sexta-feira, outubro 17, 2008

A Inabalável Fé na Burocracia

Wednesday, October 15, 2008

Rodrigo Constantino

“O propósito da política não é solucionar problemas, mas achar problemas para justificar a expansão do poder do governo e um aumento nos impostos.” (Thomas Sowell)

O que o leitor pensaria de alguém que sempre recorre ao mesmo instrumento de fé quando algo dá errado, ainda que ele nunca leve aos objetivos desejáveis? Trata-se de uma postura no mínimo irracional, tamanha a insistência num meio claramente ineficaz. No entanto, é justamente isso que os crentes da burocracia fazem, de forma assustadoramente repetida. Cada nova crise recebe o diagnóstico de que faltou mais governo, mais regulação e mais supervisão burocrática, mesmo que a tendência de crescimento do governo ocorra concomitante ao agravamento das crises. A desconfiança em relação ao livre mercado e a ingênua fé no governo parecem crenças totalmente blindadas contra os fatos e a lógica.

Naturalmente, esta crise atual não é exceção à regra. Esses crentes no “deus” governo logo partiram para o ataque ao livre mercado, alegando que faltou mais regulação contra a ganância do setor privado. Não obstante a paradoxal premissa de que burocratas não são gananciosos também, resta questionar que falta de regulação foi essa, já que os principais setores atingidos pela crise eram ultra-regulados. Por que esses críticos do liberalismo se recusam a comentar o excesso de regulação dos setores em crise? Por que não dizem nada sobre as regras e incentivos criados pelo próprio governo para estimular o crédito imobiliário nas faixas de baixa-renda? Por que fazem vista grossa ao fato de que países conhecidos por uma vasta e detalhada parafernália burocrática, como a França e a Rússia, estão sofrendo também com a crise? É um constrangedor silêncio por parte dos defensores de mais regulação como solução desta crise.

Se as entidades regulatórias existem para evitar crises como a atual, onde estava a Securities and Exchange Commission (SEC), o Federal Reserve System (FED), o Office of Federal Housing Enterprise Oversight (OFHEO) e demais agências governamentais? Se o vigia dorme com freqüência no posto de vigilância, então é preciso mais vigias para vigiar os outros vigias? E se isso não resolve, então é necessário mais e mais vigias, ad infinitum? Será que questionar a eficiência e os incentivos dos vigias existentes é pecado? A missão da OFHEO é promover o setor imobiliário e um sólido sistema de financiamento de casas, garantindo a segurança e solidez da Fannie Mae e Freddie Mac. O OFHEO tem como meta preservar uma estrutura de capital adequada para estas duas government-sponsored enterprises. Onde estavam então esses poderosos burocratas, já que o epicentro da crise se deu justamente nesse setor e nessas empresas semi-estatais? Para uma base de capital de apenas US$ 100 bilhões, estas empresas, contando com garantidas do governo, levantaram US$ 5 trilhões em dívidas. Será que faltou mesmo regulação do governo? Esses incompetentes burocratas serão demitidos?

Isso sem falar das ações diretas do governo americano, tentando artificialmente inflar o setor imobiliário. Em 1977 foi criado o Comunity Reinvestment Act (CRA), com o objetivo de obrigar bancos a emprestar uma parte dos seus ativos às comunidades carentes. Em 1994, o governo estendeu as metas do CRA, e em 2005, após um escândalo contábil envolvendo a Freddie Mac, o governo resolveu punir a empresa demandando mais crédito hipotecário para as classes de baixa-renda.

Esses são apenas alguns exemplos, entre muitos, que mostram como o governo e sua extensa burocracia estão com suas impressões digitais em todas as cenas do crime nessa crise. Como disse Thomas Sowell, os esforços de financiamento das entidades governamentais para obter mais financiamento do governo são o equivalente político de uma máquina de movimento perpétuo. A burocracia luta para estar sempre em constante crescimento. E como o mesmo Sowell notou, nós sempre pagamos muito caro aos burocratas pelo que eles são, mas muito pouco pelo que nós gostaríamos que eles fossem. O principal motivo disso é esta inabalável fé na burocracia e no governo. Muitos esquecem que o governo é uma abstração, e o que existe de fato são homens que concentram poder. Esses homens são imperfeitos também, possuem interesses particulares, são vítimas de ignorância, vaidade, inveja e todas as paixões que atuam sobre os demais seres humanos. A crença de que o governo é capaz de resolver todas as falhas do livre mercado beira à ingenuidade infantil. Thomas Sowell pergunta, de forma retórica: “Como alguém pode ler história e ainda confiar nos políticos?” A resposta é que esta crença é totalmente calcada na fé irracional, e não nos fatos. Seria análogo à criança que, por ignorância, ainda acredita que o Papai Noel traz seus presentes, e não os próprios pais. Questionamentos sinceros e algum olhar crítico dos fatos logo iriam refutar esta crença. Mas muitos desejam acreditar, por motivos puramente emocionais, ainda que a crença seja claramente falsa. É justamente o que ocorre em relação à fé na burocracia. Os fatos bradam contra esta crença tola, mas a ideologia acaba falando mais alto, e os crentes precisam seguir acreditando que o governo milagroso salvará o mundo, mesmo que suas ações sejam parte das causas dos problemas. Os crentes entram em fase de negação diante dos argumentos contrários, preferindo rotas de fuga, como a repetição de chavões vazios ou os rótulos pejorativos aos que pensam de forma diferente. Quando um dado ou argumento é apresentado, o crente na burocracia acaba vítima de dissonância cognitiva. Para evitar a dor da contradição, ele impede tais dados de chegar ao cérebro. Ele foge de uma reflexão honesta. Mais ou menos o que acontece com um crente fanático da Igreja Universal, quando mostram o vídeo do Bispo Macedo, fundador da seita, rindo enquanto conta dinheiro, ou ensinando os pastores a enganar os pobres coitados. Troca o deus, mas o fanatismo é o mesmo. E o engodo também. Os crentes da burocracia onisciente e clarividente depositam toda a fé no governo, transferindo o poder sobre seus destinos aos burocratas poderosos. O estatismo não passa de uma seita moderna, tão perigosa e irracional quanto às religiões retrógradas e fanáticas. Estamos assistindo a mais um episódio lamentável de devoção desses crentes, que pedem mais governo para resolver uma crise criada ou ampliada pelo próprio governo. Seria como usar sanguessugas para curar a leucemia! Será que já não passou da hora de questionar esta fé na onipotência do governo?

Não obstante o que vimos acima, mostrando como havia muita regulação, e como esse excesso burocrático é parte das causas da crise, quase todos pedem mais governo para resolver os problemas. Vários pacotes foram anunciados, rios de dinheiro foram injetados nos mercados, várias instituições foram salvas, medidas regulatórias extras foram adotadas, e nada parece surtir o efeito desejável. A crise segue se agravando, as bolsas batem recorde de baixa, os mercados de crédito continuam estressados. Mas curiosamente a fé na capacidade milagrosa dos governos continua inabalável. O presidente francês, Nicolas Sarkozy, chegou a propor a “refundação do capitalismo”. É preciso lembrar urgentemente que o capitalismo não é um produto do brilhantismo de alguns políticos, mas sim fruto de uma ordem espontânea, de baixo para cima. Precisamos de mais Mises e Hayek, e menos Keynes. Precisamos derrubar esta fé tola na burocracia. Ou isso, ou o capitalismo realmente estará ameaçado.

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