São Paulo, sexta-feira, 13 de abril de 2007
GUSTAVO IOSCHPE
A experiência histórica mostra que o caminho do desenvolvimento pela punição da elite desemboca na popularização da pobrezaESCREVO de um hotel no Peru. Vim apresentar um trabalho sobre educação e nele permaneço pela falta dela -retido pela paralisação dos controladores de vôo e o apagão de liderança de seus superiores. Para a fração de brasileiros que lê jornais e sabe o que se passa no mundo, tem ficado difícil evitar a percepção de que, como país, andamos para trás. Há alguns anos já descobrimos que não conseguimos manejar chuvas e usinas hidrelétricas para a produção de eletricidade. Não conseguimos igualmente fazer estradas transitáveis ou portos suficientes. Agora nos deparamos com a inabilidade de operar o sistema de aviação.
Passamos a ter dificuldades em tarefas que nossos antecedentes dominaram há várias décadas. Aceleramos com tal ímpeto rumo ao passado que estamos agora prestes a repetir o século 16, exportando derivados da cana para as metrópoles desenvolvidas. Antes era o açúcar, agora é o etanol, mas a posição dos países nesses quatrocentos e tantos anos não mudou, assim como também não mudou uma realidade que teimamos ignorar: nenhum país, na história da humanidade, chegou ao Primeiro Mundo pela via da exportação de commodities. Some-se a essa pasmaceira a evolução da única indústria que vem crescendo a níveis chineses nas últimas décadas -a da violência- e temos a receita para o desalento que vitima uma grande parte da população. Essa é uma realidade que não é captada pelos grandes números. O país cresce -pouco e dependendo de maquiagem, mas cresce. O desemprego cai. A balança comercial melhora, a desigualdade diminui, a renda das camadas mais pobres aumenta. E esse é justamente o problema: enquanto a população da classe média para cima sofre e se toma de desesperança, a maioria da população vê melhorias. Se estivéssemos no rumo do desenvolvimento sustentado, talvez pudéssemos descartar as preocupações dos setores mais esclarecidos como elitismo. Mas não estamos. Estamos trilhando o caminho do subdesenvolvimento continuado. Ainda que as camadas mais pobres não saibam disso, as medidas que causam sua alegria hoje são as que continuarão causando sua tristeza amanhã. O aumento dos gastos sociais, quando vem pela elevação de impostos, causa a pobreza futura de todos. As proteções da legislação trabalhista empurram o trabalhador para a informalidade. A instituição de um Judiciário em que se dá uma enxurrada de possibilidades de recurso cria uma terra em que a justiça é inexeqüível. A lei que não pode ser cumprida não existe, e, em terra sem lei, manda o mais forte.
A criação de tantas ONGs e programas governamentais para a inclusão do jovem da periferia só escamoteia o indizível: com a educação a que tem acesso, esse jovem será periférico sempre. Toda a infra-estrutura que os representantes do povo criaram para supostamente defendê-lo são as fundações do arcabouço de sua pobreza presente e futura. O mais trágico é que criamos uma sociedade em que tantos têm tão pouco que qualquer promessa de um minúsculo ganho presente é suficiente para obliterar o cálculo de perdas futuras. Três quartos de nossa população é funcionalmente analfabeta. Assim não se pavimenta um país democrático, nem muito menos pujante. A curto prazo, não temos saída. Mesmo que acertássemos os problemas econômicos, somos uma nação de ignorantes.
Exceções à parte, não temos condição de competir com países de alto desenvolvimento tecnológico. Somos condenados à continuação do modelo agroexportador e, internamente, a indústrias e serviços de baixo valor agregado. Enquanto não conseguirmos produzir os bens e serviços de ponta, nossos empregados continuarão recebendo pouco, sendo presas fáceis de governantes e suas promessas mirabolantes. Há possibilidade de sucesso no médio e longo prazos. Podemos repetir o caminho de outras nações: focar na capacitação para chegar à produção de ponta; parar de olhar para o passado e mirar o futuro; focar na inclusão através do desenvolvimento, não da socialização da pobreza. O problema é que ninguém das chamadas elites parece ter coragem de defender um projeto de país, em vez de um projeto para excluídos do país. Pelo elitismo do passado, agora nos condenamos ao pobrismo, como se a vida em sociedade fosse como a matemática, em que dois negativos formam um positivo, e não um prejuízo dobrado. Um país precisa de aeroportos e vôos regulares, mesmo que sejam usados por apenas 1% da população. Precisa de boas universidades, que produzam pesquisa voltada aos seus interesses nacionais. Precisa de uma polícia eficiente e um Judiciário idem. Precisa de baixos impostos e estímulos a quem empreende. Precisa entender que quem conduz uma nação ao desenvolvimento não é só seu governo, mas principalmente seu setor privado. E que o setor privado não é feito de oprimidos e opressores, mas de diversos atores -de habilidades, inclinações e apetites de risco diferentes, e remunerações condizentes. Precisamos parar de pensar em termos de raças e classes e pensar em termos de país.
Às vezes, aquilo que beneficia muito poucos é fundamental -como bons aeroportos. A experiência histórica mostra que o caminho do desenvolvimento pela punição das elites desemboca apenas na popularização da pobreza. Esperar o bolo crescer para então reparti-lo é uma estratégia tão infeliz quanto causar a diminuição do bolo por sua distribuição mais equânime.
GUSTAVO IOSCHPE, 30, mestre em desenvolvimento econômico pela Universidade Yale (EUA), é autor de "A Ignorância Custa um Mundo" (W11 Editores)
domingo, abril 15, 2007
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