domingo, dezembro 31, 2006

A MÁ PRODUÇÃO DE RENDA

Instituto Liberal - Comentário do dia 14/10/04
A MÁ PRODUÇÃO DE RENDA
__ Cândido Prunes*

O brasileiro, depois de anos de repetição do mantra socialista sobre a "má distribuição de renda" no País, não consegue mais perceber a falácia contida nesse conceito. É difícil abrir um caderno de economia, ou uma revista especializada, sem se deparar com essa expressão dita por uma autoridade, um professor, um político, um jornalista, ou um advogado. Nos telejornais ela é dita como uma verdade inapelável a olhares rútilos.
O brasileiro acabou tendo uma atitude de passividade em relação a como se obtém renda. Até a língua portuguesa dificulta o entendimento correto. Normalmente, perguntamos quanto alguém "ganha" por mês, para saber seu salário. Em inglês, a pergunta é quanto alguém "faz" de dinheiro. A diferença é total. Em português é uma benesse. Em inglês é um esforço.
As pessoas estão sendo convencidas, há décadas, que podem ficar em casa, embaladas numa rede, que o Estado ou as autoridades irão corrigir a "má distribuição de renda". Assim, cada uma terá o seu quinhão aumentado. Não será necessário sair da rede para ter três refeições na mesa de graça. Nem para ter hospitais com remédios e equipamentos de última produção (e médicos formados no estrangeiro) de graça. Nem para ter escolas com professores bem treinados e bem pagos de graça. Nem para ter diversão de graça. Nem para ir até o restaurante, o hospital, o colégio ou estádio de futebol usando transporte público de boa qualidade e de graça.
É claro que o problema brasileiro de baixa renda não é distributivo. O brasileiro gera pouca renda porque tem pouca educação. O brasileiro gera pouca renda porque há pouco capital investido 'per capita'. O brasileiro gera pouca renda porque tem que pagar muitos impostos e quase não sobra nada para poupança e formação de capital. O brasileiro gera pouca renda porque as autoridades que prometem distribuí-la ficam com quase todos os recursos recolhidos da sociedade por meio de impostos.
Somos pobres porque acreditamos na distribuição e não na produção de renda.

 Vice-Presidente do Instituto Liberal
Demografia e Emprego

Cândido Prunes *

A Humanidade vive no começo deste século dois fenômenos sem precedentes na sua história: o primeiro, é um acentuado declínio na taxa de natalidade em todas as economias desenvolvidas – exceto a norte-americana – sem que esteja ocorrendo uma guerra, peste ou epidemia de fome de proporções catastróficas. O segundo fenômeno é o da crescente produção rural e industrial verificada em todas as economias desenvolvidas – principalmente a americana – apesar de um forte declínio no emprego rural e industrial. Esses dois fenômenos combinados irão fortemente influenciar o futuro do mercado de trabalho mundial, no qual o Brasil está obviamente inserido. Compreender a natureza e extensão desses fenômenos é, pois, crucial para avaliar as políticas públicas ora em vigor ou que se pretende futuramente implantar.

Em meados de 2004 o pesquisador Ben Wattenberg, do American Enterprise Institute, um think tank de Washington, DC, nos Estados Unidos, publicou uma obra que é referência obrigatória sobre as perspectivas demográficas mundiais. O livro se chama Fewer – How the New Demography of Depopulation Will Shape Our Future (“Menos – Como a nova demografia da redução populacional conformará o nosso futuro”). Nele o autor chama a atenção para os novos dados divulgados pela Divisão Populacional das Nações Unidas (DPNU), que consolida as informações colhidas nos censos demográficos de quase 200 nações ao redor do planeta. Os dados, como a seguir veremos de forma sintética, são eloqüentes, descrevem situações nunca vistas e exigem uma séria reflexão por parte de todos os que se preocupam com questões rotuladas genericamente como “sociais”. Mais importante ainda, poucos foram os que se debruçaram no Brasil sobre essas importantes informações e extraíram as devidas conclusões, muitas delas assustadoramente óbvias.


A população dos países desenvolvidos está diminuindo

O primeiro choque que abalou até mesmo demógrafos a partir de meados de 2001, quando a DPNU divulgou as estatísticas no World Population Prospects (também disponíveis no endereço eletrônico www.unpopulation.org), é de que já existem no mundo 63 países cuja taxa de fertilidade encontra-se abaixo do nível de reposição. Uma nação, para manter estável a sua população, precisa ter uma Taxa Total de Fertilidade (TTF) de 2,1. Isto é, cada mulher precisa dar à luz 2,1 crianças. Em outras palavras, cada grupo de 10 mulheres precisa gerar 21 filhos durante a sua vida reprodutiva. Quando a TTF cai abaixo de 2,1, o país fica abaixo da taxa de reposição e a perspectiva é de declínio populacional. Hong Kong é o país que atualmente tem a taxa mais baixa, precisamente 1 (um). Ou seja, cada mulher daquele país gera apenas um filho, o que coloca em cheque a sua estabilidade populacional a médio e longo prazo. O país mais populoso com TTF abaixo da de reposição é a China (com 1,82). Sua população de 1,2 bilhão de habitantes está se estabilizando e dentro de, no máximo, uma geração começará a declinar. Até uma década atrás os especialistas em demografia acreditavam que a TTF declinaria, mas que se estabilizaria ao redor da taxa de reposição de 2,1 filhos por mulher. Mas o que se verificou, no entanto, é que a taxa continuou declinando muito além do esperado pelos demógrafos. Praticamente todos os países europeus estão hoje com a TTF abaixo de 1,5 (por exemplo, Rússia: 1,14; Espanha: 1,15; Ucrânia: 1,15; Alemanha: 1,35; Portugal: 1,45). A TTF média da Europa atualmente é de 1,3, o que significa que ela está 38% abaixo da taxa de reposição. Alguns países europeus impressionam pelo fenômeno de mulheres que optaram por, simplesmente, não ter filhos. Na Alemanha, por exemplo, 25% das mulheres em idade fértil decidiram não ter filhos. Como ressaltou Ben Wattenberg, “esse nível nunca foi visto e era inconcebível. Nenhum demógrafo sério poderia plausivelmente predizer um declínio tão acentuado, até mesmo uma década antes”. A conseqüência desse novo fenômeno é impressionante. A Rússia já está perdendo quase um milhão de pessoas por ano. A Europa perde cerca de setecentas mil pessoas / ano, número esse que deverá crescer para três milhões anuais na metade do século XXI. Um jornal escocês ilustrou dramaticamente a situação demográfica naquele país, em fevereiro de 2004: “a população da Escócia cairá abaixo de 5 milhões até 2009. ... Mais preocupante do que o fato de que a população está ficando menor é que ela está ficando mais velha na medida em que a taxa de natalidade cai significativamente. Tudo isso sugere que no ano de 3.573 terão sobrado na Escócia apenas duas pessoas, provavelmente um casal na faixa dos 90 anos, vivendo em Beardsden”.

Nos países mais desenvolvidos da Ásia a situação não é muito diferente. A Coréia do Sul está com uma TTF de 1,17. O Japão, de 1,32. Singapura, de 1,35. Tailândia, de 1,92. Essa nova realidade demográfica – população decrescente e mais idosa – impõe desafios nunca enfrentados pelas nações em tempos de paz ou na ausência de epidemias ou de fome decorrentes de prolongadas secas ou de pragas agrícolas. No passado recente, mesmo com a epidemia mais grave registrada na história, a Gripe Espanhola de 1918, as elevadas taxas de natalidade rapidamente suplantaram as mortes registradas. As estatísticas demográficas de 1930 comprovam que houve um forte crescimento populacional na Europa e Estados Unidos ao longo dos anos 10 e anos 20, apesar da Grande Guerra (1914-18) e da “Espanhola”. A última vez na história do Ocidente que houve um declínio populacional ao longo de décadas, numa vasta região geográfica, foi na Idade Média quando a “Peste Negra” irrompeu na Europa.


O Brasil e outros países em desenvolvimento já atingiram a taxa de equilíbrio populacional

Mais importante, contudo, para a nossa análise, é constatar que a TTF nos países menos desenvolvidos tem declinado muito mais rapidamente em comparação com o fenômeno verificado nos países mais desenvolvidos, e também mais rapidamente do que o esperado pelos especialistas. A maior parte dos países do terceiro mundo – inclusive o Brasil - atingiu o seu pico de fertilidade entre 1960-65. Naquele período, em países como Tunísia, Egito, Irã e México, cada mulher tinha, em média, 7 filhos; na África do Sul, Coréia do Sul, China, Brasil e Índia a média de filhos por mulher era pouco superior a 6. Transcorridas quatro décadas, a TTF nesses países caiu dramaticamente. Brasil, China e Irã já estão ligeiramente abaixo da taxa de reposição (sim, mesmo o Irã, uma teocracia muçulmana, experimentou uma severa redução no número de filhos por mulher). O México, a África do Sul e a Índia ainda estão acima da taxa de reposição, mas a sua TTF não é superior a 3 filhos por mulher. As projeções para a população indiana precisaram ser recentemente revistas à luz dessas novas taxas. Para 2050, os demógrafos tiveram que “cortar” 85 milhões de indianos das projeções. Para 2150 esse corte foi de 686 milhões (equivalente ao dobro da atual população norte-americana).


Os fatores que levam à diminuição populacional

As explicações para esse fenômeno de escala global são múltiplas. Existem vários fatores que estão correlacionados com a redução da TTF. A primeira correlação diz respeito à urbanização. Na medida em que a população mundial foi migrando para cidades, as taxas de fertilidade declinaram. No começo dos anos 60, apenas 33% da população mundial era urbana. No ano 2000, esse percentual havia saltado para 47% (sendo que, nos últimos 5 anos, esse percentual elevou-se mais rapidamente devido ao processo de urbanização que se verifica na China). A TTF global, no mesmo período, caiu de 4,97 para 2,69.

Outros fatores também estão intimamente associados ao decréscimo da taxa de fertilidade. Na medida em que o analfabetismo entre as mulheres caiu, a TTF também diminuiu. Na medida em que as mulheres tiveram acesso à escola secundária, o número de filhos também reduziu. Países com índices de divórcio mais alto tendem a ficar abaixo da taxa de reposição, de 2,1 filhos por mulher. Em países cuja idade média de casamento é mais elevada (próxima dos 30 anos, como na Alemanha, Itália e Holanda) a TTF está abaixo da taxa de reposição. No Afeganistão, onde as pessoas se casam em média antes dos 18 anos, a TTF é superior a 7.

E, por fim, a óbvia correlação com o uso de contraceptivos. No início dos anos 60, as estatísticas globais indicam que apenas 26% dos casais tinham acesso a meios contraceptivos. No ano 2000, esse percentual cresceu para 63%. A conseqüência inelutável foi a diminuição da TTF no período, como acima se indicou, de 4,97 filhos por mulher para apenas 2,69.


O fenômeno norte-americano

O único país desenvolvido que foge a esse fenômeno (de redução populacional) são os Estados Unidos. Sua população, de aproximadamente 290 milhões de habitantes, vem crescendo graças, em grande parte, ao fluxo migratório. Isso porque a TTF americana já está ligeiramente abaixo da taxa de reposição (2,01, em 2002, segundo o Ministério da Saúde dos EUA). Mas ao longo dos anos 90 os Estados Unidos adotaram uma política migratória que os fez receber cerca de 1 milhão de imigrantes legais por ano (é preciso ressaltar que este número é superior, em termos absolutos, ao verificado no começo do século XX, quando houve outro “boom” migratório para a América). Os imigrantes, em geral, têm mais filhos que os norte-americanos, o que tem contribuído também para o crescimento populacional daquele país, fato este que levanta uma série de questões e preocupações que não cabem aqui discutir. Países europeus e asiáticos (especialmente Coréia do Sul e Japão) poderiam também aceitar imigrantes para compensar a diminuição populacional, mas aparentemente há muita resistência nesses países em relação a estrangeiros –especialmente de outras etnias. Eventualmente, quando os efeitos de uma redução populacional dramática se fizerem sentir, essas políticas serão revistas e a Comunidade Européia compreenderá que a aceitação de imigrantes apresenta grandes vantagens, como atesta a pujança econômica norte-americana.


Os efeitos demográficos sobre o emprego: algumas conclusões preliminares

Uma vez reconhecido esse novo fenômeno que transformou as perspectivas demográficas do Brasil e do mundo, podemos tirar uma série de conclusões sobre o seu impacto no mercado de trabalho futuro. Algumas dessas conclusões serão corroboradas ou precisam ainda ser filtradas pelas estatísticas que serão apresentadas após as conclusões preliminares a seguir apresentadas.

A demanda global por alimentos tende a ser declinante. Na Europa, Japão e Coréia do Sul esse fenômeno se dará a curto prazo e de forma mais acentuada. Como já se disse, ao contrário dos Estados Unidos, os europeus e asiáticos não são muito propensos a aceitar imigrantes, o que poderia rapidamente contornar o problema de redução populacional. No longo prazo, apenas Estados Unidos e Índia terão necessidades crescentes de alimentos. Esse fato, conjugado com o das novas tecnologias que são continuamente introduzidas na produção de alimentos, permite assegurar que os preços das commodities agrícolas continuará decrescendo. Grandes produtores rurais, como Canadá e Austrália também já estão com a TTF bem abaixo da linha de reposição, o que elevará a oferta mundial de alimentos. Além disso, os países onde haverá declínio populacional no curto prazo são exatamente aqueles com maior poder aquisitivo e capacidade de pagar mais caro pelas commodities. A boa notícia é que a fome se tornará um problema do passado. Mas para países produtores de alimentos, como é o caso do Brasil, isso significa renda decrescente para o setor primário. O negócio agrícola será capaz de sustentar apenas um reduzido número de agricultores altamente produtivos. Essa é uma constatação válida para qualquer parte do mundo, inclusive o Brasil. A agricultura familiar, não profissional, e assentamentos em minifúndios estão com seus dias contados.
As populações dos países mais desenvolvidos serão quase exclusivamente urbanas e serão compostas por uma significativa parcela de idosos (no ano 2050 estima-se que quase 30% dos europeus terão mais de 65 anos). Essa mesma tendência, de forma menos acentuada, também se verificará em países como o Brasil. Mas vale ressalvar que a classe média nos países menos desenvolvidos tende a diminuir em termos absolutos e a envelhecer de forma muito semelhante à que ocorre na Europa. Isso se traduzirá na necessidade de mais empregos urbanos no setor de serviços, com forte demanda no segmento da saúde. Na Alemanha, por exemplo, creches já estão sendo transformadas em clínicas geriátricas, na medida em que a proporção de idosos cresce e a de crianças diminui.
O envelhecimento da população, combinado com o decrescente número de pessoas entrando no mercado de trabalho, exigirá uma revisão profunda do sistema previdenciário. O sistema da repartição (conhecido em inglês como “pay-as-you-go”), em que os atuais empregados financiam quem está aposentado, não se sustenta numa situação de estabilidade ou declínio populacional. Mesmo nos Estados Unidos, onde ainda há perspectiva de crescimento demográfico, a mudança do sistema da repartição para o da capitalização está no centro dos debates políticos. As pessoas que hoje estão trabalhando e aquelas que no futuro ingressarão no mercado, deverão aplicar parte de sua renda na constituição de uma poupança privada para garantir a aposentadoria. A necessidade de formar essa poupança e uma maior expectativa de vida também aumentarão o período produtivo das pessoas. A fim de garantir uma renda maior na velhice, as pessoas trabalharão por mais tempo (ou terão que economizar mais). No Brasil, esse fenômeno foi recentemente muito bem ilustrado pelo Fundo de Pensão da Petrobras (Petros). Em fevereiro de 2005, a Diretoria da estatal teve que anunciar para o mercado que as contas da Petros não fechavam devido à maior expectativa de vida dos empregados e pensionistas. Isso significa que a Petros terá que arcar com compromissos que se estenderão por períodos muito mais longos do que anteriormente previsto, em conseqüência do envelhecimento dos seus beneficiários. O “rombo” atuarial é de, aproximadamente, US$ 5 bilhões e será coberto pela Petrobras (e não pelos seus próprios empregados e beneficiários, como seria correto).


O setor primário nas economias desenvolvidas é inexpressivo

Na época da Independência dos Estados Unidos, em 1776, estima-se que aproximadamente 80% de seu Produto Interno Bruto (PIB) era gerado no campo. Transcorridos mais de 200 anos, aquele país tornou-se a maior economia do planeta, gerando um PIB anual da ordem de US$ 9 trilhões. O negócio agrícola, entretanto, tornou-se comparativamente inexpressivo. Atualmente, apenas 2% das riquezas geradas nos Estados Unidos têm sua origem na produção rural (ainda assim, a produção, tanto em termos de volume físico quanto de valor, é incomparavelmente maior). Com uma população economicamente ativa de, aproximadamente, 140 milhões de pessoas, tão somente 3,5 milhões de americanos se dedicam à produção de alimentos.

Essa realidade não é diferente em nenhum outro país desenvolvido. No Reino Unido, a agricultura gera apenas 1% do PIB e somente 1,7% da população economicamente ativa trabalha no meio rural (sim, menos de 2% dos britânicos dependem da agricultura para sobreviver). Na Austrália – grande produtor rural com dimensões geográficas comparáveis às do Brasil – a agricultura é responsável por 3% do PIB e emprega 4,7% da população economicamente ativa. Mesmo na Argentina, que outrora foi um país desenvolvido, mas que ao longo dos últimos 70 anos vem sucumbindo a sucessivas ondas de populismo demagógico, a agricultura responde atualmente por apenas 5% do PIB e ocupa 12% da população economicamente ativa. Outros exemplos de que o setor primário nos países ricos – e em geral importantes produtores de alimentos - corresponde a uma fração inexpressiva da economia: Canadá: 2,8%; França: 3%; e Alemanha: 1%.


Setor primário expressivo é sinal de subdesenvolvimento

A importância relativa da agricultura na economia brasileira tem declinado ao longo dos anos. Mas o Brasil está ainda muito distante das economias que já completaram a transição para uma economia completamente urbana. O Brasil ainda tem 7% do PIB gerado por atividades agrícolas que, por sua vez, empregam, aproximadamente, 22% da população economicamente ativa do País. Deve-se ressaltar que essa distância entre o percentual de participação no PIB e o da população economicamente ativa empregada na agricultura indica que os trabalhadores rurais são mais pobres que os urbanos. Esse fenômeno ocorre em todos os países pobres e tem uma explicação.

A renda gerada pela agricultura é pequena em qualquer parte do planeta. Para que os trabalhadores rurais tenham uma renda parecida com a dos urbanos é necessário que a população agrícola economicamente ativa esteja, percentualmente, muito próxima da participação da agricultura na formação do PIB, como ocorre nos países desenvolvidos (como no Reino Unido, onde 1% do PIB vem do campo e 1,7% da população economicamente ativa trabalha em atividades rurais. Enquanto no Reino Unido essa diferença é de 0,7, no Brasil a diferença é de 15%).

As maiores produções agrícolas do mundo são geradas por dois países que estão em estágios de desenvolvimento completamente diferentes e servem para ilustrar bem a questão. Estados Unidos e China têm uma produção de alimentos equivalentes em termos de valor (aproximadamente US$ 200 bilhões anuais). Ocorre que a população rural economicamente ativa da China é de 467 milhões de pessoas (o que corresponde a 71,2% da sua população economicamente ativa total, segundo os últimos dados disponíveis do começo dos anos 90) enquanto a norte-americana é de apenas 3,7 milhões de pessoas (o que corresponde a 2,7% da sua população economicamente ativa total). Enquanto na China a agricultura gera 18% da renda nacional (dividida entre 467 milhões de trabalhadores rurais), nos Estados Unidos o setor primário gera 2% da renda que por sua vez é dividida por apenas 3,5 milhões de trabalhadores. Em ambos os países o numerador (valor da produção) é praticamente igual, ou seja, US$ 200 bilhões. Mas devido ao grande número de trabalhadores que são necessários para a China gerar uma produção igual a norte-americana, os seus agricultores são miseráveis. Esses números corroboram a importância dos ganhos de produtividade para assegurar melhores padrões de renda para os agricultores.


A nova onda econômica: o predomínio do setor de serviços

Constatado que a evolução das economias levou a uma paulatina diminuição da importância relativa da agricultura, cabe apresentar os dados sobre o setor que mais cresce nesta Era da Informação. O setor terciário ou de serviços (transportes, comunicações, financeiros, burocráticos, saúde, educação, etc.) emerge como o mais relevante em termos de geração de riqueza. Entre os países desenvolvidos, veja-se a participação de serviços em relação ao PIB: Canadá: 66%; França: 62%; Alemanha: 68%; Israel: 76%; Itália: 65%; Reino Unido: 62%; e Estados Unidos: 75%. A serem mantidas as taxas de crescimento do setor de serviços nesses países, pode-se dizer, grosso modo, que, em 10 anos, cerca de 80% do PIB desses países corresponderá ao setor de serviços, 19% à indústria e apenas 1% à agricultura. A título de comparação, o Brasil gera, aproximadamente, 55% de seu PIB no setor terciário, 38% no secundário e 7% no primário.

Um país, no entanto, para dispor de uma população economicamente ativa predominantemente empregada no setor terciário (serviços) precisa de um alto nível educacional. Essa demanda por qualificação tem aumentado com o transcorrer do tempo. Tomando-se exatamente os mesmos países acima elencados, Canadá, França, Alemanha, Israel, Itália, Reino Unido e Estados Unidos, constata-se que os percentuais de jovens cursando universidade são os seguintes, respectivamente: 88%, 51%, 47%, 41%, 47%, 52% e 81%. Esse percentual tem crescido ao longo dos anos e ao menos Canadá e Estados Unidos estão próximos de ter quase a totalidade dos jovens cursando universidade. A esmagadora maioria terminará o curso e exercerá atividades profissionais no setor de serviços, onde a renda tende a ser mais alta que na indústria e agricultura.

Nesses países, o analfabetismo é inferior a 5%, sendo que no Reino Unido e Alemanha ele é virtualmente zero. A mudança verificada no perfil das pessoas empregadas no setor de serviços nos países desenvolvidos pode ser facilmente constatada até pelo turista mais desavisado. Em Nova Iorque, Londres ou Toronto, por exemplo, atividades mais simples que exigem pouca escolaridade, como motoristas, garçons, camareiras, recepcionistas, limpeza, etc., são exercidas predominantemente por imigrantes ou seus descendentes. Americanos, ingleses e canadenses melhor qualificados estão empregados em atividades que exigem melhor nível de escolaridade e que são, conseqüentemente, melhor remuneradas, como médicos, cientistas, pesquisadores, publicitários, administradores, etc.

No Brasil, para afeito de comparação, apenas 15% dos jovens em idade para cursar a universidade estão estudando (isto significa, aproximadamente, 1,9 milhão de universitários) e cerca de 15% de sua população adulta permanece analfabeta. Aliás, a estatística de analfabetismo no Brasil é muito enganosa, como confirmam recentes pesquisas, pois uma fração expressiva dos considerados alfabetizados sabem, na verdade, apenas desenhar o próprio nome. Os analfabetos, de fato, representam, no Brasil, um percentual superior a 20% da população adulta.

A fim de atingir o futuro padrão dos países desenvolvidos, o País precisaria deslocar uma significativa parcela populacional do setor primário (aproximadamente 20% de sua população economicamente ativa, ou 15 milhões de pessoas) e do setor secundário (aproximadamente 5% de sua população economicamente ativa, ou 3,7 milhões de pessoas) para o setor terciário. Isso equivale a dizer que, no Brasil, existem atualmente quase 19 milhões de pessoas que precisariam não apenas mudar de emprego, mas de setor da economia. O mais dramático é que cerca de 15 milhões de trabalhadores são oriundos do meio rural, em sua esmagadora maioria, analfabetos ou com muito pouca instrução. E sem qualificação a transição para o setor de serviços é praticamente impossível, o que os condena a uma situação de miséria. Além de integrar-se no universo urbano, essas pessoas deverão buscar uma qualificação a fim de desenvolverem uma atividade produtiva e garantir o seu sustento.

A falta de qualificação da mão-de-obra brasileira também está deixando o País à margem de um processo de terceirização internacional de mão-de-obra (conhecido em inglês como “outsourcing”). Empresas de países mais desenvolvidos têm transferido uma série de serviços para países de menor desenvolvimento – e com mão-de-obra mais barata -, tais como contabilidade, desenvolvimento de produtos, atendimento a cliente por “call centers”, etc. Países com um elevado número de estudantes universitários bem qualificados e fluentes em inglês (como a Índia, cujo número de universitários ultrapassa 5 milhões) estão abrigando esses serviços e entrando num círculo virtuoso, no qual jovens recém-formados encontram postos de trabalho no mercado formal, estimulando outros a percorrerem o mesmo caminho.

Considerando os fatos antes mencionados, pode-se concluir sobre a realidade brasileira e o futuro do mercado de trabalho que:

(1) toda política de “fixação do homem no campo” é perversa e servirá apenas para prolongar a pobreza e a miséria rural. A única política pública aceitável nesse setor seria a de favorecer a migração para centros urbanos, qualificando a mão-de-obra a fim de que encontre colocação no setor de serviços. Quanto à mão-de-obra que permanecer no campo, ela também precisa apropriar-se de significativos ganhos de produtividade para, conseqüentemente, aumentar de forma sustentável a sua renda;
(2) sem uma significativa melhoria na qualificação da mão-de-obra urbana não será possível completar a transição para uma sociedade predominantemente de serviços, inclusive capacitada para absorver atividades que hoje empresas sediadas em países desenvolvidos estão transferindo para países de baixo custo de mão-de-obra. Em outras palavras, a exportação de serviços precisa entrar na pauta brasileira.;
(3) o segmento do setor de serviços com melhor potencial de crescimento no Brasil é o de turismo. Mas em primeiro lugar é preciso melhorar o nível de instrução dos trabalhadores a fim de que, ao menos, possam se comunicar em uma língua estrangeira com o turista. Não somente o concurso para o Itamaraty deveria exigir o conhecimento de uma língua estrangeira; os estudantes de segundo grau já deveriam ser fluentes numa língua estrangeira. Em segundo lugar, é preciso resolver outras duas importantes questões: a) violência urbana (cujos aspectos não cabem aqui discutir, mas registrar que esse é um importante fator inibidor do fluxo internacional de turistas para o Brasil); e b) melhoria da infra-estrutura, começando por aeroportos e incluindo serviços hoteleiros, restaurantes (inclusive sob o aspecto sanitário) e rodovias. A fim de exemplificar o potencial desse setor, basta constatar que o Brasil recebe, anualmente, cerca de 4 milhões de turistas estrangeiros – nesse número estão incluídos os nossos vizinhos latino-americanos, enquanto as Cataratas de Niágara, na fronteira Canadá / Estados Unidos, recebem mais de 20 milhões de turistas anualmente;
(4) o foco exportador brasileiro, além de serviços, deveria concentrar-se em produtos industriais de maior valor agregado. A tendência de longo prazo é de que as commodities agrícolas diminuam de preço em decorrência do novo perfil demográfico dos países desenvolvidos. E, dentro da produção agrícola, os produtos orgânicos e os semi-industrializados têm melhores perspectivas para geração de renda. As condições climáticas brasileiras são, incomparavelmente, superiores às européias e norte-americanas para a criação de gado (bovino e ovino) de forma orgânica ou natural; e
(5) o mercado norte-americano deveria ser prioritário nas negociações do Brasil com vistas a sua integração num bloco econômico. Não apenas o dinamismo da economia dos Estados Unidos é maior, como é um mercado que apresenta uma tendência de crescimento demográfico, ao menos num horizonte de médio prazo. Já na Europa, a perspectiva de curto prazo é que a sua população diminua, em alguns países de forma muito acentuada. As implicações desse fenômeno inédito são difíceis de serem determinadas, mas é indiscutível que menos gente significa menos mercado.

Em suma, o Brasil precisa ter políticas públicas que incentivem a urbanização e a geração de empregos no setor de serviços. As atuais políticas de “fixação do homem no campo” (através da reforma agrária) e o cenário de crescente tributação sobre a prestação de serviços vão na contramão dessas necessidades. E, por outro lado, parcelas maiores da população precisam ter acesso a uma universidade de qualidade, depois de passarem por um ensino primário e secundário também de alta qualidade. Infelizmente, neste aspecto, as políticas públicas atuais não têm condições de atender ao esperado, pois as perspectivas são de crescente estatização e intervenção no ensino em todos os seus níveis. A sociedade continuará pagando cada vez mais caro por um ensino medíocre se tal mentalidade permanecer nas próximas administrações. O ideal seria a adoção de um sistema educacional financiado por “vouchers”, como concebido pelo economista Milton Friedman. Vários países fizeram essa transição no espaço de uma única geração. No Brasil, basta que a elite política se desprenda de velhas idéias preconcebidas e decida entrar no século XXI num novo paradigma. As informações para isso estão plenamente disponíveis.


* Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo, ensaísta e vice-presidente do Instituto Liberal do Rio de Janeiro.