras, traria grandes prejuízos para toda a nação naquele momento. Dizia ele:

É alheio de razão pretender sustentar fábricas de tal natureza, com proibições de iguais obras estrangeiras, para forçar o povo a comprar no reino e domínios ultramarinos o que é pior e mais caro. Isso não é promover a indústria nacional, é, ao contrário, destruí-la, tolhendo os estímulos da emulação, que aperfeiçoa tudo, e favorecendo a inércia e ignorância, inimigas da moralidade e riqueza das nações. (LISBOA, 2001, p. 160).


Mais adiante, acrescentou:

Quando no mesmo país algumas fábricas se aperfeiçoam, e outras de igual natureza perseveram em grosseria, estas necessariamente descaem, por falta de mercado na própria nação; pois ainda os mais ardentes patriotas as abandonam, preferindo as mais adiantadas. O contrário seria hipocrisia, ou sandice. O mesmo é natural e forçoso acontecer quando as fábricas estrangeiras adquirem superioridade, e as nacionais não melhoram. E é impossível que estas se tirem da letargia, se os fabricantes, com favor da lei que obsta a importação estrangeira, têm segura extração das suas más obras, e podem em conseqüência extorquir preços lesivos. Quem tem certo vender, escusa apurar. O país onde se multiplicam tais favores injuriosos vem a ser o escolho das artes, e o sepulcro dos talentos: aí os fabricantes não esperam a sua fortuna da própria habilidade e reputação, mas do tesouro mal ganho com o gravoso monopólio. (LISBOA, 2001, p. 162).

Desse modo, ao criar leis proibitivas às mercadorias estrangeiras, o país que pretendia conquistar a independência econômica em relação as outros nações estava, na verdade, incorrendo em um grande erro econômico, pois a nação que se fechava para o mercado mundial acabava se isolando comercialmente e impedindo sua maior prosperidade e seu desenvolvimento. A mútua interdependência comercial dos povos era, sem dúvida, o meio mais seguro e cauteloso de cada país prosperar economicamente.
Nesse momento, julgamos necessário fazer um parêntese para elucidar o conceito de indústria em Cairu, uma vez que o autor criou uma definição específica para o termo. Entender, portanto, o sentido de tal conceito é fundamental para a compreensão de sua tese.
Cairu, em sua obra Observações sobre a franqueza da indústria e estabelecimento de fábricas no Brasil (1810), explicou que, consensualmente, o termo indústria era entendido como o trabalho exercido nas artes mais refinadas, como as manufaturas, por exemplo. Dessa forma, entendia-se que um país que obtivesse muita indústria logo apresentaria muitas fábricas. Para o autor, essa forma de conceituar o termo era imprópria, pois induzia ao entendimento de que, nos diversos ramos da atividade humana, como agricultura, comércio, navegação, artes, etc., não existiam indústrias. Cairu acreditava que essa era uma compreensão equivocada, porque esses ramos de trabalho exigiam grandes conhecimentos e eram capazes de dar muitos e engenhosos empregos; portanto, deveriam ser entendidos como tipos de indústria. Nesse sentido, podemos entender que, para Cairu, o termo não se limitava a definir fábricas manufatureiras, mas também envolvia a definição dos mais diversos tipos de arte e de conhecimentos empregados nos mais variados ramos de trabalho humano. Sendo assim, em Cairu, indústria era sinônimo de atividade produtiva:

Portanto é manifesto que, ainda não havendo manufaturas ou fábricas mais refinadas, podem existir, e necessariamente existem, entre as nações mais civilizadas, e principalmente marítimas, muitas espécies de indústria rural, fabril, comercial, náutica, assaz produtivas, e mais convenientes às respectivas circunstâncias, e que todavia não tolhem o seu progresso, e ascenso para estabelecimentos superiores, em devidos tempos, dando útil e pleno emprego ao povo, à proporção que se for aumentando o seu número, cabedal, e conhecimentos especulativos e práticos em a inumerável variedade de mão-de-obra, que distinguem as nações formadas, e de redundância de braços e capitais. (LISBOA,1999, p.46).


Compreendido o conceito de indústria em Cairu, podemos iniciar, de fato, a análise de seu pensamento industrialista, que foi bastante elucidado em Observações sobre a franqueza da indústria e estabelecimento de fábricas no Brasil (1810). Nessa obra, Cairu fez um exame das circunstâncias históricas da colônia brasileira e mostrou a inviabilidade de se implantar, no início do século XIX, fábricas sofisticadas em território nacional.
De acordo com Cairu, o Brasil não estava preparado ainda para a introdução das manufaturas refinadas que existiam na Europa, de modo que as fábricas que mais convinham à colônia, naquele período, eram aquelas que estavam mais próximas da agricultura, do comércio, da navegação, etc.
Ele acreditava que somente através da liberdade comercial, que representava a força estimuladora para o desenvolvimento de qualquer ramo da economia, é que poderíamos esperar que algum dia nossa indústria manufatureira atingisse um grau elevado de aperfeiçoamento:

A estabilidade do princípio da franqueza da indústria, sendo subseqüente ao da franqueza do comércio, é o meio eficaz de fazer introduzir e aperfeiçoar os mais úteis estabelecimentos, com maior rapidez, e incessantemente progressiva energia pública para a opulência e população do Brasil. (LISBOA, 1999, p. 35).

Para fundamentar a tese de que era precipitado implantar fábricas de manufaturas no Brasil no início do século XIX, Cairu usou como primeiro argumento o fato de ainda existir no país uma abundância de terras férteis. Para ele, o Brasil tinha muita indústria e riqueza a serem desenvolvidas antes de ter as artes e manufaturas superiores, que eram naturais da Europa. Entendia que, enquanto existissem muitas e férteis terras, nenhuma indústria poderia ser tão lucrativa como a agricultura, a mineração, o transporte e o comércio.
De acordo com a lógica de Smith da qual Cairu foi adepto, essa situação ocorria justamente porque a agricultura era o setor da economia que necessitava de investimentos mais baixos. Portanto, enquanto existisse essa abundância de terras no Brasil, aliada à falta de população excedente – e consequente carência de mão-de-obra – a implantação de indústria manufatureira não seria viável.

Por ora, a nossa grande e imediata necessidade é, por assim dizer, manufaturas de estradas e canais navegáveis; manufaturas de casas, e mais benfeitorias rurais e urbanas; manufaturas mais proximamente associadas à agricultura, e navegação: a fim de termos população numerosa, cordata, e bem mantida, com boa marinha para defesa e segurança do país. Com extensa e bem entendida agricultura, e tendo tantas, e tão boas matérias primeiras, podendo ter, pouco a pouco gradativamente, e em devidos tempos, muitas, e indígenas fábricas, sem desviar capitais das direções mais úteis, nem fazer desnecessária concorrência às da Europa. (LISBOA, 1999, p.100).

Cairu, ao fazer uma alusão à situação européia, mostrou que, nessa região, havia uma enorme quantidade de trabalhadores empregados nos mais diferentes setores econômicos possíveis porque, há muito tempo, havia se esgotado a expansão das terras cultiváveis e, além disso, existia uma população redundante. Mas o contrário se dava na América, pois aqui havia muita terra para ser cultivada e não existia a mão-de-obra necessária para ser empregada nas fábricas, havendo um agravante: em nossa colônia, reinava o regime de escravidão, tornando ainda mais difícil o recrutamento da mão-de-obra para o trabalho fabril. Para Cairu, essa seria, então, nossa primeira deficiência circunstancial, em relação à possibilidade de industrialização.
Em sua opinião, as duas piores escolhas de um governo, em se tratando de desenvolvimento industrial nacional, eram as seguintes: a primeira seria não conceder plena liberdade à indústria para o estabelecimento das mais diversas manufaturas; a segunda seria introduzir tais fábricas por meio de privilégios e monopólios. Assim, se houvesse a máxima liberdade política e econômica no Brasil, se fosse excluído de nosso território todo e qualquer tipo de privilégio exclusivo, a indústria que conquistaríamos seria aquela natural, que surgiria pela própria força e capacidade, de forma gradual, sem ajuda do governo e sem artifícios odiosos. De acordo com Cairu, não existia indústria mais sólida e produtiva do que aquelas que se desenvolviam de forma natural e gradativamente pela divisão do trabalho.
É importante ressaltarmos que, com esse discurso, o autor não estava relegando a segundo plano a importância da indústria manufatureira no Brasil. É fundamental termos claro que Cairu não estava defendendo a idéia de que o Brasil seria um país eternamente agrário. Não era essa a questão. O que ele estava defendendo, naquele momento, era a tese de que nosso país não possuía ainda as condições necessárias para a implantação e o desenvolvimento de indústrias de superior ordem.
Cairu estava defendendo a existência de uma indústria sólida, capaz de se desenvolver e prosperar sem os monopólios distribuídos pelo governo. Ele sabia que um país como o Brasil, que estava em um estágio inicial de civilização e que ainda sofria com a falta de mercado interno e de capitais, não poderia possuir uma indústria semelhante à das nações européias, célebres pela sua perícia e antiguidade. Desse modo, podemos afirmar que Cairu era objetivo e realista frente às condições políticas, econômicas e sociais do Brasil no início do século XIX:

Não se entenda do ponderado que eu inculquei como bom o sistema fisiocrático em geral, que prefere a agricultura a todas as demais indústrias. Tal sistema, injudiciosamente aplicado, contém barbarismo. Não há civilização sem o simultâneo concurso da agricultura, artes, comércio. Essas três máximas e originais divisões de trabalho, são, por assim dizer, essenciais à existência da sociedade civil. Mas as convenientes ramificações e proporções de cada espécie das indústrias respectivas, naturalmente se regulam pelas circunstâncias dos países e seus graus de população, opulência, e relações políticas. (LISBOA, 1999, p. 114-115).

Pensando no estágio histórico do Brasil, Cairu apontou oito requisitos elementares para a implantação e o desenvolvimento de fábricas no país, e constatou que não existiam, aqui, no início do século XIX, esses requisitos primordiais para que fosse possível a introdução e o desenvolvimento de fábricas manufatureiras.
De acordo com Cairu, o primeiro requisito essencial para a implantação e o desenvolvimento de fábricas em um país consistia em “capitais disponíveis”. Isso significava que o país deveria possuir uma quantidade suficiente de capitais disponíveis para serem aplicados nos mais variados ramos da atividade produtiva, sem que fosse necessário retirá-los dos ramos de trabalho já existentes para favorecer as novas atividades econômicas. No caso do Brasil, não existiam esses capitais disponíveis, pois todo o capital que a colônia possuía já estava empregado na agricultura, que era, definitivamente, nosso ramo industrial mais seguro e natural. Desviar o capital da agricultura para investi-lo em fábricas manufatureiras, que não constituíam uma indústria propícia ao país naquele momento, resultaria evidentemente em prejuízo para a economia da nação.

Este princípio é mui importante, e digno de se atender com especialidade em a nossa atual situação; a fim de não nos precipitarmos, sem crédito, de tempo, lugares, e recursos, a distrair os capitais em que ainda temos bons e mais naturais empregos nos ramos de indústria estabelecidos com ilusória esperança de lucros superiores em novas indústrias. (LISBOA, 1999, p.61).


O segundo requisito primordial se encontrava na “vasta população”. Segundo Cairu, nos países onde existia uma grande população disponível para o trabalho, havia uma maior especialização da mão-de-obra e os salários eram mais baixos por causa de sua grande oferta no mercado. No caso do Brasil, não havia essa grande oferta de homens para o trabalho fabril e, dessa forma, os produtos brasileiros, se fabricados, ficariam muito mais caros e menos perfeitos por causa da mão-de-obra pouco especializada e do custo de produção muito elevado.

(...) onde há pouca população, e por conseqüência não existe muitos e eminentes industriosos e mestres, artistas e obreiros os mais rudes requerem um salário tão forte e exorbitante, que se impossibilita o bom êxito de tais projetos. (LISBOA, 1999, p. 63-64).

A “abundância de matéria-prima” foi considerada como o terceiro elemento importante para a implantação de fábricas em uma nação. Cairu explicava que não era absolutamente necessário que as matérias-primas fossem produzidas no próprio país para que se introduzissem e prosperassem as fábricas. As matérias-primas poderiam ser importadas de outras nações. No entanto, os países que tinham esses artigos no próprio seio estavam em real vantagem, pois não corriam o risco de eventualmente sofrerem carência de tal produto por conta de uma situação de restrição dos países exportadores desses gêneros.
O quarto requisito foi definido como “demanda efetiva”. Segundo o autor, a demanda efetiva regulava a existência e o preço de todas as produções. De acordo com Cairu, uma fábrica de artigos de luxo não poderia lograr êxito em um país tão pobre, onde as pessoas mal podiam se alimentar, porque a demanda efetiva do lugar faria com que muito em breve essa fábrica falisse, já que não haveria compradores suficientes para os artigos de luxo que seriam ali fabricados. Nesse sentido, a demanda efetiva agia como reguladora na distribuição da indústria nas diversas regiões, de acordo com as inclinações, os desejos e o poder de compra dos indivíduos.

A demanda efetiva de um país é que regula a existência e o preço de todas as produções, e com especialidade as da indústria manufatureira. A demanda efetiva supõe não um desejo vago, e ainda real carência, de qualquer indivíduo a respeito de uma coisa, mas a faculdade de pagar o seu preço natural; e se falta a faculdade, ninguém trabalhará, nem empregará fundos, para satisfazer, de mero obséquio, o gosto, e desejo, e ainda as precisões, dos que demandam qualquer produção da natureza e arte. (LISBOA, 1999, p. 65).

Porém, no quinto requisito, Cairu alertou que “não basta a demanda efetiva para bem se introduzirem e prosperarem as fábricas de um país, é demais necessário que as obras aí manufaturadas sejam superiores em bondade ou em menor preço às que se importam dos estrangeiros”. (1999, p. 66. Grifos nossos). O autor advertia, nesse requisito, que o consumidor vai sempre preferir a melhor e mais barata mercadoria, não importando se esta é nacional ou estrangeira. Algum indivíduo poderia até, por patriotismo, preferir as mercadorias nacionais, mas não seria sensato esperar esse tipo de comportamento do grosso da sociedade. Por isso, quando a diferença de custo e qualidade tornava lucrativo o contrabando, não poderia existir lei capaz de barrar essa prática, pois cada indivíduo buscaria sempre alcançar sua maior satisfação de consumo, não importando se, para isso, tivesse que consumir produtos nacionais ou estrangeiros, legais ou ilegais.
O sexto requisito exigia a “difusão da inteligência” no país. Para Cairu, era a difusão da inteligência em uma nação que multiplicava as facilidades para a introdução e o desenvolvimento de qualquer indústria na qual fosse preciso empregar máquinas, métodos e processos mais sofisticados para a produção. Segundo o autor, a difusão da inteligência se dava com maior força em países onde existia uma grande população, pois quanto mais homens em uma nação, maiores as chances de surgirem cientistas, inventores, etc. Portanto, seria insensatez se regiões novas e fragilmente povoadas, como o Brasil, estabelecessem fábricas refinadas, sem que tivessem os conhecimentos necessários para esse tipo de produção.

A difusão da inteligência em artes e ciências pelo corpo de uma nação é que multiplica as facilidades para a introdução e prosperidade de todos os estabelecimentos úteis em geral, e com especialidade das fábricas, em que é preciso empregar máquinas engenhosas, lavores esquisitos, tintas finas, ordem e método nos processos das mais complicadas operações. (LISBOA, 1999, p. 67).


O sétimo requisito insistia na importância da “franqueza do comércio e da indústria” para que todos os produtos de consumo do homem fossem os mais abundantes e baratos.

A franqueza do comércio faz que todos os artigos de subsistência, matérias das artes, e instrumentos do trabalho, sejam os mais abundantes e baratos no mercado nacional; o que é uma vantagem imensa para se empreenderem todos os estabelecimentos, a que o país tem naturais oportunidades, e proporções. (LISBOA, 1999, p. 67).


O oitavo e último requisito, os “privilégios dados aos inventores de artes e ciências”, completava os meios para impulsionar o avanço das fábricas em um país. No entanto, o autor elucidou que esse requisito aplicado sem os outros anteriores de nada valeria, podendo, inclusive, chegar a ser prejudicial à nação. Assim, o oitavo requisito, que consistia em dar privilégios, prêmios e favores aos inventores das artes e ciências, exercia uma função estimuladora para o avanço e a modernização da indústria por meio do reconhecimento e mérito do artista, uma vez que gerava uma recompensa para o inventor, que naturalmente havia investido tempo e capital para que se tornasse possível a invenção de certa arte ou ciência. Essa atitude era essencial para que uma nação gerasse, cada vez mais, homens de grandes idéias e sábias invenções. Cairu lembrava, porém, que esses prêmios deveriam ser dados apenas aos inventores de novas artes e máquinas importantes para o progresso da nação, e não a qualquer indivíduo que plagiasse uma idéia ou, então, criasse um determinado instrumento ou técnica medíocre.
Diante do que acabamos de expor, fica claro que, para Cairu, no início do século XIX, o Brasil não estava preparado ainda para o empreendimento manufatureiro, pelo motivo de inexistirem as condições essenciais para tanto. No entanto, como já afirmamos acima, Cairu não estava propondo que o Brasil fosse uma nação exclusiva e eternamente agrária. Essa falsa idéia, muitas vezes, aparece em grandes nomes da nossa tradicional historiografia, que o acusam de ter sido um grande protetor dos interesses da oligarquia latifundiária, assim como um homem passadista, atrelado à tradição rural e colonial do Brasil.
De acordo com a interpretação de Emília Viotti da Costa, Cairu, em “Observações sobre o comércio franco no Brasil”, teria produzido um discurso que pregava “a vocação agrária de nossa economia”, de modo que, a “vitória desta concepção na orientação da economia brasileira seria o resultado necessário da preponderância, depois da Independência, nos quadros do governo, das classes agrárias, associadas ao imperialismo inglês.” (1969, p.80).
Para Sergio Buarque de Holanda, Cairu não teria contribuído em nada para a “reforma das nossas idéias econômicas”, visto que, “em 1819, já era um homem do passado, comprometido na tarefa de, a qualquer custo, frustrar a liquidação das concepções e formas de vida relacionadas de algum modo ao nosso passado rural e colonial” (1976, p.52-53).
A impressão que essa historiografia nos passa é a de que Cairu se caracterizou como um homem que representava interesses desejosos de manter a nação brasileira na eterna condição de país agrário, limitado economicamente e reduzido à condição de colônia exportadora de produtos agrícolas. Tal historiografia pode ainda nos transmitir a sensação de que Cairu foi um homem mais preocupado em garantir os interesses estrangeiros do que os nacionais.
Na realidade, quando fazemos uma análise cuidadosa de suas idéias industrialistas, percebemos que Cairu foi um personagem bastante coerente com relação às circunstâncias sociais, econômicas e políticas de seu tempo, e que sua grande preocupação foi, sem dúvida, a luta pela maior opulência e riqueza nacional.
Cairu não buscava tão somente a satisfação dos interesses das classes proprietárias no Brasil. Ao contrário, tinha consciência suficiente para saber que, naquele momento, a política de estímulo à agricultura e ao livre comércio figurava como a opção mais lógica para o aumento da riqueza nacional e, consequentemente, implicava uma melhora de vida para a população em geral, principalmente porque o período em que viveu caracterizava-se como um momento de grande diversificação econômica mundial. Desse modo, tinha clareza de que forçar o desenvolvimento da indústria no Brasil representaria um desvio dos recursos já arraigados no setor econômico competitivo da colônia, isto é, a agricultura, e pior ainda, geraria uma barreira contra o livre comércio mundial. E ele sabia que, se isso ocorresse, provocar-se-ia um retrocesso em nossa economia.
Cairu sabia que, naquele momento, o Brasil lucrava mais, concentrando-se no setor produtivo no qual tinha naturais vantagens do que forçando a introdução de certo ramo econômico que não lhe era propício no início do século XIX. Ele entendia que, com a agricultura e o comércio bem desenvolvidos, o Brasil teria, no seu devido tempo, muitas fábricas, sem desviar capitais das direções mais úteis à sua economia.
Por isso, vemos com reservas a afirmação de Sérgio Buarque de Holanda de que Cairu foi um homem passadista, ou, como Emilia Viotti apontou, um intelectual que pregava a vocação agrária do Brasil. Ao contrário do que afirmaram os autores acima, cremos que Cairu foi um personagem absolutamente coerente com as circunstâncias reais de seu tempo e que desejou, acima de tudo, o desenvolvimento econômico de seu país.
Em virtude disso, somos da opinião de que Cairu foi realista diante das circunstâncias políticas, sociais e econômicas de sua época, quando defendeu a idéia de que só teríamos prejuízos e desilusões se forçássemos a industrialização do Brasil. E acreditamos que sua opinião em relação à inadequação da industrialização nacional, no início do século XIX, foi a leitura mais sintonizada com as condições históricas daquele momento.
Cairu lutou por aquilo que era de sua convicção, ou seja, a idéia de que as condições naturais do Brasil, por si sós, criariam as circunstâncias ideais à gradativa industrialização. Conforme pensava, a precipitação desse processo resultaria em danos para a nação de maneira geral: o Estado perderia a arrecadação de receitas, na medida em que veria diminuir suas importações e exportações; ocorreria um desvio dos capitais já bem empregados na agricultura, que era nossa principal fonte de renda; e os consumidores, os principais lesados pela decisão de forçar o nascimento das fábricas, teriam seu poder de consumo limitado, uma vez que seriam obrigados a pagar mais caro por um produto da indústria nacional de pior qualidade.
Para Cairu, a árvore da indústria estava crescendo no Brasil e ela daria em seu tempo os devidos frutos. Bastaria que, para isso, o governo não adotasse as medidas restritivas e limitadoras do bom e harmonioso comércio universal. Bastaria que o governo não lançasse mão do machado que cortaria essa árvore. Deixando-a desenvolver-se em seu tempo e criando, gradativa e naturalmente, as condições essenciais para tal empreendimento, teríamos, na ocasião correta, nossa indústria superior.


1.4. A visão de Cairu acerca da Abertura dos Portos

Trataremos agora de uma medida bastante relevante que também foi defendida por Cairu: referimo-nos à discussão a respeito da abertura dos portos. Como já afirmamos anteriormente, Cairu foi um personagem muito ativo na história política de seu tempo e, obviamente, tinha uma preocupação muito grande com a prosperidade e o desenvolvimento do Brasil. Sua lealdade em relação aos princípios econômicos liberais – pois acreditava que o liberalismo era o único caminho para a conquista da prosperidade nacional – ilustra o quanto lutou para que o Brasil alcançasse um maior nível de desenvolvimento econômico.
Comumente lemos, em obras de grandes nomes da nossa historiografia, que a abertura dos portos significou um ato de submissão do comércio brasileiro aos desmandos colonialistas britânicos, ou, então, que o fato significou ao Brasil apenas uma simples transferência da dependência comercial da metrópole portuguesa para a inglesa. A impressão que essa historiografia nos transmite, de forma geral, é que a abertura dos portos foi um ato extremado de interesses unilaterais que beneficiou, essencialmente, a economia britânica, sem expressivos benefícios para a colônia brasileira.
Para Caio Prado Junior, a transição do século XVIII para o XIX representou para Portugal um momento de limite extremo de sua capacidade colonizadora e de seu poder político. Esse foi o período da então conjuntura de crise do Antigo Sistema Colonial, que se fundamentava no chamado pacto colonial e que garantia o comércio exclusivo das metrópoles com suas respectivas colônias:

A sua obra [de Portugal], neste terreno, achava-se terminada; e o Reino se tornara em simples parasito de sua colônia. Protegido pelo monopólio comercial, impunha-se como intermediário forçado das suas transações, tanto na exportação como na importação. Simples intermediário, de fato, porque o Reino não era nem consumidor apreciável dos produtos coloniais que se destinavam sobretudo a outros mercados, nem fornecedor dos artigos consumidos no Brasil. Simples intermediário imposto e parasitário. (PRADO, 1998, p.125).

Nessa direção, a abertura dos portos teria ocorrido no Brasil em um momento de decadência política e econômica da metrópole portuguesa, que não possuía mais os meios para manter o monopólio comercial sobre sua colônia. Isso porque, diante das circunstâncias criadas pelas guerras napoleônicas e da iminência da invasão de Portugal pela França, a Inglaterra teria se valido da situação para fornecer ajuda à então decadente coroa lusitana e, depois, exigido que esta abrisse os portos de sua importante colônia (Brasil), como reconhecimento pela proteção prestada. Assim, quando D. João VI decide aceitar o apoio britânico e embarca para o Brasil “conserva com isto sua coroa e títulos, mas terá cedido ao aliado inglês a sua independência e liberdade de ação. A monarquia portuguesa não será daí por diante mais que um joguete nas mãos da Inglaterra.” (1998, p.128). Nesse sentido, a abertura dos portos teria representado a total subserviência de Portugal em relação à Inglaterra.
Mas o que se torna mais relevante na análise de Caio Prado Jr. a respeito do decreto liberal de 1808 é a argumentação que o autor desenvolve, relacionando a incapacidade de industrialização nacional, no início do século XIX, com a abertura dos portos. De acordo com o autor, a abertura dos portos, seguida do Tratado de 1810 com a Inglaterra – que fixava uma tarifa comercial de 14% ad valorem sobre os produtos ingleses – tornou impossível o desenvolvimento da indústria brasileira, devido à forte concorrência das mercadorias inglesas, aliada à falta de recursos e à defeituosa organização da produção nacional. Nesse sentido, Caio Prado alega que o decreto liberal de 1808 serviu como prolongamento do sistema colonial, pois

O Brasil, já com tantas dificuldades para sair deste sistema que lhe tinham legado três séculos de formação colonial, e em função de que se organizara a sua vida, assistia agora a seu reforçamento: em lugar das restrições do regime de colônia, operava agora a liberdade comercial no sentido de resguardar e assegurar uma organização econômica disposta unicamente para produzir alguns poucos gêneros destinados à exportação. (PRADO, 1998, p.134-135).

A liberdade comercial decretada em 1808 teria sido, desse modo, a principal causadora do retardamento da indústria brasileira. Nesse sentido, se até a adoção de tal medida, o comércio exclusivo com Portugal representava uma forma de proteção para a pequena indústria local, após a implantação do livre comércio, essa pequena indústria não pôde resistir à forte concorrência representada pelas mercadorias inglesas, muito superiores em qualidade e de valor muito mais competitivo.
Essa nova situação, trazida com a abertura dos portos, na opinião de Caio Prado Júnior, teria sido responsável pela não industrialização do Brasil no início do século XIX, pois, pela qualidade, pelos preços e pela própria moda, “tudo passará a vir do estrangeiro (...). E esta situação tenderá sempre a se agravar com o correr dos anos, graças ao aperfeiçoamento contínuo da indústria européia e conseqüente barateamento e melhoria dos seus produtos” (1998, p.135).
Percebemos que Caio Prado Júnior julga, negativamente, justamente aquilo que, a nosso ver, foi o maior benefício proporcionado pela abertura dos portos, isto é, a possibilidade de os brasileiros comprarem, em geral, produtos de superior qualidade por preços muito mais acessíveis. Caio Prado Jr. considera como um trágico destino o fato de a colônia brasileira poder consumir produtos de melhor qualidade e com preços menores, a partir do fim do monopólio com Portugal.
Na perspectiva de Nelson Werneck Sodré, não teria existido nenhuma espécie de intenção de beneficiamento da colônia brasileira com o ato da abertura dos portos em 1808. Para esse historiador, o decreto foi resultado de uma conjuntura na qual o Brasil era peça fundamental para que houvesse a continuação das relações comerciais de Portugal com o exterior. Assim, essa medida, tomada exclusivamente por D. João VI, tinha como objetivo permitir que Portugal continuasse importando as mercadorias indispensáveis ao seu consumo e exportasse a produção local excedente, proporcionando ao erário os tributos sem os quais não poderia se manter. (SODRÉ, 1969).
Vemos que Sodré considera que D. João VI foi exclusivamente quem decidiu sobre a abertura dos portos. Assim, a possível versão de que Cairu teria sido um articulador de tal medida liberal, visando à prosperidade econômica e política do Brasil, é absolutamente inadmissível para esse autor.

A decisão foi tomada pelo príncipe de Salvador, sem a assistência de seus principais conselheiros e ministros e, principalmente, sem a pressão constante de Strangford [representante da Inglaterra no Brasil]. Essa coincidência, grave em governante tão indeciso e cauto, motivou versões que atravessam os tempos, inclusive a anedota que atribui todo o mérito a José da Silva Lisboa, ali residente e a cujos conselhos se deveria aquela decisão. Nada mais falso. (SODRÉ, 1969, p.136).

Na perspectiva de Sodré, o ato liberal de 1808 teria beneficiado o Brasil apenas de maneira involuntária, sem que houvesse tal intenção por parte da coroa portuguesa. Mas, com relação à Inglaterra, não houve dúvidas de que a abertura dos portos a beneficiou acima de tudo, pois, naquele momento, o decreto assinado por D. João VI representava uma excelente saída para a situação do isolamento inglês, causado pelo Bloqueio Continental. Portanto, a influência e o poder comercial da metrópole inglesa teriam sido os fatores fundamentais para explicar o sentido do decreto de 1808. Isso significa que o ato da abertura dos portos deve “ser compreendido no contexto dos acontecimentos que constituem, na sua teia, o processo de expansão mercantil britânica e, em particular, o da conquista do mercado brasileiro.” (1969, p.136).
Ao contrário do que foi defendido por Sodré, para Celso Furtado, D. João VI não estava exatamente consciente das necessidades circunstanciais que se impunham naquele momento; por isso, Cairu, como conselheiro do rei, foi um elemento fundamental para que a abertura dos portos acontecesse no Brasil:

Segundo consta, o Príncipe Regente relutou muito em aceitar os argumentos de José da Silva Lisboa, depois Visconde de Cairu, em favor da abertura dos portos, o que indica quão pouca percepção tinham os governantes lusitanos do que estava ocorrendo na realidade. (FURTADO, 2000, p.178).

Além disso, de acordo com esse historiador, a medida liberal de 1808, “que na prática beneficiaria quase que exclusivamente aos ingleses, foi decretada sem consulta a estes últimos” (2000, p.178, grifos nossos). Ou seja, por mais que na opinião de Celso Furtado a abertura dos portos tenha favorecido enormemente a Inglaterra, ele não acredita que essa medida tenha sido orquestrada pelos ingleses, chegando mesmo a afirmar que estes últimos “acreditavam menos em Adam Smith do que José da Silva Lisboa” (2000, p.178) e, por esse motivo, não ficaram exatamente satisfeitos com o decreto liberal assinado em 1808.
Portanto, vemos que Furtado, diferentemente de Sodré, credita o mérito da abertura dos portos a Cairu. E, ainda, para Furtado, D. João VI não tinha consciência do que se passava no cenário internacional, por isso, teria relutado em aceitar os conselhos do economista brasileiro. Tal idéia é completamente inadmissível para Sodré, que advoga ser D. João VI o único responsável pelo ato liberal de 1808, considerando uma verdadeira anedota o fato de atribuírem a Cairu o título de articulador de tal medida.
Na versão dos fatos apontada por Pinto de Aguiar – para quem não há dúvidas de que Cairu foi o grande articulador da abertura dos portos –, a tese de que a Inglaterra tenha sido uma grande beneficiária do decreto liberal assinado por D. João VI, em 1808, permanece em pé. Segundo esse historiador,

A situação daqueles dias na Inglaterra era bastante séria. Para ela, o Brasil era mais importante que Portugal. Se a metrópole era azeite e vinhos, a colônia era algodão, couros, peles, fumo, madeira e, apesar da decadência da mineração, ouro e diamantes. Mas era sobretudo um mercado importador de mais de três milhões de habitantes, insuficientemente abastecidos dos produtos de tipos evoluídos de indústria, pela canhestra política mercantilista da época. (AGUIAR, 1960, p.37).

E diante da situação de isolamento que a Inglaterra enfrentava, devido ao Bloqueio Continental imposto pela França, o autor considera ser

(...) fora de dúvidas e de contestação, o enorme interesse britânico pelo comércio colonial português (...) Aceitamos, assim, a afirmativa de que força causal valiosa seria a influência inglesa na formulação de uma nova política comercial lusitana no curso de 1808. Não, porém, nas linhas da Carta-Régia de 28 de janeiro (AGUIAR, 1960, p. 39-40).

É nessa última afirmação que reside a peculiaridade da argumentação de Aguiar. Isso porque o autor não nega que a Inglaterra tenha, de certo modo, conduzido as transformações políticas que ocorreram no Brasil naquele período, devido ao seu poder de influência sobre a política lusitana. Mas o historiador não acredita que a abertura dos portos brasileiros às nações amigas tenha sido um ato que atendeu, particularmente, aos interesses ingleses ou, então, que esse acordo tenha sido decretado, unicamente, por uma imposição da Inglaterra. Vejamos, mais detalhadamente, como Aguiar entende essa questão:

(...) não condiziam os intuitos da Carta Régia de 1808 com a orientação da política externa inglesa. A ascendência procurada e obtida pela Inglaterra sobre Portugal, a tutela a que o sujeitou por força das circunstâncias, davam-lhe razões para ambicionar o domínio colonial lusitano, e enquanto não conseguisse esse desideratum que não se pode esquecer, a exigir privilégios para seus navios e seu comércio. A Inglaterra sabia da fermentação da idéia da independência do Brasil, e aconselhar e impor a abertura dos portos, era impolítico, pois favorecia e apressava aquela independência; era contrariar seus próprios desígnios. Com a autoridade que tinha sobre Portugal, a Inglaterra não teria forçado a abertura dos portos ao comércio de todas as nações em paz e harmonia com Portugal, mas sim a manutenção do tratado de Methuen que lhe proporcionava um tratamento privilegiado, ou a criação de portos francos e a decretação de tarifas preferenciais que conseguiu com o tratado de 1810.
Mais útil seria ter a aliança de Portugal com suas colônias, que sem elas. E a medida que se diz ter exigido, traria como conseqüência incoercível a independência da mais rica das colônias. Seria fazer má ausência da inteligente política inglesa, atribuir-lhe aquela iniciativa. Ademais, se à Inglaterra convinha o comércio franco com o Brasil, de modo algum poderia desejar que ele fosse extensivo a outras nações, nomeadamente aos estados Unidos da América do Norte, contra os quais até bem pouco estava em beligerância e nutria o despeito de tê-los perdido para sempre. Estatísticas divulgadas pelo ilustre historiador patrício Afonso E. Taunay mostram que o comércio brasileiro, logo libertado, dirigiu-se intensamente para aquela nação recém-nascida. (AGUIAR, 1960, p. 41-43).

Segundo o autor, se a nação inglesa, por sua conduta “exclusivista e dominadora”, fosse mesmo a responsável pela carta régia de 1808, teria pleiteado um tratamento preferencial que lhe garantisse um papel exclusivo no comércio com o Brasil, como realmente obteve, posteriormente, com o tratado de comércio, em 1810. Nessa ordem de idéias, Aguiar se diz crente “no interesse inglês na modificação do sistema econômico vigente”, mas assevera que “a ser decisivo tal interesse, naqueles dias de janeiro de 1808, na Bahia, os termos da Carta Régia seriam bem outros.” (1960, p.48).
Nesse sentido, Aguiar considera a abertura dos portos um ato político e comercial de enaltecimento da soberania nacional de Portugal e do Brasil e, inclusive, visualiza tal medida como um motivo de orgulho para brasileiros e portugueses. Em contrapartida, o tratado de comércio firmado entre Portugal e Inglaterra, em 1810, é visto como um momento de subjugação da coroa luso-brasileira aos desmandos imperialistas ingleses.
Mas, se não foram imposições inglesas que levaram à abertura dos portos, quais teriam sido as verdadeiras aspirações que concretizaram, efetivamente, a medida liberal de 1808? Pinto de Aguiar explica que os últimos anos que antecederam a abertura dos portos no Brasil foram marcados por um número cada vez menor de importações e exportações . Isso se caracterizava como uma questão bastante delicada para o governo, pois “se mediatamente era econômica, e afetava o povo, imediatamente era fiscal, e afetava a Corte.” (1960, p.49). Diante de tal situação, “os interesses portugueses do momento, e mais que isto os próprios interesses da Corte, estavam, assim, vinculados a uma política marítima mercantil menos antiliberal.” (1960, p.51).
Todavia, Aguiar explica que o decreto liberal de 1808, “se obedeceu à ação catalítica da conjuntura do momento [leia-se as necessidades econômicas de Portugal], tinha, entretanto, na colônia, raízes pragmáticas e doutrinárias mais remotas e profundas” (1960, p. 52). Isto é, a elite intelectual brasileira da época já estava consolidando bases teóricas sólidas, “sob a ação dos escritores políticos do liberalismo”, para a concretização das transformações práticas no Brasil. Diversas vozes já se levantavam contra as “restrições ao comércio, não apenas com outras nações, mas também ao comércio intranacional” (1960, p. 54-55). E, de acordo com o autor,

(...) ninguém melhor que Cairu, cuja obra tem nos desvendado surpreendentes aspectos, pode servir para configurar este tipo de ação, ele que, em nossa opinião, surtiu a sua sistemática e as suas premissas teóricas, antes de observações do seu ambiente, da aplicação, a elas, dos processos do método indutivo, do que da mera importação erudita, e desvinculada da sua realidade, de princípios doutrinários alienígenas. (AGUIAR, 1960, p.65).

Segundo Aguiar, “Silva Lisboa era como o corifeu daquela plêiade de homens de ação e de estudo que, desde as últimas décadas dos setecentos, vinham agitando, na Bahia, problemas de renovação econômica, social, cultural e política.” (1960, p.71). Assim, Cairu foi “o cérebro e a voz que haviam de dar forma teórica aos anseios nacionais.” Para Aguiar, este foi o grande mérito do economista, pois “liberal por convicção, seria o seu porta-voz natural, num momento em que o liberalismo servia à emancipação e ao desenvolvimento.” (1960, p.72). Isso equivale a dizer que, diante da realidade que a colônia vivia, isto é, da conjuntura de forte recessão da economia nacional, devido às baixas nos números de importações e exportações, a visão de Cairu revestia-se de importância. Enfim, “todas as circunstâncias, pois, tornavam oportuna e eficaz a intervenção da palavra de Cairu, teoricamente abalizada, e apoiada no imperativo das necessidades públicas do momento.” (1960, p.74).
Segundo o historiador, o próprio testemunho de Cairu – que, em Observações sobre o comércio franco no Brasil, publicado em 1808, se declara como um dos participantes da “Resolução Soberana” – torna irrefutável a idéia de que ele teria sido o teórico da abertura dos portos. De acordo com Aguiar,

(...) a inteireza moral, que foi traço marcante do caráter de Silva Lisboa, não nos permite duvidar das suas palavras. Porém, mais que isto, merecem elas crédito por terem sido escritas no mesmo ano da Carta Régia com o mais cabal conhecimento e aprovação do Regente, publicadas e divulgadas fartamente em defesa da própria política do príncipe, e num momento em que a Carta Régia estava sendo atacada pelo grosso dos negociantes lusitanos. (AGUIAR, 1960, p.75-76).

Por fim, a tese que Pinto de Aguiar defende pode ser sintetizada em sua seguinte afirmação:

Cabe a Cairu, sem dúvida possível a suprema glória de ter “capacitado”, isto é, esclarecido o príncipe, mostrando-lhe que os verdadeiros interesses da Realeza se confundiam com os interesses brasileiros, e que consonantes com as doutrinas avançadas da época, atendidos por uma série de atos coordenados e coerentes, tentariam criar na América um país florescente e progressista. E todas as suas atividades posteriores, desde a atuação na Constituinte, até a admirável amplitude de sua obra de educador e moralista, corroboram tal conclusão e tal afirmativa. (AGUIAR, 1960, p.78)

Portanto, a interpretação de Pinto de Aguiar diverge do julgamento de Nelson Werneck Sodré, que classifica como uma “anedota” a interpretação histórica que credita a Cairu um importante papel no episódio da abertura dos portos em 1808. O estudo realizado por Aguiar busca evidenciar que a assinatura da Carta Régia, em 1808, foi um fato idealizado por Cairu para estimular a economia brasileira. Por isso, Aguiar não acredita que o interesse inglês esteve na frente dos interesses nacionais em tal episódio histórico. Para esse historiador, Cairu foi um personagem que sempre objetivou o maior desenvolvimento e riqueza do Brasil e, naquele momento, entendeu que a liberalização dos portos significava um grande avanço para a autonomia e o desenvolvimento nacional.
Das interpretações de Caio Prado Júnior, Nelson W. Sodré e Celso Furtado sobre a abertura dos portos, é possível concluir que elas apresentam algumas divergências entre si, mas, de maneira geral, convergem para a mesma perspectiva, que defende a parcialidade dos interesses em questão (leia-se interesses de Portugal, Brasil e Inglaterra). Ou seja, podemos dizer que todas essas interpretações mostram que a abertura dos portos no Brasil foi um ato que visou a atender aos interesses externos acima dos internos. Para esses autores, a medida liberal de 1808 não teve como objetivo atender às necessidades econômicas e políticas brasileiras, mas foi implantada para atender aos interesses de fora (seja os de Portugal ou da Inglaterra), interesses que se revelavam indiferentes à realidade que a colônia vivia naquele momento.
Porém, diferentemente do que sugerem tais interpretações, para Cairu, a abertura dos portos resultava “na conciliação dos interesses do Brasil com os de Portugal e da Europa” (1999, p.55). Nessa medida, para nosso economista, havia, necessariamente, uma convergência de interesses. Porém, Cairu acreditava que o Brasil era, de longe, o maior beneficiário da liberalização dos portos, pois se, para a Inglaterra, seria um meio de se livrar do Bloqueio Continental infligido pela França, para o Brasil, significava a libertação de um grilhão imposto ao seu desenvolvimento há quase três séculos: o sistema de monopólio.

Tirando os obstáculos à direta comunicação com os povos industriosos, opulentos, e instruídos; aberta todas as fontes do comércio exterior e interior; e desobstruídos todos os canais de circulação (permanecendo unicamente as restrições indispensáveis à segurança, renda, saúde, moralidade, e fé pública); podendo em conseqüência entrar para o Brasil todos os capitais estrangeiros, debaixo de quaisquer formas, com as artes e ciências que lhes são companheiras; sendo livre a cada um trabalhar e empregar seus fundos no que melhor souber e puder, dispondo de sua propriedade como bem entender, contanto que não viole as leis, e pague os impostos legítimos; nenhuma produção da natureza se deixará inquirir e aproveitar; nenhum fruto de trabalho produtivo será perdido, ou desfalcado de seu valor; e todos os espíritos se excitarão pelo próprio interesse em elevar a prosperidade nacional ao maior grau de que é suscetível. (LISBOA, 2001, p. 207).

Portanto, entendemos que se a abertura dos portos favoreceu a expansão comercial inglesa, como alegaram os autores analisados, também foi uma medida política e econômica de extrema importância e significação para a economia brasileira, como Cairu assinalou:

A natureza nos ensina e impele a ser enérgica nação comerciante. Para isso a amizade e aliança do governo britânico constitui-se de um imenso valor político na atual conjuntura, em que não só era forçoso escolher entre as duas preponderantes nações da Europa [França e Inglaterra], mas também porque estávamos na mais urgente precisão de desobstruir o nosso comércio (...); o que seria impossível sem mais íntima união com o dito governo, a abertura dos portos do Brasil (LISBOA, 2001, p. 96).


Nós acreditamos que antes de olharmos para os benefícios que tal medida trouxe para a Inglaterra e, por isso, julgá-la negativamente, devemos olhar, primeiramente, para os benefícios que ela nos proporcionou. O fato de o Brasil poder realizar comércio diretamente com todas as nações amigas significava tanto a expansão de mercados para os produtos nacionais, como a possibilidade de aquisição de bens manufaturados das indústrias mais desenvolvidas e que eram de extrema utilidade para os brasileiros. Para nós, o decreto de 1808 significou, acima de tudo, uma nova etapa para o desenvolvimento econômico do Brasil; significou um golpe contra os privilégios obtidos pelos comerciantes metropolitanos que tanto impediram o desenvolvimento econômico do país.
Por isso, a nossa opinião é a de que, embora a Inglaterra tenha se beneficiado com as circunstâncias criadas pela abertura dos portos, o Brasil foi, de longe, o grande favorecido com a medida. Afinal, com o decreto de 28 de janeiro de 1808, foi realizada a libertação do pior grilhão ou peso morto que impede o progresso e desenvolvimento econômico de qualquer sociedade: o comércio exclusivo. A abertura dos portos resultou em um “divisor de águas” para o Brasil, porque possibilitou a comunicação efetiva com países opulentos e instruídos, tirando-nos da letargia econômica a que estávamos relegados. Com esse ato, a colônia brasileira pôde se livrar do grande peso que representava o comércio exclusivo com Portugal e se lançar às possibilidades de livre intercâmbio com as nações mais desenvolvidas e civilizadas do mundo.



















CAPÍTULO II
A VISÃO DE JOÃO SEVERIANO MACIEL DA COSTA ACERCA DA INDUSTRIALIZAÇÃO NACIONAL

2.1.Vida e obra de João Severiano Maciel da Costa

João Severiano Maciel da Costa nasceu em Mariana, Minas Gerais, em 1769, e morreu no Rio de Janeiro em 1833. Formou-se no ano de 1792 em Direito pela Universidade de Coimbra, em Portugal, retornando ao Brasil em 1804. Foi governador da Guiana Francesa de 1810 a 1817, e deputado da Assembléia Constituinte de 1823, pela província de Minas Gerais. Dissolvida a Assembléia, foi nomeado ministro do Império, ocupando o cargo de novembro de 1823 a outubro de 1824. Nesse período, integrou o conselho de dez membros nomeados pelo imperador para redigir o novo projeto de Constituição. Também foi ministro da Fazenda, conselheiro de Estado, presidente da província da Bahia e senador do Império do Brasil de 1826 a 1833.
Sua boa formação intelectual e destacada atuação na vida pública lhe permitiu escrever muitos textos a respeito das questões mais importantes de seu tempo. Fez muitos discursos no parlamento brasileiro e participou ativamente da vida política brasileira. Na condição de fiel seguidor de D. Pedro I, não participou do golpe de estado que forçou o imperador a abdicar do Trono em 1831 e morreu pobre no ostracismo.
Sua obra é composta pelos seguintes escritos:
- Análise e Refutação do Libelo Acusatório, que publicou o almirante Barão do Rio da Prata, contra alguns Ministros de Estado em particular, em geral contra os ministros de 1826, 1827 e 1828, disfarçada com o título de Defesa perante o Conselho de Guerra.
- Apologia que dirige à nação portuguesa para se justificar de imputações que lhe fazem homens obscuros, os quais deram causa ao Decreto de 3 de junho e a Previdência comunicada no Aviso de 11 de julho do corrente ano de 1821.
- Memória sobre a necessidade de abolir a introdução dos escravos africanos no Brasil, sobre o modo e condições com que esta abolição se deve fazer e sobre os meios de remediar a falta de braços que ela pode ocasionar.
- O Barão do Rio da Prata Nu e Cru, tal qual é e sempre foi, ou nova análise do último discurso, com que pretendeu justificar-se dos crimes de que está convencido, pelo mesmo autor da Análise e Refutação, etc.
- Ode à Morte do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor D. Francisco de Lemos de Faria Pereira Coutinho, Bispo de Coimbra, Conde de Arganil, Reformador e Reitor da Universidade, à qual e a todo Bispado dedica um brasileiro saudoso e agradecido.
- Reflexões sobre a União das Três Guianas, Francesa, Portuguesa e Holandesa para formarem um Reino anexo ao Governo do Príncipe D. João.
Dentre seus escritos, o de maior destaque e relevância para o tema que definimos como foco de nossa pesquisa é Memória sobre a necessidade de abolir a introdução dos escravos africanos no Brasil, sobre o modo e condições com que esta abolição se deve fazer e sobre os meios de remediar a falta de braços que ela pode ocasionar, publicado em 1821, em Portugal. Para os objetivos de nosso estudo, a análise será centrada nessa obra.


2.2. A visão de Maciel da Costa acerca da escravidão no Brasil

A partir da análise do sistema escravocrata, João Severiano Maciel da Costa formulou um diagnóstico importante sobre a situação econômica e social brasileira, no início do século XIX. De acordo com sua análise, a introdução indefinida de escravos em território brasileiro contribuía para a instabilidade social, política e econômica da colônia porque trazia consigo duas graves conseqüências: a possibilidade de um aumento indefinido da produção de monocultura e, consequentemente, o surgimento de uma crise de superprodução que resultaria em uma redução dos preços dos produtos coloniais e, por conseguinte, a ruína dos proprietários rurais envolvidos na produção voltada para exportação.

(...) aumentando-se indefinidamente o número de braços pelo meio forçado, iníquo e impolítico da introdução dos escravos africanos, a cultura dos gêneros chamados coloniais que alimentam o comércio exterior pode ser levada a uma extensão também indefinida. Mas será, porventura, essa a prosperidade agrícola que nos convém? Serão os estrangeiros os únicos consumidores que devemos dar-lhes? Uma guerra ou qualquer mudança na economia das nações consumidoras dos nossos produtos não poderão arruinar subitamente a nossa cultura? Uma indefinida população africana ocupada em cultivar açúcar, algodão, café, cacau, etc., em um país imenso e fertilíssimo, não produzirá, enfim, uma tal quantidade desses gêneros que, inundados os mercados da Europa, haja uma considerável depreciação? Não seremos então forçados a procurar uma nova direção aos capitais e trabalhos nacionais, e por meio de sacrifícios e desordens que acarreta infalivelmente um tal estado de coisas. (COSTA, 1988, p.27).

Nota-se que o autor se encontrava bastante preocupado com as contradições que o desenvolvimento indefinido da agricultura poderia gerar na sociedade. Em sua concepção, o sistema de trabalho escravocrata oferecia o risco de uma produção excessiva, que poderia ultrapassar os limites de absorção dos mercados consumidores de nossos produtos tropicais. Se isso ocorresse, haveria um colapso no principal segmento da nossa economia, o que certamente não seria uma situação desejável.
Mas, além do problema de uma possível crise de superprodução e ruína da classe dos proprietários, a entrada indefinida de escravos no Brasil poderia provocar uma segunda ação negativa: uma convulsão social. Para o autor, a escravidão, como forma de obter mão-de-obra para a agricultura, enchia perigosamente o país de uma classe desprovida de valores sociais e movida apenas pelo açoite dos feitores. Em sua concepção, a verdadeira população de uma nação não poderia ser constituída por negros escravizados, e sim por cidadãos interessados na “conservação do estado” e “na prosperidade nacional” (1988, p.20). Dizia que, nos grandes países, era na classe do povo que se concentrava a maioria dos indivíduos e eram exatamente estes os defensores da pátria. Mas, no Brasil, por causa da escravidão, não existia a classe que se poderia chamar de povo. A massa de nossa população era composta por escravos e libertos, e para Maciel da Costa, não era sensato esperar que uma “manada de escravos”, pessoas sem “representação civil”, “bárbaras por natureza”, “sem propriedade” e sem “interesses em relações sociais” (1988, p.20) se sentissem impulsionadas a desenvolver emoções patrióticas e se empenhassem na prosperidade da nação.

Há, em um império, (...) uma cadeia bem tecida de cidadãos de diferentes classes e condições, os quais, trabalhando, para assim dizer, cada um na sua esfera, concorrem insensivelmente e quase sem o saberem para o bem geral. (COSTA,1988, p.20).

Portanto, faltava no Brasil essa cadeia bem tecida de cidadãos de diferentes classes que, em sua visão, era de legítima importância para o bom funcionamento e bem geral de uma nação. Maciel da Costa via o escravo como um indivíduo deslocado dessa cadeia social que buscava o bem coletivo: “(...) só os escravos são desligados de todo vínculo social e, por conseqüência, perigosos.” (1988, p.21). Nesse sentido, entendia que a continuação ilimitada do tráfico de escravos no Brasil representava uma ameaça à estabilidade social e, até mesmo, à segurança nacional. Pois, o grande número de escravos no Brasil oferecia, iminentemente, a possibilidade de revoluções sociais , visto que, naquele momento histórico, o mundo já havia presenciado exemplos de insurreições súbitas de escravos, como no caso da ilha de São Domingos. Assim, o autor acreditava que deixar o tráfico de africanos incidir sem limitações seria o mesmo que admitir a exposição do país a uma organização social mortiça, ou, então, conforme suas palavras: “Um grande império, com este lado tão fraco, será na verdade a estátua de Nabucodonosor de pés de argila” (1988, p. 22).
Diante dessa ameaça iminente, tanto econômica como social que a escravidão representava para a sociedade brasileira naquele momento, o projeto de industrialização nacional surgia como um antídoto para essa situação. Maciel da Costa acreditava que o processo de industrialização seria oportuno para livrar o Brasil do escravismo e da monocultura, porque via tal projeto como um elemento modernizador da sociedade, capaz de originar as condições essenciais para a gradativa substituição da mão-de-obra escrava pelo trabalho livre e, consequentemente, da monocultura por uma produção diversificada.
O autor também tratou de outra questão controversa e polêmica de seu tempo: a inadequação do trabalho escravo para o desenvolvimento da indústria . Para ele, a conservação do tráfico de negros no Brasil, sem controle quanto ao número e limite de tempo, resultaria em uma barreira para o processo de industrialização nacional. Isso porque os escravos trabalhavam unicamente sob coerção e não sob o influxo da livre vontade; dessa forma, acreditava que onde não havia incentivo e vontade, não poderia haver indústria, pois “o corpo pode ser dominado, não a vontade, e onde esta falta, morre a indústria. A força pode obrigar o escravo ao trabalho, mas a vontade não admite coação e, desgraçadamente, os meios com que a dos homens livres se estimula são inaplicáveis aos escravos”. (1988, p.23).
Segundo Maciel da Costa, o trabalho feito por escravo era aquele que menos rendia, precisamente por causa da sua pouca vontade e falta de estímulo; por isso, havia uma enorme diferença entre o trabalho feito por um homem livre e o trabalho feito por um escravo. Mas, além da inferioridade produtiva, havia algo ainda mais inconveniente em se deixar o trabalho industrial nas mãos de escravos: “o pior de tudo é que o trabalho industrial, relegado na classe dos escravos, se aviltará aos olhos da multidão e por isso a classe livre o detestará como acontece já entre nós com o trabalho agrícola, que na opinião geral é só para escravos”. (1988, p.23).
É exatamente por conta dessa situação que o processo de industrialização nacional ganha um papel relevante no discurso de Maciel da Costa. Estava claro, para o autor, que a escravidão se colocara numa situação crucial de embaraço para o desenvolvimento social e econômico nacional. Assim, se, por um lado, o autor visualizava a indústria como a opção mais adequada para se alcançar o desenvolvimento da nossa economia naquele momento, por outro, sabia que não havia possibilidade de empregar a mão-de-obra escrava em fábricas. Por isso, era necessário pensar em formas alternativas de trabalho. Nesse sentido, a industrialização desempenharia um duplo papel para a sociedade brasileira: seria um meio de diversificar a produção e, ao mesmo tempo, substituir o trabalho escravo pelo trabalho livre.
Diante de tal circunstância impositiva, Maciel da Costa acreditava que o início do século XIX era o momento indicado para que o governo brasileiro desse início ao processo de abolição da escravidão, independentemente de pressões externas:

Nós entendemos e ousamos sustentar que a introdução de escravos africanos no Brasil, indefinida quanto ao número deles e quanto ao tempo de sua duração, é contrária à segurança do Estado e à sua prosperidade e que, independe das solicitações do governo britânico, devendo nós mesmos procurar evitar. (COSTA, 1988, p.19).

É importante, contudo, ressaltar que, mesmo entendendo que o tráfico de escravos havia se tornado um entrave para o processo de desenvolvimento econômico e social do país, Maciel da Costa nunca propôs o fim repentino da escravidão no Brasil . Ao contrário, acreditava que a total abolição da escravidão de nosso seio poderia levar “séculos de trabalho e providências” (1988, p.27), já que a mão-de-obra que fazia girar a economia da colônia brasileira era a escrava e, nesse sentido, seria impossível mudar o sistema de trabalho do dia para a noite sem que, com isso, ocorresse no Brasil uma grande desestruturação da produção, resultando em enormes prejuízos econômicos. Por isso, o autor defendia a abolição gradual do regime escravista, alegando ser necessário que se fizessem as mudanças causando o menor prejuízo possível à nação e, ao mesmo tempo, dando um maior prazo para que os proprietários de escravos se adaptassem à nova realidade:

Convindo, pois, na necessidade de mudar o método de trabalho por escravos, parece-nos, todavia, indispensável que se faça a mudança de maneira que a nossa indústria atual, se não aumentar, ao menos não retrograde; que haja tempo suficiente para que os proprietários possam cobrir-se das despesas avançadas e para buscarem novos trabalhadores ou darem nova direção a seus capitais (...) (COSTA, 1988, p.29).

De acordo com um estudioso da escravidão no Brasil, Lupércio Antonio Pereira, a maior parte dos críticos da escravidão, no século XIX, adotou o gradualismo como forma de combater tal regime de trabalho. Isso porque o pensamento antiescravista no Brasil viveu uma contradição dolorosa, já que “precisava afirmar que o trabalho assalariado era o único compatível com a natureza humana, mas, na prática, era obrigado a conviver com a escravidão e a admitir o retardamento da abolição por quase um século, porque a forma natural não se impunha naturalmente no país” (1986, p.60). Por esse motivo, embora o desenvolvimento de países europeus e o sucesso do trabalho assalariado houvessem causado um grande êxtase na elite ilustrada do Brasil, o princípio das manifestações antiescravistas adotado foi sempre o do gradualismo.
Segundo Pereira, no momento em que a discussão antiescravista se desenvolve em nosso país, três obstáculos barravam o desejo de acabar com a escravidão a curto prazo:

1- Como abrir mão da escravidão sem onerar o capital, ou seja, como evitar que o trabalhador livre (fosse o ex-escravo, o “livre nacional” ou o imigrante) impusesse “duríssimas condições” ao capital?
2- Como manter a ordem-pública e a disciplina do trabalho com cerca de 1.500.000 escravos postos subitamente a liberdade, sem os freios da escravidão?
3- Como conciliar o “interesse público” e os “sentimentos filantrópicos” com os interesses pecuniários dos senhores de escravos, ou seja, onde arranjar recursos para indenizar os proprietários de escravos, já que se aceitava o princípio de que a abolição privaria os senhores do gozo e usufruto de um bem legitimamente adquirido? (PEREIRA, 1986, p.242).


Diante dessas dificuldades, a saída encontrada pela elite política da época foi a “conciliação dos interesses dominantes em jogo” (1986, p.243). Daí as medidas de longo prazo “que garantiam os diretos adquiridos dos senhores e, ao mesmo tempo, davam uma satisfação à opinião pública internacional” (1986, p.243). Assim foi a tática seguida pela classe dirigente para encaminhar a transição do trabalho escravo para o trabalho livre no Brasil. Nessa direção, a lei do ventre-livre é a prova dessa estratégia, pois seu objetivo era deixar que a própria escravidão se estiolasse lentamente, tornando o processo da abolição o menos traumático possível. Por outro lado, a “opção” pela imigração significava deixar que essa transição “conquistasse sua solução na própria evolução do modo de produção capitalista” (1986, p.243).
Coerentemente, Maciel da Costa sugeriu a política de estímulo à imigração como uma das formas de se promover a abolição gradativa da escravidão no Brasil. Para esse estudioso e político brasileiro, a nação deveria buscar na Europa uma forma de auxílio para a transição do trabalho escravo para o trabalho livre. E nesse sentido, aconselhava que o governo fizesse uma propaganda do Brasil no exterior para estimular a vinda de imigrantes estrangeiros, alegando ser “necessário fazer inserir em jornais e gazetas mais acreditadas da Europa os progressos que fazemos e os que desejamos fazer” (1988, p.44).
No entanto, alertava para que o governo não atraísse quaisquer pessoas, e sim uma “população selecionada”, de gente trabalhadora. Maciel da Costa dizia não ser “de opinião que se recebam como de aluvião e sem exame quantos indivíduos nos vierem procurar” (1988, p.44). Acreditava que a nação deveria renunciar “pois, ao rápido crescimento de uma população corrompida (...) [contentando-se] com um menos rápido, mas de homens escolhidos” (1988, p.45). E justificava esse posicionamento, alegando que “a população brasileira já é muito mal composta (...) para que seja indiferente admitir sem escolha a ralé vil e educada em princípios revolucionários que a miséria afugenta da Europa.” (1988, p.44-45).
No discurso acima, em que Maciel da Costa menciona a “ralé vil e educada em princípios revolucionários”, percebemos claramente que ele estava se referindo aos princípios difundidos pela Revolução Francesa (1789), especialmente em sua vertente mais radical: o jacobinismo. O temor do autor era o de que o Estado permitisse a entrada no Brasil dos radicais seguidores das idéias revolucionárias da França, e que estes acabassem difundindo, em nosso meio, tais ideais subversivos.
O trecho a seguir mostra, de maneira bem elucidativa, o modo como Maciel da Costa entedia essa questão:

Se felizes circunstâncias têm até agora afastado das nossas raias a empestada atmosfera que derramou idéias contagiosas de liberdade e quimérica igualdade nas cabeças dos africanos das colônias francesas, que as abrasaram e perderam, estaremos nós inteira e eficazmente preservados? Não. Os energúmenos filantropos não se extinguiram ainda, e uma récova de perdidos e insensatos, vomitados pelo inferno, não acham outro meio de matar a fome senão vendendo blasfêmias em moral e política, desprezadas pelos homens de bem e instruídos, mas talvez aplaudidas pelo povo ignorante. (COSTA, 1988, p. 22)

Essa preocupação, diga-se de passagem, não era exclusiva de Maciel da Costa. Cairu, por exemplo, alertava constantemente em suas obras sobre os perigos das idéias difundidas pelos revolucionários franceses . Na realidade, esse era um assunto que causava “arrepios” em toda a elite política da época, principalmente por causa da rebelião ocorrida na ilha de São Domingos, que foi o exemplo mais traumático relativo ao modo como os ideais de “Liberdade e Igualdade” poderiam avançar e destruir uma forma de sociedade.
Mas, retornando à questão acima, é importante ressaltar que, ao propor a imigração de europeus para o Brasil, como uma das formas de promover a substituição do trabalho escravo pelo trabalho livre e, consequentemente, alcançar um maior desenvolvimento econômico no país, Maciel da Costa estava defendendo uma idéia que foi muito difundida na sociedade brasileira do século XIX. Segundo Cacilda Estevão dos Reis, nesse período, a imigração européia para o Brasil foi visualizada, pela elite política e intelectual, como um elemento civilizador de nossa sociedade. Tornou-se comum entre os homens ilustrados a idéia de que os trabalhadores vindos da Europa eram os mais indicados tanto para suprir a falta de mão-de-obra que o fim da escravidão ocasionaria, como para povoar as imensas terras inabitadas do Brasil e, desse modo, espalhar a civilização no país:

A partir da política de imigração se pretendia implementar a civilização em todos os aspectos da sociedade, moldando os valores, as normas e os padrões não só das elites, como também da população livre e pobre, para a definição do Brasil como nação civilizada. (REIS, 2004, p.144).

Na base da argumentação em favor da imigração de trabalhadores europeus, estava a idéia de que o imigrante seria capaz de elevar o país a um estágio superior de civilização, graças à sua avançada concepção de trabalho e de sua posição adiantada em relação às técnicas de produção existentes. Nessa esteira de pensamento, havia entre a elite política brasileira a idéia de que o imigrante europeu era essencial para a transição do antigo sistema de produção (escravista) para um modo de produção moderno (assalariado), ocasionando, consequentemente, a elevação do país a um estágio superior de civilização.
Para Cacilda E. Reis, a origem da idéia que defendia o imigrante europeu como a opção mais indicada para a promoção do progresso econômico e civilizatório do país estava associada ao fato de o trabalhador nacional não ser “visto como substituto em potencial para o braço escravo na lavoura cafeeira, o que fez com que se recorresse à imigração européia, relegando, novamente, o homem livre a uma utilização secundária, complementar à mão-de-obra escrava.” (2004, p.44-45). Isso se dava, justamente, porque o homem livre no Brasil não era considerado capaz de realizar trabalho produtivo. Acreditava-se que o homem nativo era incompatível com a produção voltada para o mercado. Dessa forma,

(...) à margem da sociedade, considerados uma classe improdutiva, o trabalhador nacional entregava-se ao trabalho eventualmente, devido à facilidade com que ele extraía da natureza os meios de sobrevivência, ou seja, limitava-se à caça e à pesca e recusava a ocupação de camarada, não queria empregar-se na lavoura uma vez que obtinha o necessário para manter-se. Tal situação caracterizava-o como um indivíduo preguiçoso. (REIS, 2004, p.45).

Assim, “o elemento nacional preferia a sobrevivência autônoma a sujeitar-se ao jugo das regras de obediência e disciplina imposto pelo trabalho regular e disciplinado.” (2004, p.46). Justamente por causa dessa realidade, a política de imigração no Brasil alcançou tamanha repercussão e esteve tão difundida entre a elite intelectual e política do país, pois, em geral, o trabalhador nacional era considerado inadequado para o ideal de progresso e civilização da nação, criado no século XIX:

(...) a utilização do imigrante europeu baseou-se no descrédito no braço nacional que continuou sendo considerado inapto, indisciplinado, dado à vadiagem e ao ócio e a partir dessa visão foi possível desenvolver uma política de abastecimento, principalmente para a lavoura, baseada na importação de trabalhadores europeus. (REIS, 2004, p.51).

Se o trabalhador nacional era considerado inapto ao trabalho da lavoura voltada para o mercado, em contrapartida, criou-se a idéia de que o imigrante europeu era o antídoto para tal situação, “pois a importação de colonos representaria força de trabalho e acesso às novas técnicas de produção que eles conheciam” (2004, p.54). Assim, a imigração era a resposta para os problemas daquele momento, “era considerada a melhor forma de incentivar o crescimento da economia, da população” e de suprir “os braços da lavoura cafeeira” (2004, p.62).
Maciel da Costa, já no início do século XIX, considerava a política de estímulo à imigração como uma das opções viáveis para substituir gradativamente o trabalho escravo pelo trabalho livre no Brasil. Mas a imigração dos europeus não foi somente visualizada como um dos meios para realizar a substituição do sistema de produção; foi também concebida como uma forma de civilizar o país. Isso fica explícito no momento em que Maciel da Costa destaca a importância da vinda apenas de pessoas selecionadas, ou seja, apenas os homens que seriam “capazes” de civilizar o Brasil.
Essa posição do autor é completamente compreensível diante de suas argumentações a favor de um projeto de industrialização do Brasil no início do século XIX. Como salientamos anteriormente, grande parte dos intelectuais brasileiros daquela época acreditavam que o imigrante europeu, ao originar a gradativa substituição do trabalho escravo pelo livre, tornar-se-ia uma peça muito importante para promover a modernização e industrialização da colônia.


2.3. O pensamento industrialista de Maciel da Costa

Se na questão acima exposta, ou seja, na idéia de que o trabalho escravo era incompatível com o desenvolvimento e a prosperidade da indústria nacional, Maciel da Costa e Cairu comungavam da mesma opinião, nos demais assuntos é explícita a disparidade de suas posturas teóricas. Ao contrário do que foi defendido por Cairu a respeito da inviabilidade da implementação industrial no Brasil nos primeiros anos do século XIX, devido à superior vantagem que a agricultura possuía em relação à indústria, Maciel da Costa não acreditava que o projeto de industrialização nacional fosse incompatível com as condições de desenvolvimento histórico que o país apresentava:

Nem se diga que o Brasil não deve ocupar-se tão cedo de indústria, antes deve ser ainda muito tempo puramente agrícola, com o fundamento de não estar generalizada em todo seu imenso território e de estarmos nós ainda tão atrasados em conhecimentos, que não podemos produzir gêneros industriais nem tão bons nem tão baratos como os estrangeiros, sendo por isso mais profícuos comprá-los do que fabricá-los. (COSTA, 1988, p.23).

O autor acreditava que
Pretender, pois, que uma nação principiante se ocupe ao princípio da agricultura exclusivamente e que se não divirta para a indústria senão quando o último canto do seu território se achar cultivado e a cultura levada à maior perfeição é correr após de uma quimera, é supor causa aquilo que não é senão efeito, é ignorar a marcha natural e prosperidade das nações modernas. (COSTA, 1988, p.24).

Para Maciel da Costa, desenvolver a indústria seria também um meio de proteger a agricultura. Como evidenciamos anteriormente, o autor entendia que, ao insistir em uma expansão extensiva da lavoura de exportação, o país poderia provocar a própria ruína, pois poderia gerar um excesso de produção que acabaria depreciando os preços dos chamados gêneros coloniais. Nesse sentido, a indústria operaria como uma opção de alargamento do nosso mercado de produção e, por conseguinte, não permitiria que a economia do país ficasse exposta a uma súbita mudança no mercado mundial.

E que outra coisa é a agricultura mesma, isto é, a que merece este nome, senão uma filha da indústria e civilização? Portanto, o meio sólido e eficaz de proteger a agricultura é proteger a indústria; não há que separar uma da outra. Quereis um país cultivado? Dai-lhe fábricas, que vale tanto como dizer daí consumidores numerosos e certos aos produtos da sua agricultura. Com este método granjeiam, cultivam e povoam ésteres charnecas e áridas montanhas. (COSTA, 1988, p. 24).

Além de um elemento de promoção da autonomia e do fortalecimento de nossa economia, o autor visualizou, no desenvolvimento da indústria nacional, um meio de integração entre as províncias brasileiras que, até então, viviam isoladas. Para Maciel da Costa, a comunicação interna no Brasil era bastante precária, devido ao fato de nosso comércio não conhecer outros mercados senão o europeu. Segundo ele, a nossa produção não era voltada para atender às necessidades locais ou para unir nossas províncias através das trocas comerciais. O objetivo era, antes, atender à satisfação dos mercados estrangeiros, voltada para a produção de gêneros agrícolas que garantissem as exportações. De acordo com Maciel da Costa, sendo a união e o comércio entre as diversas províncias os fatores que garantiam a força e estabilidade econômica de um país, o comércio interno deveria ser encarado como prioritário, de modo que este seria melhor dividido e sustentado a partir da criação das mais diferentes indústrias manufatureiras:

(...) a criação de uma indústria nacional nos parece o único e sólido meio de ligar a indispensável comunicação entre as diferentes capitanias. Onde se viu jamais um corpo social sem o movimento e jogo harmônico entre suas partes? As províncias de um império, reunidas, fazem a força dele. Entretanto, vemos que no Brasil, sem mútuas relações sociais, trabalhando cada uma na agricultura de seu território, não conhecem outros mercados nem outros consumidores senão os da Europa. (COSTA, 1988, p.33).


Percebemos, nessa passagem, que a defesa da indústria manufatureira por Maciel da Costa está ligada, também, à defesa da união nacional que, segundo ele, formava a base de sustentação para a prosperidade tanto do comércio interno, como do externo. Não há dúvidas de que, para o autor, o comércio interno era muito mais importante para a nação em geral do que seu mercado externo. Inclusive, em sua obra, existem momentos em que ele demonstra certa aversão pelo comércio exterior, alegando que a principal preocupação de uma nação deve ser com seu mercado interno, com a necessidade da sua população em relação aos produtos de subsistência. Mas, segundo o autor, no Brasil acontecia o contrário, pois a nossa produção era voltada para as necessidades do comércio externo, para atender à demanda dos europeus por produtos tropicais.

Sabemos todos que o primeiro e principal objeto da agricultura deve ser a subsistência nacional e que nenhuma nação, podendo-a tirar de seu próprio território, deve confiá-la aos acasos do comércio exterior. Sabemos igualmente que o açúcar, café, algodão etc, pode produzir dinheiro, mas não servem de alimento e que a cobiça daqueles tem tal modo ganhado os agricultores do Brasil que, ocupados unicamente na cultura dos gêneros comerciais, abandonam inteiramente a dos víveres necessários à vida, de onde resulta que a maior parte da nossa subsistência em pão venha do estrangeiro e seja, por isso, extremamente precária. (...) Perguntaríamos nós, agora, se esta direção da nossa agricultura para os gêneros comerciais, ilimitada, merece uma proteção absoluta e irrefletida. Pode o povo sofrer privações em todo gênero, mas sem alimento não se vive e cada indivíduo de uma nação há, por força, ter seu quinhão de alimento e o Estado deve necessariamente segurá-lo. Não seria, pois, conveniente quartear essa imoderada tendência para a agricultura quase exclusiva dos gêneros de comércio externo e dirigi-la para a cultura dos cereais e mesmo dos legumes que fazem por toda parte a base da subsistência da grande maioridade do povo, segurando-a no nosso território e derramando sobre ele as somas imensas que nos levam estrangeiros. Milhões de braços ocupados com entusiasmo em lavrar a terra para alimentarem o luxo esquisito e as manufaturas da Europa, pagando ao estrangeiro o pão de que vivem e expostos a morrerem de fome, é das maiores extravagâncias que pode conceber o espírito humano. (COSTA, 1988, p. 30-31)

Tal realidade, na visão do autor, era uma situação perigosa, na medida em que deixava a população brasileira exposta à dependência exterior, para a satisfação de suas necessidades vitais. Além disso, ele acreditava que a agricultura de gêneros comerciáveis era uma cultura depredatória, pois os agricultores, de forma geral, não empregavam métodos diligentes no cultivo da terra, preferindo sempre o meio mais cômodo e destrutivo de produção:

Por tal método jamais a cultura se aperfeiçoará porque o homem não emprega diligência alguma e tudo é obra da natureza, e em poucos anos o país apresentará um aspecto cadavérico. (LISBOA, 1988, p.31).

Ao contrário dessa relação que se criava com a terra na agricultura de tipo comercial, a cultura de subsistência fazia surgir no homem um sentimento de amor pelo trabalho e de satisfação por conseguir tirar da terra seu alimento. Portanto, Maciel da Costa entendia que uma nação, ao produzir o próprio alimento e desenvolver sua indústria manufatureira, auferia autonomia e segurança econômica, quesitos essenciais para a formação de uma nação forte e imperiosa. Sem isso, o país ficaria sempre em condição de colônia, dependente das nações estrangeiras e exposto às flutuações comerciais e crises internacionais.
Diante dessa realidade, o autor acreditava que o Estado não deveria poupar esforços para implementar a indústria manufatureira em território nacional. Se a colônia não possuía, ainda, os meios necessários para a industrialização, caberia ao Estado agir no sentido de induzir tal processo:

Não somos também de opinião que prefiramos comprar os produtos de manufaturas estrangeiras a fabricá-los nós mesmos, pela razão de nos faltarem os meios de obtê-los tão bons e tão baratos.
Pois, por isso, que nos faltam as facilidades para obter a mesma qualidade e barateza, devemos cruzar os braços e submeter muito resignadamente nossa perfectibilidade à dependência das nações mais avançadas? Seria um conselho tal bem digno de um fabricante inglês. Nós daríamos outro mais português, e vem a ser: que, por isso, que nos faltam os meios de rivalizar com os estrangeiros na bondade e barateza dos produtos industriais, devemos empregar os maiores esforços e sacrifícios para consegui-lo. Nem conhecemos exceção nenhuma a esta regra senão quando o solo pátrio, se negar, de tal sorte, à criação dos produtos que pretendemos aproveitar, que as despesas para obtê-lo excedam, sem esperança de melhoramento, os benefícios que deles as possam esperar. (COSTA, 1988, p.25. Grifos nossos).

Na citação acima, fica bastante explícita a forma como Maciel da Costa encarava a questão da industrialização nacional. Para o autor, o fato de o Brasil não poder competir, em termos de qualidade e de bons preços, com as mercadorias produzidas por nações européias somente poderia ser superado se o Estado viesse em socorro da indústria nacional e promovesse uma política de proteção à produção interna, ainda incipiente. Sem o auxílio estatal, as fábricas nacionais não poderiam alcançar um estágio avançado de desenvolvimento e, muito menos, seriam capazes de se tornarem competitivas frente ao mercado mundial. Por isso, o autor entendia o protecionismo estatal como uma medida imprescindível para o desenvolvimento industrial de uma nação.

É para salvar a indústria nacional, ainda nascente, contra a concorrência da estrangeira que devem servir as alfândegas, ou impostos diretos bem calculados que, sem destruir a emulação entre os produtores nacionais e estrangeiros, dêem mais facilidades aos primeiros que aos segundos, ou proibindo inteiramente os produtos estranhos, como pratica judiciosamente Inglaterra. É para proteger a indústria nacional, ainda nascente, que o governo britânico descobriu as recompensas e prêmios de que tem sabido tirar tão grandes vantagens, pelo bem calculado valor de que os compõe e pela discreta aplicação deles. É para salvar a indústria nacional, ainda nascente, que o governo deve estar continuamente de atalaia para procurar-lhe todas as comodidades e facilidades possíveis. (COSTA, 1988, p.25).

Maciel da Costa acreditava ter havido um grande equívoco por parte da Economia Política Clássica, ao tratar da questão da industrialização nacional. Segundo ele, todos os teóricos defensores do sistema econômico liberal construíam seus discursos a partir da tese de que não era justo forçar os consumidores a comprar artigos de inferior qualidade e mais caros em nome da indústria nacional. Mas, segundo o autor brasileiro, os mesmos célebres economistas esqueceram-se de olhar para o interesse da coletividade, que se encerrava na forma do Estado: “Não se faz conta senão do interesse dos consumidores, e não valem nada os interesses dos produtores e os do Estado?” (1988, p.26).
De acordo com esse princípio defendido pelo autor, toda população teria que fazer alguns sacrifícios para que a nação alcançasse o desenvolvimento industrial: “Se para esse mesmo fim [industrialização] é preciso que a nação toda faça um sacrifício, por que o não fazemos?” (1988, p.26). Nesse caso, os sacrificados seriam os consumidores, já que ficariam impedidos de comprar mercadorias estrangeiras, que eram melhores e mais baratas. Isso, porém, segundo Maciel da Costa, era uma privação necessária para que o país alcançasse o desenvolvimento e aperfeiçoamento de sua indústria, ou seja, constituía-se em uma espécie de etapa a ser transcendida. Dessa forma, esse sacrifício deveria ser suportado pela população em nome da busca pelo bem geral da nação e pelo patriotismo que deveria haver em cada cidadão.
Além do mais, Maciel da Costa acreditava haver um grande excesso por parte dos defensores do liberalismo, ao alegarem que a política protecionista lesava gravemente os consumidores porque lhes impunha condições prejudiciais de comércio. Em suas palavras,

(...) e se o governo empregar os meios possíveis para adiantar o conhecimento auxiliares, de maneira que possamos exceder ou igualar as outras nações ou ao menos marchar a pouca distância delas, não desaparecerão esses sacrifícios, que tanta bulha fazem na cabeça dos exagerados amigos dos consumidores (COSTA, 1988, p.26).

Para o autor, somente submetendo os consumidores a um sacrifício temporário é que se tornaria possível alcançar, de fato, um grau maior de prosperidade e desenvolvimento dentro do país. O contrário, ou seja, uma região essencialmente importadora de mercadorias de produção mais sofisticadas estaria sempre submetida a uma situação de país dependente economicamente, como uma colônia. Nesse sentido, o autor defendia uma política protecionista como expressão máxima do nacionalismo:

(...) se é demonstrado que da indústria protegida e universalizada no território pátrio dependem a riqueza, a população e a força dos Estados modernos, como pode caber em razão que sejamos consumidores de indústria alheia e não produtores? (COSTA, 1988, p. 26).

Por isso, a principal crítica de Maciel da Costa aos teóricos liberais, como Adam Smith, Jean Baptiste Say e David Ricardo, era direcionada ao que ele acreditava ter sido o grande equívoco desses célebres economistas: o erro de aplicar ao comércio, de nação para nação, “uma regra de absoluta e ilimitada liberdade que só convém ao comércio interior de província para província da mesma nação” (1988, p. 26). Assim, o autor acreditava que o livre comércio era uma excelente escolha e sábia política quando se tratava de comercialização interna, ou seja, do câmbio de província para província de uma mesma região. Mas o contrário, isto é, o livre comércio entre diferentes países dos mais diversos níveis de desenvolvimento econômico acarretava, inevitavelmente, prejuízo para a nação menos desenvolvida.
Fica claro, portanto, que a tese de Maciel da Costa é diametralmente oposta à de Adam Smith. Se para Smith, o desenvolvimento da produção, a harmonia entre as nações e a justiça nas relações entre os homens dependiam da irrestrita liberdade do comércio mundial, para Maciel da Costa, só haveria justiça e equilíbrio na distribuição das riquezas se o comércio entre os mais diversos países fosse regulado pelo nível de desenvolvimento econômico de cada nação.
Fica evidente também que o autor não concordava com o princípio das “Vantagens Comparativas”, defendido por David Ricardo em sua obra Princípios de Economia Política e Tributação, publicada em 1817. Segundo essa teoria de Ricardo, cada país, naturalmente, se especializava em um determinado ramo de produção em que possuía maiores vantagens, ou seja, naquele ramo em que seus custos de produção eram mais baixos que de outros países. Cada nação apresentava vantagens naturais (solo, clima, minério etc.) ou artificiais (capital acumulado, superior infra-estrutura) que determinavam quais os produtos que poderiam ser obtidos pelos menores custos.
Ainda de acordo com a teoria, se cada país se especializasse naquilo que a natureza ou os recursos artificiais havia lhes dado de melhor, o comércio internacional só poderia trazer os melhores benefícios possíveis para todas as nações e, em especial, para os consumidores, já que estes seriam os grandes beneficiários do sistema da livre troca mundial, podendo dispor de produtos do mundo inteiro com o melhor preço e superior qualidade.

É tão importante para o bem da humanidade que nossas satisfações sejam aumentadas pela maior distribuição do trabalho, produzindo cada país aquelas mercadorias que, por sua situação, seu clima e por outras vantagens naturais ou artificiais, encontra-se adaptado, trocando-as por mercadorias de outros países, quanto aumentar nossas satisfações por meio de uma elevação na taxa de lucros. (...)
Num sistema comercial perfeitamente livre, cada país naturalmente dedica seu capital e seu trabalho à atividade que lhe seja mais benéfica. Essa busca de vantagem individual está admiravelmente associada ao bem estar universal do conjunto dos países. Estimulando a dedicação ao trabalho, recompensando a engenhosidade e propiciando o uso mais eficaz das potencialidades proporcionadas pela natureza, distribui-se o trabalho de modo mais eficiente e mais econômico, enquanto, pelo aumento geral do volume de produtos difunde-se o benefício de modo geral e une-se a sociedade universal de todas as nações do mundo civilizado por laços comuns de interesse e de intercâmbio. Este é o princípio que determina que o vinho seja produzido na França e em Portugal, que o trigo seja cultivado na América e na Polônia, e que as ferramentas e outros bens sejam manufaturados na Inglaterra. (RICARDO, 1985, p. 103-104).

Mas, para o autor brasileiro, não se tratava de nos especializarmos naquilo que naturalmente tínhamos de melhor, isto é, a agricultura, e, dessa forma, nos lançarmos ao comércio mundial em busca da máxima satisfação das mais diversas nações. Para Maciel da Costa, o importante seria a não dependência do mercado estrangeiro para o suprimento de nossas necessidades por produtos manufaturados. Torna-se evidente, ao fazermos a análise dos escritos de Maciel da Costa, que a preocupação com a dependência estrangeira é uma constante em suas argumentações. Essa dependência, em sua visão, era algo extremamente negativo porque deixava o país exposto a todos os reveses que, eventualmente, poderiam surgir, como uma guerra, uma crise econômica mundial, etc. Assim, a total defesa de uma política protecionista em nome da segurança e da autonomia nacional foi a tônica de seu trabalho.
Maciel da Costa acreditava que todo homem de bem e com consciência nobre deveria ter claro que a política de proteção à industrialização nacional não tinha como meta atender a interesses parciais ou, então, a uma facção da população, e sim atender ao interesse geral da nação. Somente com o desenvolvimento das indústrias locais o país alcançaria, finalmente, uma situação de opulência econômica e de independência das nações estrangeiras.


2.4. A tese protecionista de Georg Friedrich List e sua relação com o pensamento industrialista de Maciel da Costa

Neste momento, abriremos um parêntese em nossa análise para tratar de uma questão que também é bastante importante: a semelhança entre a tese protecionista do economista alemão Georg Friedrich List e a de Maciel da Costa.
Como já dissemos acima, a obra de Maciel da Costa, que agora analisamos, foi publicada em 1821 e, exatamente 20 anos depois, em 1841, na Alemanha, Georg Friedrich List publicou sua grande obra Sistema nacional de economia política. Nesse livro, foi desenvolvida uma crítica contundente aos teóricos do liberalismo, como Smith, Say e Ricardo e, ao mesmo tempo, o economista alemão desenvolveu, de maneira aprofundada, uma teoria econômica cuja linha mestra era o protecionismo industrial.
Considerando a nação como a unidade econômica central de sua teoria, List acreditava que a liberdade universal do comércio só interessava às nações mais desenvolvidas industrialmente, assim como a mão invisível de Adam Smith era, necessariamente, protetora dos países mais desenvolvidos nas artes industriais. Dessa forma, o livre comércio defendido pelos liberais não passava de um esquema altamente parcial e de interesses bem particulares. Segundo o autor, tratava-se de um esquema que atendia perfeitamente aos interesses ingleses.
Para List, nenhum país, em fase industrial inicial, poderia enriquecer, entregando-se ao comércio universal com países mais ricos e mais desenvolvidos industrialmente, pois a condição de desigualdade industrial gerava inevitavelmente uma situação de prejuízo para o país mais atrasado. A universal troca de produtos, de acordo com List, era algo maravilhoso e extremamente sábio quando se tratava de comércio interno, da troca de mercadorias entre as províncias de um mesmo país. Nesse sentido, segundo o autor, o erro da teoria de Smith, Say e Ricardo estaria exatamente aí: querer aplicar ao comércio mundial uma regra que só se aplicava, com resultados inquestionavelmente positivos, ao comércio nacional.

Dei-me conta de que a teoria popular não considerava as nações, mas simplesmente, de um lado, a humanidade inteira, ou os indivíduos, do outro. Percebi claramente que a livre concorrência entre duas nações altamente civilizadas só pode ser mutuamente benéfica no caso de ambas estarem em um grau de desenvolvimento industrial mais ou menos igual; ao contrário, qualquer nação que, em razão de reveses, estiver atrasada em relação a outras, do ponto de vista industrial, comercial e naval, embora possua os meios mentais e matérias para desenvolver-se, deve antes de tudo aumentar e consolidar seus próprios poderes individuais para aparelhar-se a entrar na livre concorrência com nações mais evoluídas. (LIST, 1986, p. 3-4).

Diante de tal afirmação, é inegável a semelhança entre as idéias de List e as de Maciel da Costa que, como já assinalamos, acreditava que havia ocorrido esse mesmo equívoco por parte dos célebres pensadores da economia política clássica, ao formularem a teoria do livre mercado.
É interessante lembrar novamente que o economista alemão publica 20 anos depois de nosso autor já haver feito, aqui no Brasil, semelhantes afirmações. É interessante lembrar também que a obra Sistema nacional de economia política teve uma grande repercussão a partir de 1850, pois sabemos que houve, em praticamente todo o mundo, a partir dessa data, uma substituição da economia do livre comércio pela política protecionista de desenvolvimento industrial nacional. Inegavelmente, ao lermos tal obra, deparamos com uma teoria bem organizada: List fez uma longa digressão histórica sobre o desenvolvimento manufatureiro das nações e verificou que a ascensão ou decadência das potências européias, ao longo da história, dependeu sempre do grau de autonomia econômica que cada uma manteve em relação a seus concorrentes.
Na visão do estudioso alemão, assim como na de Maciel da Costa, a dependência para com o exterior, tanto para a obtenção de matéria-prima como para a aquisição de bens manufaturados, era algo altamente perigoso no sentido de que deixava a nação exposta aos grandes riscos externos o que, consequentemente, impedia seu maior desenvolvimento econômico. Por isso, List defendia que:

(...) nas atuais condições do mundo, toda nação grande deve procurar as garantias para a continuidade da sua prosperidade e independência, antes de qualquer outra coisa, mediante o desenvolvimento independente e uniforme de seus próprios poderes e recursos. (LIST, 1986, p. 85).

List discutiu em sua obra um princípio para o desenvolvimento das nações que se baseava em etapas econômicas sucessivas. Segundo esse princípio, as mais diversas nações de todo o mundo passavam necessariamente por três fases de desenvolvimento econômico. Na primeira fase, caracterizada como barbárie, na qual os países se encontram ainda em um estágio exclusivamente agrícola, era necessário que houvesse liberdade comercial “em virtude do qual podem dar vazão a seus produtos oriundos da caça e da pecuária, das florestas e da agricultura” (1986, p.17). Na segunda fase, chamada por List de período intermediário, a nação já se encontraria em um estágio avançado de civilização e com um nível mínimo de desenvolvimento industrial, fazendo-se necessário, como forma de garantir o processo de industrialização do país, a adoção de uma política protecionista. Por fim, haveria, então, a última fase do processo de desenvolvimento econômico das nações: o estágio de opulência industrial que, de acordo com List,

(...) também se pode inferir que qualquer potência que, mediante uma política protecionista, atingiu uma posição de supremacia manufatureira e comercial, pode – após ter atingido tal supremacia – voltar a adotar, com vantagem, a política do comércio livre. (LIST, 1986, p. 13).

Evidencia-se, desse modo, que List acreditava que a plena liberdade comercial deveria acontecer em dois estágios específicos de uma nação: no primeiro, quando o país ainda se encontrasse na fase da barbárie, e no terceiro, quando o país já houvesse atingido um nível superior de desenvolvimento manufatureiro. Portanto, somente no segundo estágio – na fase das indústrias florescentes – é que seria indispensável a adoção do protecionismo alfandegário.
Nesse ponto, há uma grande semelhança entre as idéias de List e as de Maciel da Costa. Para ambos os autores, a proteção às indústrias nascentes era uma política obrigatória quando se visava de fato ao progresso e desenvolvimento econômico da nação. Ambos acreditavam que, através da taxação dos manufaturados estrangeiros, o Estado ofereceria condições básicas para o desenvolvimento da indústria nacional. Sem a concorrência da produção dos países mais desenvolvidos, a indústria nacional poderia se fortalecer e ganhar competitividade no mercado e, então, impulsionar o desenvolvimento do país. Como ambos acreditavam que o desestabilizador do crescimento econômico da nação era o concorrente estrangeiro, a solução era expulsá-lo do mercado interno e, assim, criar-se-iam as condições necessárias para o desenvolvimento nacional.
Mas as semelhanças entre List e Maciel da Costa não param por aí. Vejamos agora uma outra idéia defendida pelo autor brasileiro e que encontramos também na discussão empreendida pelo economista alemão: a importância da criação de indústrias no país como forma de garantir a união nacional.
No tópico anterior, discutimos sobre o modo como Maciel da Costa via o processo de industrialização, qual seja, como uma forma de garantir a integração nacional e proteger a agricultura. Vimos também que, para ele, o comércio interno era de extrema importância para a construção de uma economia nacional de bases sólidas e, por isso mesmo, o autor acreditava que esse comércio deveria ser encarado pelo Estado como algo prioritário.
Em List, essa questão é amplamente discutida no Livro Segundo de seu Sistema nacional de economia política. Conforme ele, era necessário que todo país, depois de ter atingido um grau superior de desenvolvimento da civilização, desenvolvesse sua indústria manufatureira como forma de garantir a prosperidade da sua agricultura. Em sua opinião, sem o incremento das artes manufatureiras seria impossível a qualquer nação alcançar um nível maior de desenvolvimento e riqueza, justamente porque a indústria exercia uma ação estimuladora e protetora da agricultura. A relação entre esses dois setores econômicos teria uma espécie de poder de incentivo recíproco, pelo qual um se apoiaria no outro, formando, assim, um arregimento comercial bastante sólido e lucrativo.
Além disso, para List, a melhor maneira de estimular o crescimento e a riqueza de um país não era apostando indefinidamente no comércio exterior, mas apoiando a estrutura da nação no seu comércio interno. Para tanto, seria preciso ter como base de sustentação da economia nacional as trocas internas, que, em sua visão, eram infinitamente mais seguras e vantajosas porque não submetiam o país às flutuações externas e crises econômicas mundiais. Seria também através desse aparelho comercial interno que os sistemas de comunicação de uma nação seriam automaticamente melhorados e aperfeiçoados, já que passaria a ser desenvolvida dentro do país uma série de forças pessoais e naturais que não estavam sendo utilizadas com a agricultura de comércio externo.
Para List, o desenvolvimento da indústria manufatureira resultava sempre em maior variedade de operações do comércio e na união de forças produtivas. Desse modo, a nação, ao desenvolver sua indústria nacional, estaria também estimulando a maior aproximação das pessoas e, com isso, necessariamente estaria ajudando o florescimento de novas idéias. Em compensação, o país que vivia exclusivamente da agricultura tinha como característica uma população dispersa por todo seu território, não favorecendo o intercâmbio cultural e material. Além disso, a nação que se lançava ao incremento de manufaturas descobria que esta era a única via para conquistar a força da maquinaria.
Essa força de maquinaria, ou seja, o implemento de máquinas no país era o grande gerador de força material que vinha substituindo antigas formas de trabalho, como o trabalho escravo, por sociedades livres e modernas. Por isso, em geral, as nações agrícolas se caracterizavam como sociedades autoritárias e antiquadas, dominadas por um sistema segregacionista e opressivo.

Em toda parte observa-se que as nações puramente agrícolas têm vivido em regime de escravidão, dominadas pelo despotismo, pelo feudalismo ou pelo poder clerical. A simples posse exclusiva da terra dá ao déspota, ao oligarca ou à casta clerical um poder nato sobre a massa da população agrícola, poder esse do qual o povo não consegue libertar-se com seus próprios meios. (LIST, 1986, p. 140-141).

Em contrapartida, as manufaturas constituíam forças irresistíveis que aproximavam a diversificação de operações comerciais e promoviam a união das forças produtivas em um país. De acordo com List, quanto mais as pessoas viviam juntas em um mesmo lugar, maior era a dependência recíproca entre elas. Assim, naturalmente ocorria um incremento de seus negócios, e estes tanto exigiam mais conhecimento, circunspeção, educação, instituições civis mais perfeitas, mais cooperação, maior liberdade, quanto menor seria a interferência da opressão, da arrogância, da injustiça, da intolerância, etc. Só a manufatura constituía-se como um agente capaz de criar essa aproximação maior entre os povos de uma nação. Segundo List, a história já havia se encarregado de comprovar que, quanto mais prosperaram as nações que haviam desenvolvido suas indústrias manufatureiras, mais havia prosperado também sua agricultura. Logo, a manufatura exercia uma força de estímulo e impulsão a todos os setores econômicos de uma sociedade. Por isso, sem a indústria manufatureira seria impossível que um país alcançasse um grau elevado de desenvolvimento e prosperidade.
Percebe-se que essa defesa da indústria manufatureira em List, assim como em Maciel da Costa, está intimamente ligada à defesa do poder político nacional, que derivava da união da nação e formava a base de sustentação da prosperidade tanto do comércio interno, como do externo. Inegavelmente, para List, o comércio interno era muito mais importante para a estabilidade da nação que seu mercado externo. Do mesmo modo, o autor tinha a convicção de que o comércio externo só poderia prosperar de fato naquelas nações onde sua indústria já era desenvolvida em alto nível.
Isso, que List afirmava na Alemanha no ano de 1841, era exatamente o que Maciel da Costa havia defendido de forma mais tímida em 1821, aqui no Brasil. A diferença reside no fato de que Maciel da Costa apenas discute muito rapidamente, ao passo que List desenvolve sua argumentação de forma bastante aprofundada. Mas o princípio, relacionado ao tema da industrialização como fator de fortalecimento da união nacional, é o mesmo.
No entanto, existe uma questão que deve ser esclarecida e que mostra um ponto de desencontro entre as teses dos dois autores. Quando alegamos haver semelhança entre o pensamento do economista alemão e o do estudioso brasileiro em relação à ação do Estado no papel de promotor do desenvolvimento industrial da nação, estamos falando de uma determinada atitude do governo que os dois autores viam como imprescindível para a promoção do desenvolvimento da indústria nacional. A intervenção estatal, por meio das restrições comerciais e dos sistemas de monopólios, foi vista – tanto por Maciel da Costa como por List – como elemento essencial para a promoção industrial e independência comercial nacional. Até aqui, a semelhança revela-se inegável.
Porém, não podemos esquecer que o momento em que deve ocorrer essa intervenção do Estado na economia é diferente para um e outro autor. Segundo a tese de List, exposta acima, a adoção do sistema protecionista deve ocorrer em um segundo estágio de desenvolvimento social e econômico do país, isto é, no momento em que a nação já tenha saído do estágio da barbárie e adquirido certo nível de civilização e modernidade. De acordo com tal teoria, se a nação se encontrar em um estágio de absoluto primitivismo e optar pela adoção de um sistema de restrições comerciais, ocorrerá uma paralisação de seu progresso econômico no sentido de que perderá o mercado consumidor de seus produtos agrícolas e passará a barrar a entrada dos artigos que ainda não é capaz de produzir em seu território, causando um grande ônus para toda a sua população. Portanto, é necessário a um país certo nível de desenvolvimento técnico e uma superior civilização antes da adoção de restrições comerciais. Somente a partir de certo nível de civilização e evolução produtiva conquistadas, é que se torna viável, então, a implementação da indústria nacional com base no protecionismo estatal. List evidenciava essa visão quando discorria sobre a importância e a superioridade da indústria manufatureira para uma nação:

Mas uma nação que já cresceu consideravelmente em civilização, em aquisição de capital e em população, verá que o desenvolvimento de um poderio manufatureiro próprio é infinitamente mais benéfico à sua agricultura do que o comércio exterior mais florescente poderia ser sem tais manufaturas (...). (LIST, 1986, p.111).

Civilização avançada, capitais disponíveis e vasta população, eram, pois, quesitos essenciais para List, quando se tratava de desenvolvimento manufatureiro. Mas se, em um país, captação de capital e população numerosa é algo bastante inteligível, um pouco mais complexo é compreender o que representava exatamente, para o autor, um país de civilização avançada. Quando nos detemos mais apuradamente nesse quesito, percebemos que, ao dizer: “a nação que já cresceu consideravelmente em civilização” (1986, p.111), o economista estava se referindo a determinadas condições políticas, religiosas e morais de uma sociedade.
Essa questão é melhor explicitada por List no momento em que discorre sobre a história econômica da Inglaterra. Segundo o autor, poderiam ou não existir nos países duas espécies de forças produtivas: uma denominada força material; a outra, força moral. Essas duas categorias de forças produtivas, se unidas, formariam as bases para o desenvolvimento e progresso de qualquer nação. A Inglaterra, além de contar com a grande vantagem de possuir em seu território uma vasta população e capitais disponíveis (forças materiais), ainda tinha em seu favor um elemento muito importante: suas instituições liberais (forças morais).
List acreditava na importância da junção de elementos materiais com elementos morais para a criação de uma sociedade civilizada e próspera. Para ele, foi justamente essa conexão de elementos civilizadores, ou seja, fatores materiais e morais, que permitiram à Inglaterra o grande desenvolvimento de sua riqueza e sua enorme capacidade produtiva. Desse modo, não bastaria apenas a existência de recursos materiais dentro de um país, como capitais disponíveis e mão-de-obra abundante, sendo também necessário que existissem os fatores de ordem moral, como o amor pela liberdade, pela justiça, a energia do povo, a liberdade religiosa, enfim, as instituições liberais.
Esse raciocínio é confirmado à medida que List discorre sobre a importância da Reforma Protestante para a atração dos mais diversos imigrantes para a Inglaterra. A nação inglesa, por sua conduta tolerante, livre de fanatismos e radicalismos, atraiu para seu território uma legião de homens que, em seus países de origem, foram perseguidos e expulsos. Na maioria das vezes, esses homens eram grandes investidores, de modo que a Inglaterra atraiu para si uma leva de capitalistas manufatores que acabaram aumentando, ainda mais, seu poder industrial e comercial.

Ainda mais importante foram as imigrações de capital e de manufatores em conseqüência da Reforma protestante e das perseguições religiosas na Espanha, Portugal, França, Bélgica, Alemanha e Itália; (...). Cada movimento político, cada guerra ocorrida no continente europeu trouxe à Inglaterra grandes quantidades de capital e talentos novos, enquanto a Inglaterra possuía os privilégios da liberdade, o direito de asilo, tranqüilidade e paz interna, a proteção da lei e bem-estar geral. (LIST, 1986, p.43).

De acordo com List, foi exatamente nesse ponto que a Inglaterra se destacou dos demais países, já que, nessa nação, houve a junção de todos os quesitos importantes para a consolidação de uma indústria manufatureira. Além de ser um país com grandes riquezas e ter uma importante posição geográfica, a Inglaterra sempre se caracterizou como uma nação de instituições liberais e justas. As questões de caráter político, religioso e moral tiveram, para List, um peso muito importante para o extraordinário crescimento da riqueza na nação inglesa. Somente os elementos de ordem material não teriam dado conta desse resultado tão grandioso que a Inglaterra experimentou. Juntamente com esses elementos, vieram os estímulos de uma mentalidade inglesa que valorizava a individualidade e a liberdade.
É exatamente nesse ponto que percebemos a diferença entre o economista alemão e o estudioso brasileiro. Se em List havia a necessidade de um maior desenvolvimento de recursos materiais e, sobretudo, o avanço da civilização por questões morais na nação, para só assim se tornar viável o implemento industrial, em Maciel da Costa não há tal preocupação em determinar condições oportunas que garantam a sustentação do empreendimento manufatureiro.
Para Maciel da Costa, a condição do Brasil no início do século XIX – uma colônia deficiente de mão-de-obra, com ausência de recursos financeiros, carente de mercado interno, ainda nos primórdios da civilização – era adequada e propícia para o investimento industrial. O autor brasileiro, de forma geral, não via a situação social, política e econômica nacional como impedimento para a industrialização. Ao contrário, vimos que Maciel da Costa acreditava que a industrialização seria o agente modernizador da sociedade, capaz de transformar a condição tanto econômica como social do país.
Maciel da Costa não viu as circunstâncias históricas do Brasil, no início do século XIX, como desfavoráveis à implantação e ao desenvolvimento das fábricas de manufaturas. Também não visualizou a necessidade de etapas de desenvolvimento econômico a serem cumpridas, para posteriormente se iniciar a processo de industrialização, como List defendeu 20 anos depois. Para ele, a colônia já estava preparada para se tornar independente das nações européias e produzir os artigos que carecia adquirir do exterior. Bastava, para isso, que o Estado interviesse.
Diante disso, fica claro que, apesar de ambos os autores terem sido defensores do protecionismo estatal para a implementação da indústria nacional, havia uma disparidade entre eles a respeito do momento adequado à intervenção protecionista. Enquanto List tinha uma preocupação em relação ao momento oportuno para a ação do Estado, especificando o estágio exato em que deveria ocorrer a intervenção, elegendo capitais disponíveis, mão-de-obra e civilização avançada como fatores imprescindíveis para tornar positivo o procedimento industrial, Maciel da Costa não se prendia a esses elementos e tampouco os considerava relevantes para a viabilização ou não do processo de industrialização.
Depois de realizarmos a análise da tese nacionalista de List, destacando sua aproximação com o pensamento industrialista de Maciel da Costa, podemos constatar que, embora haja uma grande semelhança entre o pensamento político econômico de ambos os autores, há também pontos de distanciamento.
Como vimos, List foi um grande teórico do protecionismo industrial. Sua tese veio à luz para contestar a supremacia da economia política clássica que, a partir do final do século XVIII, vinha ganhando cada vez mais aceitação em todo o mundo. O protecionismo estatal, defendido pelo economista alemão, visava à conquista da independência econômica nacional por meio da implementação da indústria manufatureira no país. No entanto, a conquista de autonomia econômica, que só a industrialização seria capaz de proporcionar, deveria seguir um esquema de etapas econômicas sucessivas. Assim, a partir da conquista de um determinado nível de civilização e de captação de recursos dentro do país, o implemento industrial, por meio da proteção estatal, seria parte de um processo indispensável para o desenvolvimento econômico de qualquer nação.
Maciel da Costa, de forma precursora, defendeu a ação reguladora do Estado sobre a economia brasileira como forma legítima e necessária para o processo de industrialização nacional e consequente libertação do país da dependência estrangeira. Porém, o autor brasileiro não via a necessidade de uma adaptação das condições políticas, econômicas e sociais nacionais a uma circunstância mais favorável para a implantação e o progresso de fábricas manufatureiras. Para ele, a industrialização tornara-se uma espécie de ação urgente e imprescindível, única medida capaz de proporcionar desenvolvimento e independência econômica ao Brasil naquele momento histórico, assim como o elemento necessário para a modernização da sociedade.









CAPÍTULO III

PROTECIONISMO E LIBERALISMO: DUAS TESES PARA PROMOVER O DESENVOLVIMENTO DA INDÚSTRIA NACIONAL


Depois de realizarmos a análise das idéias industrialistas de José da Silva Lisboa (Visconde de Cairu) e de João Severiano Maciel da Costa (Barão de Queluz), acreditamos ser necessário ponderar as distintas visões acerca do processo de industrialização nacional para que possamos fazer um balanço comparativo entre as duas opiniões.
No primeiro capítulo de nosso trabalho, vimos que, para Cairu, a melhor opção que o governo brasileiro teria em matéria de desenvolvimento econômico e social seria a adoção de uma política liberal que permitisse uma industrialização de forma natural e gradativa. Segundo esse economista, o Brasil, no início do século XIX, não possuía as condições básicas necessárias para o desenvolvimento de sua indústria, por isso, a tentativa de forçar esse processo resultaria em um grande prejuízo para a economia nacional.
No segundo capítulo, fizemos uma análise do pensamento industrialista de Maciel da Costa e constatamos que, para ele, o desenvolvimento da indústria no Brasil dependia diretamente da intervenção do Estado na economia. De acordo com esse autor, o início do século XIX era o momento oportuno para se iniciar o processo de industrialização nacional. Mas, para que isso ocorresse, era necessário que o governo adotasse uma política econômica que protegesse as indústrias nascentes.
Ao realizarmos a apreciação de ambas as teses, vislumbramos um embate entre Liberalismo e Protecionismo. Enquanto o primeiro apostava no livre curso dos acontecimentos para promover o desenvolvimento da nação, com os estímulos proporcionados pelas regras de mercado, o segundo defendia a intervenção do Estado na economia, como a forma mais apropriada para implementar as fábricas no Brasil.
Neste momento, voltar-nos-emos, mais uma vez, para as obras usadas como fontes de nosso estudo. No entanto, agora inverteremos a ordem das análises. Iniciaremos este terceiro capítulo com o discurso produzido por João Severiano Maciel da Costa, para posteriormente discutirmos a posição de José da Silva Lisboa.
Como vimos anteriormente, em Memória sobre a necessidade de abolir a introdução dos escravos africanos no Brasil..., Maciel da Costa acreditava que a industrialização, no início do século XIX, representava a maneira mais adequada de promover o desenvolvimento econômico do Brasil. Para ele, a predominância da agricultura estava comprometendo seriamente o progresso da colônia brasileira; desse modo, visualizou, no projeto de industrialização, uma oportunidade de diversificar e modernizar a economia nacional.
Entretanto, Maciel da Costa entendia que somente por meio do sistema protecionista é que a indústria nascente seria capaz de se desenvolver e se tornar competitiva. Seu discurso se posicionava contra a argumentação da Economia Política Clássica, que defendia a liberdade das trocas comerciais internacionais como forma legítima e segura de promover o desenvolvimento econômico das mais diversas nações do mundo.
Como já apontamos, Maciel da Costa foi um dos precursores do pensamento protecionista no Brasil. Sua obra Memória, publicada em 1821, além de evidenciar os malefícios que o tráfico de escravos acarretava ao país naquele momento, buscou demonstrar que o processo de industrialização nacional, a partir da adoção de uma política protecionista, era uma política necessária para o maior desenvolvimento e a prosperidade da colônia brasileira.
Nessa direção, o primeiro argumento usado pelo autor para legitimar seu posicionamento de defesa em relação ao protecionismo industrial se apresentou com a idéia de que “uma grande nação puramente agrícola e por conseqüência escrava de outras mais avançadas, no que toca à indústria, é um ente imaginário, porque não pode haver sólida grandeza sem indústria e comércio” (1988, p.13). Para o autor, a indústria se configurava como uma aliada da agricultura na busca pelo progresso nacional: “onde a agricultura não for apoiada e sustentada por uma indústria proporcionada e progressiva será sempre mesquinha e precária, e as nações que se derem exclusivamente a ela não avançarão nem em riqueza, nem em força, nem em civilização.” (1988, p.23). Sendo assim, Maciel da Costa via a indústria como um setor da economia que servia como base de sustentação para a progressiva prosperidade da agricultura e da sociedade de forma geral. Sem a indústria local desenvolvida, o comércio exterior, com base na exportação de produtos agrícolas, não seria capaz de atingir um nível maior de prosperidade e desenvolvimento nacional, porque este estaria sempre inferiorizado em relação a países desenvolvidos industrialmente.
O outro elemento usado pelo autor, como legitimador da política protecionista para a promoção da indústria nacional, estava relacionado à possibilidade de a agricultura, como setor econômico exclusivo, ocasionar um excesso de produção e, com isso, gerar um colapso na economia brasileira quase que unicamente exportadora de produtos agrícolas. Maciel da Costa mostrava-se aflito com a possibilidade de conflitos internacionais ou, então, com uma crise de superprodução, que poderia gerar um refluxo no mercado consumidor dos produtos brasileiros. Diante dessas ameaças atormentadoras, ele se perguntava:

Será, porventura, essa a prosperidade agrícola que nos convém? (...) Serão os estrangeiros os únicos consumidores que devemos dar-lhe? Uma guerra ou qualquer mudança na economia das nações consumidoras dos nossos produtos não poderão arruinar subitamente a nossa cultura? (COSTA, 1988, p.24).

E questionava, ainda, se com essa possível situação adversa,

Não seremos então forçados a procurar uma nova direção aos capitais e trabalhos nacionais, e por meio de sacrifícios e desordens que acarreta infalivelmente um tal estado de coisas? (LISBOA, 1988, p.24).

É natural que Maciel da Costa expressasse tais preocupações naquele momento, pois ele tinha ainda muito recentes na memória dois episódios que davam legitimidade às suas aflições. O primeiro estava relacionado ao chamado Bloqueio Continental decretado por Napoleão Bonaparte, resultado de uma ocasião de grandes transformações e de grandes rivalidades entre as potências da época; o segundo exemplo se dava com o caso da Inglaterra, que havia enfrentado, em 1815, uma crise de excesso de produção no setor têxtil. Por esses motivos, não é de estranhar que o autor estivesse prevenido contra um sistema produtivo tão sujeito às oscilações dos fluxos e refluxos do comércio mundial. Ele estava aflito com a particular dedicação do Brasil à agricultura e com as consequências que tal ramo de produção exclusivo poderia ocasionar à economia brasileira. Nesse ponto, fica claro o papel que Maciel da Costa reservava para a indústria nacional: a opção necessária para a diversificação e modernização da produção nacional.
Mas para que essa diversificação se tornasse real, através do processo de industrialização da colônia brasileira, era necessário que o Estado implementasse uma política de proteção às fábricas nascentes. Ele entendia que a indústria incipiente não poderia se desenvolver e se tornar competitiva frente ao mercado mundial sem a ajuda estatal. Por isso, conclamava:

É para salvar a indústria nacional, ainda nascente, contra a concorrência da estrangeira que devem servir as alfândegas, ou impostos diretos bem calculados que, sem destruir a emulação entre os produtores nacionais e estrangeiros, dêem mais facilidades aos primeiros que aos segundos (...). É para salvar a indústria nacional, ainda nascente, que o governo deve estar continuamente de atalaia para procurar-lhe todas as comodidades e facilidades possíveis. (COSTA, 1988, p.25).

Maciel da Costa deixava evidente sua discordância quanto ao discurso difundido pelos pensadores liberais de que era mais vantajoso para o Brasil comprar produtos manufaturados estrangeiros do que fabricá-los aqui, “pela razão de nos faltarem os meios de obtê-los tão bons e baratos.” (1988, p.24). Para ele, era justamente por esse motivo, isto é, pela ausência das mesmas facilidades de produção das quais os países europeus dispunham que o governo brasileiro deveria adotar o sistema de proteção à indústria nascente. Em sua visão, a implementação da indústria nacional era do extremo interesse geral da nação, por dois motivos elementares:

(...) primeiro, não pode ser indiferente para o bem da população, riqueza e civilização nacionais que paguemos a estrangeiros, ainda mesmo com produtos de nossa agricultura, os salários e benefícios industriais que podiam ficar em mãos dos nossos compatriotas; segundo, porque há uma suma desigualdade de interesses em oferecer matérias brutas para recebê-las manufaturadas - as primeiras conservam um preço quase constante e dão, por conseqüência, um proveito estacionário e muitas vezes retrógrado, e as manufaturas triplicam, decuplam de valor por causa da indústria. (COSTA, 1988, p.25)

Maciel da Costa, que na citação acima carrega traços do pensamento mercantilista, acreditava que havia uma desigualdade na distribuição da riqueza quando um país trocava matéria bruta por mercadorias manufaturadas. Esse tipo de intercâmbio, em sua visão, favorecia sempre o país manufatureiro em detrimento do país agrícola pelo fato de ocorrer, no processo de industrialização, uma agregação de valor muito alta ao produto. Como veremos logo adiante, essa concepção de troca é exatamente contrária ao que foi defendido por Smith no livro terceiro de A Riqueza das Nações, tendo sido, posteriormente, assimilada por Cairu aqui no Brasil.
Maciel da Costa também fez críticas ao que considerava uma intransigente defesa dos interesses dos consumidores pelos liberais. Para ele, a situação natural que se estabeleceria como conseqüência da adoção das medidas protecionistas, ou seja, o “inconveniente de comprarem os consumidores nacionais, mercadorias menos boas e menos baratas das nossas fábricas não pode ser senão passageiro” (1988, p.25). O autor entendia que

(...) ter em vista exclusivamente o bem do consumidor, procurando que eles não comprem senão o melhor e mais barato, importando pouco que o benefício passe a estrangeiros ou nacionais, é manifestadamente tomar a questão tão importante e de tão vastos resultados por um só lado. (COSTA, 1988, p.26).

Em sua visão, o Estado, ao adotar o sistema protecionista como forma de dar impulso à indústria nacional, estaria, na realidade, buscando o interesse coletivo: o interesse da nação. Por isso, acreditava que os liberais, que propagavam a idéia de que o sistema protecionista era injusto com os consumidores, não estavam defendendo os futuros interesses nacionais, mas tão somente estavam preocupados com questões imediatas. Nesse sentido, questionava:

(...) se o governo empregar os meios possíveis para adiantar os conhecimentos auxiliares, de maneira que possamos exceder ou igualar as outras nações ou ao menos marchar a pouca distancia delas, não desaparecerão esses sacrifícios, que tanta bulha fazem na cabeça dos exagerados amigos dos consumidores? (COSTA, 1988, p.26).

As passagens acima ilustram de forma bastante clara como Maciel da Costa via a situação do consumidor frente à adoção do sistema protecionista. Para ele, a questão consistia em um sacrifício temporário, isto é, os consumidores teriam de encarar o fato de comprarem mercadorias mais caras e de pior qualidade como um mal necessário para o desenvolvimento da nação. Portanto, os fins justificariam os meios, já que Maciel da Costa acreditava que a produção nacional, se recebesse o auxílio adequado do Estado, equiparar-se-ia em qualidade e em bons preços com os produtos estrangeiros. Seria apenas uma questão de tempo.
Além do mais, Maciel da Costa não via grandes obstáculos para a implementação da indústria no Brasil. Diferentemente de Cairu, ele não acreditava que inexistiam as condições necessárias para a instalação e o progresso das fábricas manufatureiras em nosso território:

Não vemos porque motivo não poderemos fabricar excelentes panos de lã, algodão, linho e seda; que profundos conhecimentos nos faltem para extrair, preparar e fundir o ferro das riquíssimas minas que temos; para fundar cordoarias dos muitos e variados gêneros naturais de que abundamos; para fabricar chapéus, lonas, brins; para preparar breu, alcatrão e aproveitar infinitas gomas e resinas e, enfim, outros muitos produtos de consumo geral e de fácil manipulação. Mas quando nos faltem meios e mestres, por que os não mandaremos vir dos estrangeiros? (COSTA, 1988, p. 25-26)

Sabemos que as idéias industrialistas desenvolvidas por Maciel da Costa são, em boa parte, respostas dadas ao que Cairu havia defendido alguns anos antes, nas obras Observações sobre o comércio franco no Brasil (1808-1809) e Observações sobre a franqueza da indústria e estabelecimento de fábricas no Brasil (1810). Nessas duas obras, como vimos, Cairu criticou a criação de privilégios e monopólios como forma de fomentar a indústria nacional. Para ele, a ausência de capitais de investimento, carência de mão-de-obra, deficiência de mercado interno etc., tornaria a indústria nacional, se criada no início do século XIX, um oneroso e antieconômico setor de produção. Por isso, Cairu foi contra a industrialização forçada naquele momento. Para ele, o desenvolvimento da indústria, no Brasil, deveria respeitar o curso natural da evolução econômica e social da região e ocorrer de forma gradativa, sem adoção de monopólios e privilégios exclusivos.
Cairu acreditava que se houvesse a introdução forçada de fábricas no Brasil, inevitavelmente, tal fato produziria um desvio dos capitais já implantados na agricultura, que estavam bem arraigados e eram a garantia da receita pública. Além disso, a idéia de tornar a colônia independente do mercado estrangeiro era altamente nociva à economia nacional, no sentido de que repelia os importantes compradores dos gêneros agrícolas brasileiros.

O comércio não é mais que o câmbio de equivalentes. Quanto mais uma nação pode oferecer maior quantidade e variedade de equivalentes frutos de sua terra e indústria, tanto mais as outras acharão mais facilidade de efetuarem com ela o troco recíproco de suas respectivas produções, e serão em conseqüência animadas a prosseguir o seu próprio capital, para ulteriores operações da geral energia. (LISBOA, 2001, p.77)

Assim, ao pretender forçar o desenvolvimento das fábricas, o Brasil acabaria perdendo em dois momentos: desviando recursos e capitais de setores econômicos que lhe eram mais competitivos, isto é, da especialidade natural que a região possuía: a agricultura; e exportando menos seus produtos tropicais, que eram, sem dúvida, as mais importantes fontes de renda. Mas além desses dois fatores, que, por si sós, já tornariam bastante inconvenientes a introdução artificial das fábricas de manufaturas na colônia, ainda existia outro elemento: a injustiça de forçar os consumidores nacionais a adquirirem produtos mais caros e de pior qualidade, em nome da pretensão de estabelecer fábricas de superior ordem em um momento histórico inoportuno para tal empreendimento.
Vemos, assim, que Cairu tinha uma visão completamente distinta daquela que foi difundida por Maciel da Costa quanto aos embaraços que os consumidores sofreriam com a adoção do sistema protecionista no Brasil. Se para este, a situação não passava de um “sacrifício temporário” ao qual todo indivíduo patriota deveria se submeter, resignadamente, visando ao bem geral da nação, Cairu acreditava que não se tratava de “patriotismo, mas barbarismo, forçar os nacionais a comprar o que precisam mais caro e pior aos fabricantes do país, excluindo importadores estrangeiros” (1999, p.101-102).
Segundo Cairu, a proibição de determinados produtos estrangeiros em território nacional só prejudicava a regra da reciprocidade comercial, pois quanto mais poderosas eram

(...) as nações agravadas com proibições de exportação de suas mercadorias, tanto os seus governos costumam reciprocar o dano, com represárias econômicas e hostis mais severas. Eis a que se reduzem os efeitos das proibições por considerado patriotismo. (LISBOA, 1999, p.104).

Nessa perspectiva, se o comércio internacional fosse interrompido – por pretensões nacionais de tornar a colônia independente do suprimento de certas mercadorias estrangeiras – a nossa economia, certamente, sofreria muito mais do que a dos países europeus, porque “o tênue lucro das fábricas forçadas por privilégios, e proibições, não contrabalançaria o incomparavelmente superior dano da diminuição dos ramos estabelecidos da nossa indústria rural.” (1999, p.106).
Além do mais, Cairu considerava ser um grande mito a idéia de que as mercadorias manufaturadas geravam muito mais lucros do que os produtos em estado bruto, como alegavam os defensores do sistema mercantilista. Ele explicava que “as fábricas de superior ordem, e menos propriamente associadas à agricultura, requerem muito mais capital do que as vizinhas e promotoras da agricultura, e do comércio do produto rude, para darem o mesmo redito ao empregador” (1999, p.112). Essa questão ficaria ainda mais evidente em se tratando de uma região fértil e com um vasto território, como era o caso do Brasil.
Adam Smith, no livro terceiro de A riqueza das nações (1776), explicou essa questão da seguinte forma: a troca de produtos em estado bruto por produtos manufaturados é sempre uma troca justa de benefícios equivalentes, pois uma região oferece à outra aquilo que é de seu excedente produtivo e, em troca, recebe aquilo que lhe é de grande utilidade e de sua maior satisfação.

Os ganhos dos dois são mútuos e recíprocos, sendo que a divisão do trabalho e de tarefas, nesse como em outros casos, traz vantagem para todas as ocupações em que se subdivide o trabalho. Os habitantes do campo compram da cidade uma quantidade maior de bens manufaturados, com o produto de uma quantidade muito menor de seu próprio trabalho, do que teriam que executar se tentassem eles mesmos transformar essa sua produção bruta. A cidade proporciona um mercado para o excedente de produção do campo, vale dizer, para aquilo que ultrapassa o necessário à manutenção dos agricultores, sendo na cidade que os habitantes do campo trocam esse excedente por coisas que lhes fazem falta. (SMITH, 1983, p.321)

Esse exemplo usado por Smith, mostrando as vantagens para ambas as partes envolvidas no comércio entre a cidade e o campo, serve também para a compreensão da equivalência das trocas no comércio internacional entre regiões mais desenvolvidas e as que ainda estão em desenvolvimento. O fundamental dessa teoria encontra-se naquilo que cada região distinta poderia se beneficiar, mediante a troca de suas diferentes produções, ou seja, o benefício mútuo que cada região particular estaria auferindo ao praticar a troca de seus diferentes produtos.
Mas, além de um elemento de beneficiamento recíproco, a troca de produtos de subsistência pelos artigos manufaturados era a própria razão de existência das indústrias. Smith esclareceu que isso acontecia porque a subsistência sempre foi a maior prioridade da produção humana. Com efeito, a indústria manufatureira apenas passou a existir a partir do excedente da produção agrícola que atendia às necessidades elementares do homem:

É somente o excedente da produção do campo, isto é, o que vai além do necessário para a manutenção do pessoal do campo, que constitui a subsistência da cidade, a qual, pois, só pode crescer na medida em que aumentar o excedente da produção do campo. (SMITH, 1983, p. 322).

Em Smith, fica, portanto, absolutamente clara a importância do desenvolvimento agrícola para o progresso de uma sociedade. De acordo com sua tese, sem o avanço e melhor cultivo das terras, as indústrias manufatureiras simplesmente não existiriam, visto que, no curso natural de todas as coisas, a riqueza progressiva e o desenvolvimento das sociedades eram sempre “conseqüência da melhoria e do cultivo da região ou do país, sendo também proporcional a essa melhoria e a esse cultivo.” (1983, p. 323).
Por esse motivo, a agricultura sempre se constituiu como o meio mais racional e sólido de promover o desenvolvimento e a riqueza de uma nação. Para Smith, era a agricultura que gerava as bases para os demais seguimentos da economia, por isso, ao traçar o quadro da marcha da Europa em direção ao capitalismo manufatureiro, apontou que essa marcha foi demasiadamente lenta, justamente porque a política econômica adotada pelos reinos e pelas cidades européias privilegiava a manufatura e o comércio, em detrimento da agricultura.

Assim é que, na maior parte da Europa, o comércio e as manufaturas das cidades, ao invés de serem efeito do aprimoramento e do cultivo do campo, foram sua causa. Todavia, pelo fato dessa evolução contrariar o curso natural das coisas, ela é necessariamente lenta e incerta. Compare-se o progresso lento dos países europeus, cuja riqueza depende muito do comércio e das manufaturas, com o rápido avanço das nossas colônias norte-americanas, cuja riqueza está totalmente baseada na agricultura. Através da maior parte da Europa, supõe-se que para duplicar o número de habitantes requer-se nada menos do que 500 anos. Em várias de nossas colônias norte-americanas, ao contrário, constata-se que ela duplica em 20 ou 25 anos. Na Europa, a lei da primogenitura e direitos perpétuos de todos os tipos impedem a divisão das grandes propriedades rurais, e com isso dificultam a multiplicação de pequenos proprietários. (SMITH, 1983, p.351)


Dentro do esquema de comércio internacional, nas regiões novas,

(...) a compra e o aprimoramento da terra não cultivada constituem a aplicação mais rentável, tanto para os capitais menores como para os maiores, sendo também o caminho mais direto para se conseguir toda a fortuna e renome a que se possa aspirar no país. (1983, p. 352).

Segundo Smith, a agricultura seria sempre o setor de investimento em que haveria a maior estabilidade do capital investido, assim como o meio mais seguro e rentável de obter lucros.

(...) o capital que um país adquire por meio do comércio e das manufaturas constitui uma posse muito precária e incerta, enquanto parte dele não tiver sido assegurada e não for aplicada no cultivo e na melhoria de suas terras. Tem-se afirmado, com muita propriedade, que um comerciante não é necessariamente um cidadão de determinado país. Em geral lhe é indiferente onde ele estabelece o seu comércio; basta um pequeno desgosto para levá-lo a transferir seu capital de um país para outro e, com seu capital, todo o trabalho ao qual dá apoio. Pode-se dizer que nenhuma parcela do capital do comerciante pertence a um determinado país, enquanto esse capital não se espalhar pelo país, sob a forma de construções ou de duradoura melhoria da terra. (SMITH, 1983, p. 353-354).

Por todos esses motivos, Smith não concebia verdade alguma na idéia de que os países agrícolas, ao realizarem comércio com as nações industrializadas, saíam prejudicados nas trocas. Ao contrário do que essa teoria mercantilista pregava, Smith acreditava que uma nação, ao se empenhar em cultivar e melhorar cada vez mais suas terras, estava seguindo o curso natural de seu desenvolvimento e, consequentemente, estaria caminhando na direção mais certa e segura para atingir seu máximo progresso e riqueza.
Cairu, como sabemos, foi um defensor aqui no Brasil dessa lógica da “evolução natural da riqueza” que Smith identificava com o desenvolvimento e aproveitamento máximo da agricultura. Para o economista brasileiro, a maior prosperidade e desenvolvimento da nossa economia sempre estiveram relacionados com o melhor beneficiamento possível da agricultura e, acima de tudo, com a máxima desobstrução de todas as barreiras que pudessem impedir a comercialização dos nossos produtos.
Para Cairu, não havia desigualdade ou injustiça nas relações comerciais estabelecidas entre produtos agrícolas e artigos manufaturados. Segundo ele, a legitimidade e justiça das trocas internacionais estariam na seguinte lógica do comércio:

(...) os estrangeiros nos oferecem mercadorias que carecemos, gostamos, e preferimos; nós ofertamos as mercadorias, que eles carecem, gostam e preferem. Nisto necessariamente há troco de valor por valor, igual nas respectivas circunstâncias. (LISBOA, 1999, p.113).

Com efeito, essa seria “a verdadeira balança de comércio, e reciprocidade de justos interesses de quaisquer países comerciantes (...) visto que cada país (...) tem os réditos proporcionados a seus capitais, braços, e recursos” (1999, p.113). Logo, cada região, produzindo aquilo que era referente ao seu estágio de desenvolvimento natural, auferia maior benefício e equidade nas relações comerciais, ao trocarem seus produtos pelos mais variados artigos e produções dos mais diversos lugares.
Para Cairu, a questão não se tratava de quem perdia ou quem ganhava no comércio realizado entre regiões de diferentes seguimentos de produção, mas o que estava em foco era a circunstância histórica, que permitia ou não o desenvolvimento de determinado ramo da economia em uma sociedade.

(...) para se terem muitas e perfeitas manufaturas, é necessário que no país se tenham desenvolvido muitos e superiores graus de inteligência, pelo progresso da população, e pela rivalidade de êmulos competidores em cada rama e divisão de trabalho (LISBOA, 1999, p.44).

Por isso, os países que se encontravam em um estágio inicial de seu desenvolvimento econômico e especialização do trabalho, como era o caso do Brasil, estariam mais propensos aos setores da economia relacionados à agricultura, mineração, náutica, etc.
Segundo o autor, seria “extravagante, que estando-se e, por assim dizer, nos andares inferiores da civilização, pretendam os países de poucos braços e fundos abarcar as indústrias das nações já célebres pela sua antiguidade e opulência” (1999, p.57). Para Cairu, o correto, naquele momento, seria que o Brasil se preocupasse apenas com suas necessidades imediatas, ou seja, “manufaturas de estradas e de canais navegáveis; manufaturas de casas, e mais benfeitoras rurais e urbanas; manufaturas mais proximamente associadas à agricultura e navegação” (1999, p.100). E, assim,

(...) com extensa e bem entendida agricultura, e tendo tantas e tão boas matérias primeiras, podemos ter, pouco a pouco, gradualmente, e em devidos tempos, muitas e indígenas fábricas, sem desviar capitais das direções mais úteis, nem fazer desnecessária concorrência às da Europa. (LISBOA, 1999, p.100-101).

Cairu estava defendendo uma forma de industrialização com bases sólidas. Uma industrialização que ocorresse como parte da evolução natural de nossa economia a partir do máximo desenvolvimento da agricultura. Segundo ele, dessa forma, o Brasil conquistaria uma indústria capaz de se desenvolver e progredir de forma autônoma e segura sem a “ajuda” de tarifas protecionistas que, em sua opinião, serviam, unicamente, para criar um setor econômico parasitário, desprendido do ciclo natural da evolução das sociedades.
Se fizermos uma leitura atenta de alguns dos principais nomes da nossa tradicional historiografia, percebemos que tal tese de Cairu é, inclusive, reconhecida por ela. Podemos usar o exemplo de Celso Furtado e Caio Prado Junior – que são importantes nomes da nossa historiografia e considerados defensores do nacional desenvolvimentismo – para ilustrar a coerência da tese cairuniana sobre inviabilidade da industrialização nacional no início do século XIX no Brasil.
Celso Furtado, em sua obra Formação Econômica do Brasil, discutiu amplamente a questão da inexistência de bases técnicas para o desenvolvimento da indústria no Brasil do início do século XIX. Nessa obra, Furtado argumentou que, sem o mercado exportador, seria impraticável o desenvolvimento da economia brasileira naquele período porque, simplesmente, inexistiam as bases técnicas para a produção industrial em nosso país. A implantação da indústria no Brasil, naquele momento, necessitava obrigatoriamente do apoio de um mercado importador crescente: “Fomentar a industrialização nessa época, sem o apoio de uma capacidade para importar em expansão, seria tentar o impossível num país totalmente carente de base técnica.” (2000, p. 111).
Furtado entendia que as condições para o desenvolvimento da indústria nacional, no século XIX, não se dariam por si só. Seria necessária uma série de elementos que proporcionassem a base para a implantação e prosperidade das indústrias dentro do país. Somente com bases bem arregimentadas e reais condições de produção e de demanda no país, é que se tornaria possível o desenvolvimento da manufatura no Brasil.

As iniciativas de indústria siderúrgica da época de Dom João VI fracassaram não exatamente por falta de proteção, mas simplesmente porque nenhuma indústria cria mercado para si mesma, e o mercado para produtos siderúrgicos era praticamente inexistente. O pequeno consumo do país estava em declínio com a decadência da mineração, e espalhava-se pelas distintas províncias exigindo uma complexa organização comercial. A industrialização teria que começar por aqueles produtos que já dispunham de um mercado de certa magnitude, como era o caso dos tecidos, única manufatura cujo mercado se estendia inclusive à população escrava. (FURTADO, 2000, p. 111)

Segundo Furtado, diante das condições existentes no Brasil no início do século XIX, a aposta no comércio internacional era a mais sensata e palpável opção que restava ao país. Como ele próprio assinalou, “desenvolvimento com base em mercado interno só se torna possível quando o organismo econômico alcança um determinado grau de complexidade, que se caracteriza por uma relativa autonomia tecnológica” (2000, p.115-116).
O autor reconhecia, assim, que não existia, em tal momento histórico, um mercado interno capaz de dar respaldo para a implantação de uma política industrialista que visasse a substituição das importações. Além da carência de mercado consumidor, existiam, ainda, os problemas da escassez de capitais e a deficiência da mão-de-obra no Brasil. Furtado admitia, desse modo, que a agricultura consistia no único setor de produção com bases sólidas no país.

Com efeito, a terra era o único fator de produção abundante no país. Capitais praticamente não existiam e a mão-de-obra era basicamente constituída por um estoque de pouco mais de dois milhões de escravos, parte substancial dos quais permaneciam imobilizados na indústria açucareira ou prestando serviços domésticos. (FURTADO, 2000, p.117-118)

Para Furtado, a questão da mão-de-obra no Brasil é um elemento de fundamental importância para que possamos compreender a dificuldade que existiu no país para fomentar a indústria nacional. Segundo ele, a escravidão significava um empecilho muito grande para a economia do país, quando se visou à implantação de outro ramo econômico além da agricultura. A inelasticidade da mão-de-obra escrava sempre representou um entrave para uma possível diversificação de nossa produção. Conforme o autor, dentre os elementos de impedimento da nossa industrialização no passado, esse teria sido um dos mais relevantes.
Caio Prado Junior, em sua História econômica do Brasil, defendeu a idéia de que o Tratado de Amizade de 1810, que passou a taxar os produtos ingleses em apenas 15% ad valorem, foi o grande entrave para a nossa industrialização. Segundo ele, com esse acordo, o Brasil teria abortado o nascimento de suas fábricas, pois a taxação reduzida tirava de nossas indústrias os meios de competir com os produtos estrangeiros, deixando impraticável a produção nacional, perante a invasão dos manufaturados ingleses, muito superiores em qualidade e de preço inferior.
No entanto, Caio Prado admite que, no início do século XIX, período em que ocorre o referido fato, o Brasil não havia adquirido ainda as condições necessárias para a implantação e o progresso das manufaturas:

Além das condições gerais que embaraçavam o progresso industrial do Brasil, ocorrem circunstâncias específicas que dificultam sobremaneira o estabelecimento da indústria moderna no país. Em primeiro lugar, a deficiência das fontes de energia. (...) Além da deficiência de energia, faltou a Brasil outro elemento fundamental da indústria moderna: a siderurgia. (PRADO, 1998, p.257-258).

E, analisando as circunstâncias práticas para o estabelecimento de manufaturas no Brasil, o autor pontuou:

Mas o que sobretudo dificultava o estabelecimento da indústria moderna no Brasil era a deficiência dos mercados consumidores, cuja amplitude encontra na população em larga escala, que caracteriza a maquinofatura, uma condição essencial que nada pode suprir. A situação brasileira, neste particular, era a mais inconveniente. O nível demográfico e econômico do país e o padrão de vida de sua população eram ínfimos. Isto ainda se agravava pela estrutura compartimentada das diferentes regiões brasileiras, largamente separadas umas das outras e desarticuladas pela falta de transportes. (PRADO, 1998, p.258)

Além da deficiência de recursos energéticos e da falta de mercado interno, Caio Prado assinalou também que a mão-de-obra brasileira, naquele momento, era deficiente porque não tinha a mesma capacitação e especialização que a dos países da Europa, por exemplo. Essa idéia é ainda confirmada por Caio Prado, quando ele aponta que a vinda dos imigrantes para o Brasil, particularmente no final do século XIX, foi um fator muito importante para o nosso desenvolvimento industrial, já que, a partir desse momento, o Brasil passou a ter acesso à habilitação e técnica do trabalhador europeu.
Vemos, portanto, que Caio Prado Jr. ao mesmo tempo em que condenava veementemente o tratado de 1810, como sendo responsável pelo nosso atraso industrial, também admite que nosso país, no início do século XIX, não havia reunido ainda as condições necessárias para dar início ao processo de industrialização. Assim, embora o autor afirme que o tratado de 1810 tenha sido um ato de “abortamento” de nossas indústrias, também visualiza o fato de ter sido impraticável a industrialização nacional naquele momento, por questões de insuficiência de recursos materiais e condições estruturais inadequadas.
Caio Prado tanto percebe o problema da falta de bases estruturais para o desenvolvimento de fábricas no Brasil, no início do século XIX, que existe, em sua obra, a alusão de que houve, em nossa história, um momento em que o setor industrial foi transformado em um setor fictício. Segundo ele, com a adoção da política protecionista no Brasil, em 1844, criou-se uma indústria completamente fictícia, pois as tarifas protecionistas agravaram, ainda mais, a situação brasileira, no sentido de que tiraram da indústria incipiente o estímulo e a concorrência externa, tornando as fábricas nacionais pacíficas e acomodadas. E isso, é claro, resultou em prejuízo para a nação, como o próprio autor apontou:

A maior parte das indústrias brasileiras viverá parasitariamente das elevadas tarifas alfandegárias e da contínua depreciação cambial. Não terá havido para elas a luta pela conquista e alargamento de mercados que constitui o grande estímulo das empresas capitalistas, e o responsável principal pelo progresso vertiginoso da indústria moderna. Pode-se dizer que os mercados virão a elas, num apelo à produção interna de artigos que a situação financeira do país impedia que fossem comprados do exterior. Quanto à concorrência entre os diferentes produtores nacionais, ela sempre será pequena porque o campo era grande demais, e os recursos deles reduzidos para empreendimentos de vulto e aspirações de envergadura. Os industriais brasileiros viverão em família; família pacífica em que fraternalmente se repartem as oportunidades. (PRADO, 1998, p.262).

Se na segunda metade do século XIX, criou-se uma situação artificial da indústria brasileira a partir da adoção da política protecionista, como Caio Prado Jr. assinalou, acreditamos que o fato teria sido ainda mais grave para a economia nacional, se o governo houvesse forçado a industrialização no início do mesmo século, através do sistema protecionista.
Mesmo quando confrontamos as idéias industrialistas de Cairu com os argumentos de Georg Friedrich List, sua tese não perde legitimidade. Ao contrário, vemos que o pensamento industrialista de Cairu é coerente, até mesmo com os princípios desenvolvidos pelo grande defensor internacional do protecionismo industrial.
Como vimos anteriormente, em meados do século XIX, foi desenvolvida por List uma teoria para o desenvolvimento econômico das nações, que se baseava em etapas econômicas sucessivas. Para esse estudioso alemão, os mais diversos países de todo o mundo se desenvolviam, mediante fases econômicas que eram superadas através da ação indutora do Estado. Diferentemente dos principais economistas de sua época, List não acreditava que o desenvolvimento de uma nação poderia ocorrer naturalmente; por isso, sua obra esteve voltada para o objetivo máximo de determinar as formas de induzir o progresso nacional, que ele identificava com a criação de um parque industrial estável.
Mas, para List, a intervenção estatal deveria acontecer em um estágio específico da evolução econômica de uma nação, isto é, a política protecionista, como parte de um projeto de desenvolvimento industrial, tinha um momento exato para ser aplicada. Isso porque List acreditava existirem, de maneira geral para todas as nações, três distintas fases no processo de desenvolvimento econômico nacional: 1) estágio de barbárie; 2) estágio intermediário e 3) estágio de opulência industrial:

Finalmente, a História ensina-nos que as nações dotadas pela Natureza de todos os recursos necessários para atingirem o mais alto grau de riqueza e poder podem e devem, sem comprometer os objetivos que visam, modificar seus sistemas de acordo com o estágio de seu próprio progresso; no primeiro estágio, adotando comércio livre com nações mais adiantadas como meio de saírem elas mesmas de um estado de barbárie e para fazerem progresso na agricultura; no segundo estágio, promovendo o crescimento das manufaturas, da pesca, da navegação e do comércio exterior, adotando restrições ao comércio; e no último estágio, após atingirem o mais alto grau de riqueza e poder, retornando gradualmente ao princípio do comércio livre e da concorrência sem restrições, tanto no mercado interno como no mercado internacional, de maneira que seus agricultores, comerciantes e manufatores possam ser preservados da indolência e estimulados a conservar a supremacia que adquiriram. (LIST, 1986, p.86).

O autor entendia que, quando uma nação se encontrava no estágio mais primitivo de seu desenvolvimento econômico, ou seja, na fase da barbárie, era necessária a adoção de uma política de liberdades comerciais, como forma de dar impulso à sua agricultura e também vazão aos seus produtos de exportação. Mas, no momento em que uma nação passava a conquistar os elementos essenciais para dar aporte ao processo de industrialização, a mesma teria necessidade de adotar o sistema protecionista, como forma de impulsionar seu desenvolvimento econômico.
É possível entendermos, desse modo, que a partir do momento em que há em uma nação as condições exatas para dar impulso ao processo de industrialização, a política protecionista passa a ser identificada, por List, como uma medida imprescindível, sem a qual não é possível produzir um maior desenvolvimento econômico dentro da nação.
Para esse autor, a evolução econômica de uma região passava, necessariamente, pela adoção tanto da política liberal como da protecionista, variando conforme o estágio econômico no qual a nação se encontrasse. Assim, dependeria apenas da atitude correta do governo para que ocorresse, em uma região, o processo de desenvolvimento industrial. Bastaria que o governo soubesse intervir no momento exato para que sua economia avançasse de estágio econômico e, com isso, se tornasse independente do comércio exterior.
Mas o que queremos explicitar, neste momento de nosso trabalho, é exatamente a questão em que List aponta a necessidade de haver determinados quesitos para a viabilização do implemento industrial nacional, a partir da adoção da política protecionista.
Já evidenciamos que List indicava dois fatores como elementos fundamentais para o desenvolvimento da riqueza de uma nação: as forças materiais e as morais. De acordo com o autor, esses dois fatores deveriam agir de forma simultânea em uma sociedade para que seu progresso acontecesse. Somente as condições materiais, isto é, as condições físicas, não seriam capazes de proporcionar o avanço econômico no país, pois “o espírito de empresa, de comércio e de indústria só lança raízes em um solo onde reina liberdade religiosa e política; o ouro e a prata só permanecem onde a indústria sabe como atrair e empregar esses bens” (1986, p. 46).
Assim, os quesitos necessários para a implantação da indústria em solo nacional seriam tanto os capitais disponíveis, a vasta população, a consolidação de mercado interno, como o avanço da civilização, o desenvolvimento da tecnologia, a existência de instituições liberais, a tolerância política e religiosa, etc. Consolidados esses elementos civilizadores (forças materiais e morais), estavam formadas as bases para o desenvolvimento econômico das nações. Nessa direção, o país que já possuísse em seu território a conexão desses elementos poderia, de forma segura, iniciar o processo de industrialização por meio do sistema protecionista. Mas uma nação que se encontrava, ainda, em um estágio muito inicial de seu desenvolvimento, portanto nos primórdios de sua civilização, não poderia adotar um regime de restrições comerciais para impulsionar sua indústria, sob pena de haver uma paralisação de seu progresso.
De acordo com essa teoria, a melhor política econômica a ser adotada em um país exclusivamente agrícola – de desenvolvimento econômico inicial – era a total liberdade comercial. Só assim, seria possível que a produção agrícola local escoasse para o comércio internacional e, em troca, houvesse a importação de produtos dos quais carecia, mas os quais não tinha ainda as condições necessárias para produzir em seu território.

A experiência de todos os países em todos os tempos ensina-nos que as nações, enquanto permanecem em estado primitivo ou de barbárie, auferem benefícios incalculáveis do comércio livre e sem restrições, em virtude do qual podem dar vazão a seus produtos oriundos da caça e da pecuária, das florestas e da agricultura, em suma, matérias-primas de todo tipo, obtendo em troca melhores roupas, melhores máquinas e utensílios, bem como os metais preciosos – o grande meio de intercâmbio. Conseqüentemente, tais países, de início, aprovam e adotam o comércio livre, sem restrições. (LIST, 1986, p.17).

Podemos dizer que, nesse sentido, há uma semelhança entre as idéias industrialistas de List e as de Cairu. Isso porque List, assim como Cairu, considerava ser uma atitude precipitada implantar fábricas de manufaturas em uma região onde não existiam as condições essenciais para tal empreendimento. Para ele, a implantação de indústrias em uma região ainda primitiva, puramente agrícola, isto é, uma região que se encontrava na fase da barbárie, significaria adotar uma postura anti-natural, que atropelava a seqüência natural da evolução econômica das sociedades.
Entretanto, é importante esclarecer que esse é o único ponto convergente entre o pensamento de List e o de Cairu, ou seja, a determinação de condições que se faziam necessárias para dar início ao processo de industrialização nacional. Passando desse limite, a posição de List é diametralmente distinta da posição de Cairu. Se o economista brasileiro acreditava no livre mercado como agente promotor do desenvolvimento e da prosperidade da indústria, List defendia que a prosperidade da empresa industrial, após ter respeitado o momento exato para o início do processo de industrialização, dependia diretamente da adoção do sistema de protecionismo pelo Estado. Em outras palavras, podemos dizer que, para ambos os autores, o princípio do processo de industrialização nacional era o mesmo, mas havia uma diferença fundamental entre as teses de Cairu e o de List. Enquanto o primeiro acreditava que esse processo seria resolvido pelas próprias forças econômicas do mercado, para o segundo, havia a confiança apenas na intervenção estatal para a superação das fases do desenvolvimento das sociedades.
Diante do exposto, tudo nos leva a crer que Cairu foi coerente e realista em sua argumentação a respeito da inviabilidade da indústria manufatureira no Brasil, no início do século XIX. Em contrapartida, pensamos que a tese de Maciel da Costa não levava em consideração a realidade brasileira que, naquele momento, estava atrelada a uma população pequena e dispersa em um país de dimensões continentais, carente de recursos e de bases técnicas para o implemento industrial.
Assim, a nossa opinião é a de que Cairu foi sensato e condizente com as circunstâncias políticas, sociais e econômicas do Brasil quando defendeu a idéia de que só teríamos prejuízos e desilusões se forçássemos o processo de industrialização nacional. Para ele, o processo de industrialização deveria ocorrer de forma natural e gradativa, a partir do momento em que a colônia conquistasse as bases sólidas para tal empreendimento, isto é, acreditava que a industrialização aconteceria em nosso meio a partir do momento em que a agricultura avançasse plenamente e passasse a atrair todos os requisitos fundamentais para o desenvolvimento das fábricas de manufaturas.
Também não acreditamos que o Tratado comercial firmado entre Portugal e Inglaterra em 1810 tenha sido o responsável pela não industrialização brasileira no início do século XIX, pois, nesse momento, não existiam as bases fundamentais para a instalação e prosperidade das fábricas manufatureiras em nosso território. É nesse sentido que acreditamos ser ilusório supor que a colônia não se industrializou, devido a esse tratado comercial. As evidências históricas apontam que, mesmo sem o referido acordo, o Brasil não teria conseguido desenvolver sua indústria porque, simplesmente, não possuía as condições essenciais para o empreendimento manufatureiro. A melhor política econômica a ser adotada naquele momento era, de fato, continuar a apostar na grande “vantagem comparativa” brasileira, isto é, a agricultura.
Por isso, acreditamos que, ao contrário do que supõe parte da nossa historiografia , o Tratado de 1810 cumpriu um importante papel em favor do desenvolvimento econômico do Brasil. Naquele momento histórico, receber produtos da indústria inglesa significava ser abastecido pela nação mais desenvolvida e competitiva do mundo em matéria de manufaturas. Isso tudo em um país cujas circunstâncias não favoreciam, de modo algum, o desenvolvimento de fábricas manufatureiras, mas que, em compensação, tinha um enorme potencial para a agricultura.
Por fim, podemos asseverar que, mesmo em autores como Caio Prado Junior, Celso Furtado e Georg Friedrich List, não encontramos elementos que nos permitam afirmar que a tese de Cairu a respeito da falta de bases para a implantação da manufatura no Brasil no início do século XIX, fosse incoerente. Ao contrário, quando fizemos a leitura desses autores, constatamos que a idéia difundida por Cairu era realista frente ao contexto da época. Todas as evidências históricas nos levam a concluir que Cairu estava correto ao afirmar que, naquele momento, o desenvolvimento da colônia dependia de uma política liberal que proporcionasse à sua economia uma industrialização gradativa e que respeitasse o desenvolvimento natural da sociedade brasileira.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

O debate sobre protecionismo e liberalismo, que obteve grande ênfase no século XVIII, constitui-se em uma discussão pertinente até os dias de hoje. Foi em 1776, com Adam Smith, que surgiu a mais importante obra em relação à defesa da liberdade econômica, como medida prática e natural para se produzir a riqueza de todas as nações. Por outro lado, em 1841, Georg Friedrich List elaborou uma série de argumentos a favor da adoção de medidas restritivas por parte do Estado, como mecanismo de aceleração do desenvolvimento da riqueza nacional baseada na indústria. Podemos dizer que esses dois autores constituem a base teórica mais clássica de tal embate político.
Foi com o intuito de identificarmos os principais nomes que deram conta desse debate, aqui no Brasil, que realizamos nossa pesquisa. A partir da análise que fizemos ao longo dos três capítulos, pudemos depreender que José da Silva Lisboa (o Visconde de Cairu) e João Severiano Maciel da Costa (o Marquês de Queluz) viam, de forma bastante distinta, o que seria o caminho mais adequado para se promover o desenvolvimento da riqueza no Brasil.
Podemos afirmar que, enquanto Cairu entendia que o desenvolvimento nacional ocorreria de forma mais eficiente a partir do livre desenvolvimento da produção, Maciel da Costa defendia a intervenção direta do Estado na economia como medida indispensável para a implementação da indústria nacional. Enquanto o primeiro confiava no curso natural da evolução econômica de nossa sociedade e na cooperação mútua dos mais diversos países para um maior desenvolvimento e incentivo recíproco de suas economias, o segundo acreditava que a rivalidade existente entre as nações impossibilitava relações harmônicas de trocas que pudessem beneficiar mutuamente os envolvidos no comércio internacional.
Como apontou Lupércio Antonio Pereira (2000), podemos dizer que essas divergentes opiniões político-ideológicas analisadas podem ser elucidadas pelos seguintes ângulos: o pensador protecionista vê sua nação contraposta ao resto da humanidade, ao passo que o livre-cambista entende a nação como parte da humanidade. O protecionista vê o mundo de além-fronteiras com desconfiança e reservas, já o livre-cambista o vê como aliado (PEREIRA, 2000).
O protecionista tem mais dificuldade para entender as vantagens inerentes ao processo de troca e adota o caminho mais penoso e economicamente menos racional, isto é, prefere produzir internamente com custo mais elevado aquilo que se pode adquirir de outros países por um custo menor. Ele aparece sempre como um pensador cauteloso que, com exceção de sua nação, desconfia de todo mundo.
Já o livre-cambista, por acreditar que o atendimento dos interesses dos indivíduos e das nações não ocorre em função da benevolência alheia, e sim da busca do atendimento das próprias necessidades, aparece como um homem de postura otimista frente à cooperação e ajuda mútua entre os mais diversos países.
Em síntese, o primeiro tende a ser belicoso e o segundo, pacifista (PEREIRA, 2000). Desse modo, “um vê a riqueza do vizinho com inveja ou suspeita, o outro vê ali também a possibilidade do seu próprio enriquecimento.” (2000, p.116).
Em nosso trabalho, pudemos demonstrar que, para Cairu, o desenvolvimento das manufaturas no Brasil deveria ocorrer de forma espontânea a partir da prosperidade econômica e social natural do país. Segundo esse economista, o desenvolvimento da riqueza nacional passaria, necessariamente, pelo desenvolvimento do setor econômico no qual o investimento de capital e de mão-de-obra proporcionasse um retorno mais rápido, mostrando-se sustentável. Na opinião de Cairu, a implementação das fábricas seria apenas mais um estágio no desenvolvimento histórico da colônia, que aconteceria gradativamente a partir da máxima expansão e aproveitamento de suas terras, juntamente com sua contínua participação no mercado mundial. A maximização da produção agrícola, aliada à prática de comércio livre (tanto nacional como internacional) formaria, naturalmente, as bases para o desenvolvimento de nossa indústria. Desse modo, o autor via, como algo contraproducente, toda a opção pela adoção de medidas protecionistas.
Adotando posicionamento contrário, Maciel da Costa defendia que o processo de industrialização nacional deveria ocorrer através do incentivo proporcionado pelo Estado. Em sua opinião, sem a intervenção estatal, a transição de uma economia puramente agrícola para uma sociedade de economia diversificada, apoiada tanto na agricultura como no setor industrial, levaria um tempo demasiadamente longo, comprometendo, assim, a máxima riqueza e o maior desenvolvimento do Brasil. Segundo Maciel da Costa, isso acontecia devido à rivalidade inerente existente entre as nações mundiais, que tornava impossível um esquema de comércio universal harmonioso e igualitário, principalmente em se tratando de países de diferentes níveis de desenvolvimento econômico. Por esse motivo, o autor era cético quanto ao desenvolvimento natural da indústria nacional através das regras proporcionadas pelo mercado.
Se com relação à eficácia do livre comércio mundial para o desenvolvimento da economia nacional, a postura de Cairu é de absoluta confiança e a de Maciel da Costa de total desconfiança, as posições dos autores se invertem quando tratamos das possibilidades reais para a industrialização da colônia brasileira, no início do século XIX. Cairu era cético quanto à existência de bases para a implementação de fábricas manufatureiras em território nacional no referido período, argumentando que seria uma atitude inconsequente e antieconômica a opção pela adoção de uma política protecionista que objetivasse a introdução forçada de tais fábricas. Para ele, o Brasil deveria se preocupar com suas necessidades imediatas, isto é, atividades relacionadas ao comércio, à agricultura e à navegação, de modo que, “com extensa e bem entendida agricultura, e tendo tantas e tão boas matérias primeiras, poderemos ter, pouco a pouco gradualmente, e em devidos tempos, muitas e indígenas fábricas” (1999, p.101).
Já para Maciel da Costa, o empreendimento industrial não era algo que estava fora das possibilidades circunstanciais do Brasil no início do século XIX. Acreditava que, com a mão protetora do Estado, o Brasil poderia produzir muito dos bens de que a população necessitava:

Não vemos por que motivo não poderemos fabricar excelentes panos de lã, algodão, linho e seda; que profundos conhecimentos nos faltem para extrair, preparar e fundir o ferro das riquíssimas minas que temos; para fundar cordoarias dos muitos e variados gêneros naturais de que abundamos; para fabricar chapéus, lonas, brins; para preparar breu, alcatrão e aproveitar infinitas gomas e resinas e, enfim, outros muitos produtos de consumo geral e de fácil manipulação. (COSTA, 1988, p.26)

Notamos, claramente, que, para o autor protecionista, a escassez de mão-de-obra, a ausência de know-how, a dificuldade de transportes e a população dispersa por um país de dimensões continentais não configuravam grandes obstáculos para a industrialização nacional. Em sua opinião, a questão se dava simplesmente pela adoção ou não de uma política de incentivo à indústria, isto é, para Maciel da Costa, a criação e o desenvolvimento de fábricas no Brasil dependiam unicamente de fatores políticos administrativos e não de condições sociais e históricas de desenvolvimento da região.
Diante do que pudemos evidenciar em nosso trabalho, acreditamos que a perspectiva livre-cambista defendida por Cairu caracterizou-se como a opção mais coerente e realista diante das circunstâncias históricas que o Brasil enfrentava no início do século XIX. Acreditamos que a proposta industrialista liberal levou em maior consideração as reais possibilidades de desenvolvimento econômico que o país dispunha naquele momento.
Como vimos, Cairu acreditava que, no início do século XIX, uma política de incentivo à industrialização nacional seria uma atitude precipitada, já que acabaria entravando o progresso social e econômico do Brasil, que dependia completamente do desenvolvimento da agricultura. Em contrapartida, constatamos que a proposta industrialista de João Severiano Maciel da Costa apresentava algumas incongruências, tendo em vista as diversas limitações sociais, econômicas e políticas que a colônia brasileira enfrentava no início do século XIX.
Por fim, entendemos que a promoção da riqueza de um país não é tarefa que possa ser desempenhada exclusivamente por medidas governamentais. Independentemente do estágio de desenvolvimento em que o país se encontra, o processo de industrialização e o crescimento de suas atividades econômicas dependem de milhares de ações que as autoridades governamentais ou o grupo de técnicos do governo não podem dar conta de atender. A Revolução Industrial Inglesa, que foi o maior processo de transformação da produção vivido pela humanidade, não resultou de medidas objetivas tomadas pelo Estado. Ao contrário, resultou de milhões de iniciativas e de condições históricas próprias sobre as quais os governantes ingleses não tinham controle. O próprio desenvolvimento da indústria brasileira, como previa Cairu, ocorreu justamente a partir da expansão da agricultura. Isso porque somente no momento em que a cultura cafeeira se expandiu e conquistou uma grande participação no mercado mundial, o que ocorreu no final do século XIX e início do XX, é que a indústria brasileira pôde, pela primeira vez na história, experimentar um significativo desenvolvimento.






REFERÊNCIAS

Fontes impressas:

COSTA, João Severiano Maciel da. Memória sobre a necessidade de abolir a introdução dos escravos africanos no Brasil, sobre o modo e condições com que esta abolição se deve fazer e sobre os meios de remediar a falta de braços que ela pode ocasionar. In: Memória sobre a escravidão.Rio de Janeiro: Fundação Petrônio Portela, 1988.

LISBOA, José da Silva (Visconde de Cairu). Observações sobre a franqueza da indústria e estabelecimento de fábricas no Brasil.. Brasília: Senado Federal, 1999.

LISBOA, José da Silva. Observações sobre o comércio franco no Brasil. IN:ROCHA, Antônio Penalves (org.) José da Silva Lisboa: Visconde de Cairu. São Paulo: editora 34, 2001.


Bibliografia:


AGUIAR, Pinto de . A Abertura dos Portos no Brasil: Cairu e os ingleses. Salvador: Livraria Progresso Editora, 1960

ARMITAGE, João. História do Brasil. São Paulo: Ed. Da Universidade de São Paulo, 1981.

ARRUDA, José de. & NOVAIS, Fernando. Prometeus e Atlantes na Forja da Nação. Economia e Sociedade, Campinas, 2003.

ARRUDA, José Jobson de Andrade. O Brasil no comércio colonial. São Paulo, Editora Ática, 1980.

BRITO, João Rodrigues de. A Economia Brasileira no Alvorecer do Século XIX. Salvador: Livraria Progresso Editora, 1923.

CALVINO, Ítalo. Por que ler os clássicos. São Paulo: Companhia das letras, 1985.

CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo. Domínios da História.Ensaios de Teoria e Metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997.

CARVALHO, Darcy. Desenvolvimento e Livre comércio (As idéias econômicas e sociais do Visconde de Cairu. Um estudo de história do pensamento econômico brasileiro), IPE-USP, São Paulo, 1985;

DEYON, Pierre. O Mercantilismo. São Paulo: Editora Perspectiva, 1992.

ELIAS, Norbert. O processo civilizador. V.II. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1994.

FALCON, Francisco J. C. Mercantilismo e Transição. São Paulo: Brasiliense, 1981.

FARIA, Sheila de Castro. A Colônia Brasileira: economia e diversidade. São Paulo: Ed. Moderna, 1997.

FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2000.

HEILBRONER, Robert. A História do Pensamento Econômico. São Paulo: Nova Cultural,1996.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1976.

________, Sério Buarque de (dir.). História geral da Civilização Brasileira – O Brasil Monárquico. Tomo II. Vol. I. 3ª ed. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1970.

LANDES, David S. A riqueza e a pobreza das nações. 5ª ed. Rio de janeiro: Campus, 1998.

LASKI, Harold J. O liberalismo europeu. São Paulo: Ed. Mestre Jou, 1973.

LIMA, Oliveira. Formação Histórica da Nacionalidade Brasileira. 2ª ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 1997.

LISBOA, José da Silva (Visconde de Cairu). Estudos do Bem Comum e Economia Política. Rio de Janeiro: IPEA/INPS, 1975.

LISBOA, José da Silva (Visconde de Cairu). Leituras de economia política. Rio de Janeiro: Imprensa Régia, 1827.

LISBOA, José da Silva (Visconde de Cairu). Princípios de direito mercantil. Rio de Janeiro: Imprensa Régia, 1808/9.

LISBOA, José da Silva (Visconde de Cairu). Princípios de economia política. Rio de Janeiro: Irmãos Pongetti, 1956.

LIST, Georg Friedrich. Sistema nacional de economia política. São Paulo: Nova Cultural, 1986.

LOBO, Haddock. História econômica geral e do Brasil. São Paulo: Atlas, 1967.

LUZ, Nícia Vilela. A luta pela industrialização do Brasil : 1808 a 1930. São Paulo: Alfa-Omega, 1975.

NOGUEIRA, Marco Aurélio. As desventuras do liberalismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984

NOVAIS, Fernando A. Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808). 2ª ed. Col. Estudos Históricos. São Paulo: HUCITEC, 1981.

PAIM, Antônio. Cairu e o liberalismo econômico. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1968.

_______, Antônio. Liberalismo Contemporâneo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1995.

PEREIRA, José Flávio. Cairu Revisitado: Uma Contribuição ao Reformismo Liberal. 1994. Tese (Doutorado). FFLCH/USP, São Paulo, 1994.

_______, José Flavio. “José da Silva Lisboa: um economista controvertido, mas esquecido”. In: Revista UNIMAR. Maringá, N°1. V.19, 1997, p.311-331.

_______, José Flavio. “Cairu e a economia política: um compromisso com a riqueza das nações”. In: Revista UNIMAR. Maringá, N°1. V.17, 1994, p.95-107.

PEREIRA, Lupércio Antonio. Limites Históricos do Pensamento Abolicionista: uma Contribuição ao Gradualismo Adotado na Abolição da Escravidão no Brasil. Dissertação (Mestrado) – UNESP, Assis, 1987.

________, Lupércio Antonio. Para Além do Pão-de-Açúcar: uma interpretação histórica do livre-cambismo em Tavares Bastos. Tese (Doutorado) – USP, São Paulo, 2000.

PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 2000.

_________, Caio. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1998.

REIS, Cacilda Estevão dos. Os caminhos para a civilidade: ideais da imigração européia nos discursos da elite política brasileira (1846-1888). Dissertação Mestrado - UEM/UEL, 2004.

RICARDO, David. Princípios de economia Política e Tributação. São Paulo: Nova Cultural, 1985.

ROBERTS, Russell D. A opção. Rio de Janeiro: Editora Nórdica,1994.

RODRIGUES, José Honório. História da história do Brasil. São Paulo: editora nacional, 1988.

SANDRONI, Paulo. Dicionário de economia. Best selller, São Paulo, 1989

SILVA, Karla Maria da. A crise da economia colonial: as dimensões internas das práticas mercantilistas nos escritos de Brito e de Vilhena. Dissertação Mestrado, São Paulo, 2007.

SIMONSEN, Roberto C. História econômica do Brasil (1500-1820). São Paulo: Editora Nacional, 1977.

SMITH, Adam. A riqueza das nações. São Paulo: Abril Cultural, 1983.

SODRÉ, Nelson Werneck. As razões da independência. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1969.

TOCQUEVILLE, Aléxis de. A democracia na América. São Paulo: Itatiaia, 1977.

_________, Aléxis de. A emancipação dos escravos. São Paulo: Papirus, 1994.

VALLADÃO, Alfredo. Da aclamação à maioridade: 1822- 1840. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1973.

VIANNA, Hélio. Contribuição à história da imprensa brasileira: 1812-1869. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1945.

_______, Hélio. História do Brasil. São Paulo: Editora Melhoramentos, 1970.

VIOTTI DA COSTA, Emilia. Introdução ao Estudo da Emancipação. IN; MOTA, Carlos Guilherme (org.). Brasil em Perspectiva. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1969.

ZUZIGAN, Wilson. Indústria brasileira: origem e desenvolvimento. São Paulo: Brasiliense, 1986.