terça-feira, fevereiro 13, 2007

O MALOGRO DA REVOLUÇÃO ESCOLAR NA FRANÇA E EM OUTROS PAÍSES

O MALOGRO DA REVOLUÇÃO ESCOLAR NA FRANÇA E EM OUTROS PAÍSES

Os “dogmas” do igualitarismo e da co-educação, rejeitados por pais de alunos em diversas nações, são também questionados por cientistas e associações desejosos do retorno ao ensino tradicional

por José Antonio Ureta

O método pedagógico do ditado volta ao ensino na França. Não na escola primária, mas na faculdade!

Os calouros do Instituto Universitário de Tecnologia de Grenoble (IUTG) foram recebidos, no início do ano acadêmico atualmente em curso no hemisfério Norte, com a prática do ditado. Antigamente ela era julgada supérflua a partir do ciclo colegial, e mais recentemente fora praticamente abolida em todos os níveis. Agora retorna na faculdade. Motivo: as empresas queixam-se de que os diplomados do IUTG, contratados por elas, não sabem escrever corretamente.
“Um quarto dos alunos tem problemas no uso da língua”, confirma Pierre Aliphat, presidente da Comissão de Formação do órgão que reúne as principais universidades francesas. “Estamos pagando por quinze ou vinte anos de desvio na maneira de ensinar a ortografia e a gramática na escola primária e no curso secundário”, assevera o pedagogo.(1)
O avanço, na França, dessa forma de analfabetismo funcional tornou-se tão grave que até um antigo militante de extrema esquerda, Jean-Paul Brighelli, professor de Letras em Montpellier, escreveu um livro do qual já se venderam mais de 130 mil exemplares: A fabricação do cretino — A morte programada da escola.(2)
Uma entrevista de Jean-Pierre Demailly, membro da Academia Francesa das Ciências e professor na Universidade de Grenoble I, confirma esse diagnóstico alarmante: “A escola está na iminência do naufrágio. Duas ou três décadas atrás, o ensino primário e o colegial fizeram recuos desastrosos no campo do aprendizado da língua, da gramática, da ortografia, do cálculo, da geometria, da aritmética, do raciocínio lógico”. Colocando o dedo na chaga, denuncia os responsáveis pelo temido naufrágio pedagógico: “Isso se deve, em grande medida, ao fato de que foram abandonados métodos pedagógicos comprovados, em favor de outros que repousavam unicamente sobre teorias pedagógicas abstratas ou sobre considerações teóricas desligadas da realidade”.(3)
Ou seja, as escolas e os alunos franceses serviram de malogradas cobaias para experiências educacionais malsãs, promovidas por ideólogos de teorias antitradicionais.O problema é que a mesma revolução pedagógica foi desencadeada mais ou menos em todos os países ocidentais. As nações européias, pioneiras dessa revolução, são as primeiras a colher seus frutos amargos, em particular a França. De onde ser mais viva lá do que no Brasil a reação dos pais de família e de alguns pedagogos mais avisados.Para se ter uma idéia mais precisa da profundidade da crise e da vivacidade das reações, convém fazer um retrospecto histórico que ajude o leitor a identificar quais as correntes ideológicas que estavam por trás dessa revolução do ensino, e em nome de que utopias pregaram elas dita revolução.
O caso francês parece o mais ilustrativo, motivo pelo qual nos deteremos em analisá-lo com particular atenção, focalizando especialmente o ensino público, mais homogêneo do que o ensino privado, além de ter sido o campo privilegiado para a experimentação das novas teorias pedagógicas.Disputa pelo domínio da alma infantil pós-Revolução FrancesaComo é sabido, antes da Revolução Francesa a educação estava quase integralmente a cargo da Igreja Católica, mediante escolas paroquiais, pensionatos de moças nos conventos femininos, colégios de congregações religiosas e universidades.
Desse predomínio da Igreja no ensino público resultava principalmente grande benefício para a Religião e para as almas. Mas, secundariamente, ele era benéfico também para o Estado, pois tratava-se de uma educação de qualidade, se considerados os conhecimentos da época. Entretanto, após a nacionalização dos bens eclesiásticos decretada pelos revolucionários franceses, Napoleão não só não devolveu os estabelecimentos de ensino à Igreja, mas criou um monopólio estatal para o ensino superior e uniformizou a educação pública, colocando-a sob o controle da Universidade Imperial, por ele fundada.Três décadas mais tarde, sob o regime monárquico-liberal do rei Luiz Filipe (1830-1848), houve uma certa liberalização do ensino, com a Lei Guizot, que permitiu a abertura de escolas privadas, principalmente católicas, mas deixou ainda sob a tutela da Universidade o ensino secundário e o superior. A mesma lei generalizou as Escolas Normais para a formação de mestres.Durante a breve II República (1848-1851) foi aprovada uma Constituição que, embora proclamando “o ensino é livre”, acrescentava que essa liberdade se exercia sob o controle do Estado, não admitindo exceções. O que induziu o deputado católico conde de Montalembert a descrever esse monopólio da universidade pública como um “comunismo intelectual”.
Na prática, porém, a Lei Falloux –– assim denominada de acordo com o nome do ministro monarquista católico que a inspirou –– estabeleceu, a partir do chamado Segundo Império (1851-1870), um modus vivendi entre a escola católica livre e a escola pública, dividindo o ensino primário e secundário entre elas, mas colocando-o sob o controle do Conselho Superior da Instrução Pública, do qual participavam quatro bispos católicos. Tal situação de boa vizinhança perdurou durante todo o período de governo do imperador Napoleão III.
Jules Ferry, várias vezes ministro da Instrução Pública da França, promoveu reformas drásticas para afastar o mais possível a Igreja da educação Porém, com a queda do II Império e o advento da III República, correntes políticas anticatólicas tomaram as rédeas do governo francês e puseram em prática uma política educacional marcadamente anticlerical. Jules Ferry, um dos políticos mais influentes do regime, várias vezes ministro da Instrução Pública e até presidente do Conselho de Ministros (em 1880), promoveu reformas drásticas para afastar o mais possível a Igreja da educação. Além de instituir o ensino primário obrigatório, eliminou a Religião das escolas, impondo a estrita laicidade do ensino, e retirou aos membros das congregações religiosas a licença de ensinar. Ao mesmo tempo, Ferry estendeu até o secundário o ensino público laico e gratuito para as moças; criou uma Escola Normal Feminina para a formação de mestras, segundo o postulado de que “aquele que tem a mulher, tem tudo”. De fato, das Escolas Normais tanto masculinas quanto femininas saíam cada ano o que os franceses chamam jocosamente “hussardos negros da República”, em alusão aos casacos pretos usados pelos professores no século XIX. Isso porque os mestres de escola formavam uma verdadeira legião de “missionários” e “missionárias”, encarregados de “evangelizar” as crianças com o novo “credo” laico e socialista das forças políticas que dirigiam a França republicana.
O objetivo dos que tinham em suas mãos as rédeas da instrução pública francesa era o de formar os jovens nos princípios revolucionários, seguindo o lema de Jean Macé, condiscípulo de Ferry e fundador da Liga do Ensino: “Aquele que tem as escolas da França, tem a França”.Porém, visando obter o prestígio necessário para atingir esse resultado, a escola pública rivalizava com a escola privada na qualidade da educação oferecida, procurando realizar a utopia de Jules Ferry de “que os camponeses possam recitar Virgílio enquanto sulcam a terra com o arado”. Igualmente, em matéria de formação moral dos alunos, os professores laicos rivalizavam com o vigário no intento de educar cidadãos honrados e trabalhadores. Pode-se afirmar que tal ensino público de qualidade, e seguindo padrões tradicionais de moral, perdurou na França até a Segunda Guerra Mundial.Nova utopia: nivelar as classes sociais pela educaçãoApós o conflito mundial de 1939-1945, a instrução pública foi dominada por militantes de esquerda (comunistas e socialistas), tanto pelo imenso poder que exerceram a partir de então nos poderosos sindicatos de professores, quanto por terem infiltrado seus elementos em toda a estrutura administrativa do Ministério da Educação.
Notadamente durante a década de 1960-1970, esses detentores das rédeas da educação pública passaram a ter um segundo objetivo revolucionário: promover a igualdade social. De fato, até o conflito mundial, apesar do crescimento excepcional da escolarização, as naturais desigualdades de educação ainda eram muito grandes. Havia claramente duas linhas paralelas: para os filhos de operários, uma educação básica, que eventualmente se estendia a uma educação técnica; e uma educação acadêmica de alto nível para os filhos das classes superiores, que em muitos casos abria-lhes depois as portas da universidade. Tal situação tendia a tornar estável a hierarquia social, pois somente os mais capazes da classe operária podiam ascender às classes superiores.

Para atingir seus objetivos revolucionários de eliminar gradualmente as classes sociais, os ideólogos socialistas, particularmente os representantes de escolas de sociologia obcecadas pela igualdade social — por exemplo, os seguidores de Pierre Boudieu, o qual afirmava ser a escola uma máquina de reprodução das elites — propuseram programas educativos tendentes a fornecer, a todos os alunos, “igualdade de oportunidades” na educação. Isto compensaria, segundo eles, a desvantagem inicial de instrução de que padecem as crianças provenientes de famílias de condição modesta.Com a vitória do candidato socialista François Mitterrand, em 1981, houve uma tentativa de nacionalizar o ensino privado. Contudo, o projeto fracassou devido à oposição dos pais de família, que realizaram marcha com 1 milhão de participantes, acarretando o abandono da reforma e a queda do ministro Savary.

Mesmo antes disso, os programas de educação já tinham sido vítimas dessa corrente sociológica igualitária, a qual conseguiu instituir um programa único durante quase todo o curso colegial, destinado a eliminar a antiga diferença entre as escolas técnicas e o curso acadêmico geral. O Colégio Único devia encorajar o maior número de alunos a continuar no Liceu com os estudos gerais, a caminho de uma universidade aberta a todos.

Posteriormente foram criadas nas periferias urbanas, onde residem as famílias pobres e os imigrantes, Zonas de Educação Prioritária, cujos estabelecimentos de ensino recebem subsídios especiais para compensar o déficit de educação dos alunos (maior número de professores, classes com menos alunos, etc.). Houve, por isso mesmo, um crescimento exponencial do gasto público: na França, ele é superior ao montante recolhido pelo imposto de renda e representa 7% do PIB, sendo os maiores beneficiários dessa situação os ensinos primário e secundário.

Daí em diante, segundo esses sociólogos marxistas, a desigual posição de cada um na sociedade resultaria não mais do nascimento, mas unicamente do mérito individual. Com isso, as classes sociais iriam gradualmente se aproximando até desaparecerem, realizando assim a utopia igualitária do comuno-socialismo.

Efeitos da Revolução de Maio de 68 na educaçãoO Prof. Philippe Meirieu, um dos líderes da corrente de pedagogos maníacos da “autoconstrução” do aluno Concomitantemente, fizeram-se sentir os efeitos catastróficos da revolução estudantil da Sorbonne, em maio de 1968, os quais podem ser comparados aos de uma bomba atômica. Numa primeira fase, houve verdadeira explosão social de caráter libertário, que teve como principal slogan “é proibido proibir”. Logo após, verificou-se um refluxo, por causa da reação que seus excessos provocaram na imensa maioria dos franceses. Mas, numa terceira fase, começou uma lenta e persistente irradiação dos princípios libertários de 1968 para toda a sociedade, impregnando com seus efeitos maléficos todas as instituições sociais: o exercício da autoridade por um superior (pai, professor, patrão, policial, juiz, etc.) passou a ser visto com maus olhos, na medida em que coloca entraves à expressão livre e espontânea dos sentimentos e desejos dos seus subordinados.Essa impregnação libertária não tardou a entrar em choque com a escola tradicional, na sua procura de um terceiro objetivo revolucionário: a criação de um homem novo.No passado, o mestre era o “magister” (em latim, aquele que é mais, que sabe mais, e que transmite à criança seu saber), cuja função consistia em “e-ducere” (elevar, conduzir para fora de si), no seio de uma “scholè” (que, em grego, significa pausa, lazer fecundo). Ou seja, o clima da escola devia ser um santuário onde não penetravam as agitações da vida social.

A escola tradicional sofreu então o impacto de toda uma corrente de pedagogos maníacos da “autoconstrução” do aluno, cujo principal representante é hoje na França o Prof. Philippe Merieu, do Instituto Nacional de Pesquisas Pedagógicas, instituição encarregada de estabelecer os programas de estudo das Escolas Normais formadoras dos mestres.Sob sua égide a escola passou a ser, não mais um santuário, mas um lugar de vida, aberta a todos os ventos que sopram sobre a sociedade. Em lugar de ser um lugar de transmissão do saber, passou a ter como função principal a de incentivar a autonomia de rapazes e moças, pela qual cada aluno deve construir, ele próprio, seu saber. Em conseqüência, é o professor que deve entrar na escola do aluno, e não o contrário.Numa palavra, trata-se de uma escola de autodidatas. Um relatório oficial do Ministério da Educação, denominado Relatório Migeon, declarava o seguinte: “A apropriação dos conhecimentos é o oposto da transmissão dos conhecimentos daquele que sabe àquele que não sabe”. O Sr. Philippe Merieu declarava que “a criança deve ser a autora de sua educação, de seu projeto pessoal, de sua própria construção de saberes”, pelo que “cada vez que se explica algo ao aluno, isso o impede de inventar” (sic!).

Do ponto de vista da formação do caráter, mais do que uma escola, trata-se de uma república de alunos, organizada segundo os princípios socialistas de igualdade e liberdade radicais. Nessa pseudo-escola não há hierarquia entre professores e estudantes, não há notas (para não haver concorrência entre os alunos), não se repete o ano, não se orienta os alunos numa direção determinada segundo suas aptidões, e, acima de tudo, não há disciplina. Para avaliar o grau de preparo dos pedagogos em formação para esse novo estilo de educação, foi proposto a dois grupos de estudantes do Instituto Universitário de Formação de Mestres, de Paris, o seguinte caso: oferecer soluções para acabar com uma desordem provocada pelos alunos numa sala de aulas. A solução proposta pelo primeiro grupo foi a seguinte: o professor devia negociar com os alunos o nível de barulho e de movimentação aceitáveis daí em diante; a do segundo grupo foi que o professor devia fazer os alunos praticarem a ioga!Novos métodos revolucionários de aprendizadoNeste manual de leitura de 176 páginas, descobre- se a primeira vogal somente na página 26... Aparentemente para combater o “individualismo” da sociedade burguesa e favorecer o “espírito coletivo” da nova sociedade socialista, esses neopedagogos inventaram novas técnicas de ensino, notadamente para o aprendizado da leitura e da aritmética.No método tradicional de aprendizado da leitura, ensinava-se primeiro ao aluno cada uma das letras; depois, a reuni-las em sílabas e a familiarizar-se com o som das sílabas; em seguida, a compor e reconhecer as palavras; e, finalmente, as frases. Ou seja, partia-se da unidade, a letra, e iam-se formando grupos cada vez maiores, até um texto longo. Em oposição a esse método natural, inventou-se o chamado método global de aprendizado, o qual pretendia fazer o caminho contrário, indo diretamente às palavras e as frases. Esse método foi, na realidade, uma adaptação de um sistema empregado originariamente na Escola de Surdos-mudos de Paris, segundo o qual não se ensinava previamente as letras, as sílabas e os sons — o que não teria sentido, tratando-se de surdos-mudos —, mas aprendia-se a “fotografar” e memorizar as palavras inteiras, como se fossem ideogramas chineses. Daí seu nome de método global.Assim, por exemplo, no livro Je lis avec Dagobert (Eu leio com Dagoberto), um manual de leitura de 176 páginas, descobre-se a primeira vogal somente na página 26. A primeira consoante figura na página 46, e a palavra sílaba é mencionada pela primeira vez na página 99, muito além da metade do livro!Analogamente no ensino das operações aritméticas. Sob o influxo de um grupo esotérico de matemáticos da Escola Normal Superior de Paris, chamado grupo Bourbaki, os programas escolares impuseram o ensino das chamadas matemáticas modernas, e notadamente da teoria dos conjuntos. Ao invés de começar pela idéia de “unidade” (um pauzinho, dois pauzinhos), unidades que vão se adicionando e subtraindo, etc., obriga-se os alunos a abordar diretamente um coletivo de elementos –– digamos, “um sub-conjunto de cinco peras” –– ao qual se acrescenta ou do qual se subtrai um outro grupo –– digamos, “um sub-conjunto de 3 peras” –– formando um “conjunto de 8 peras” (ou um “conjunto de 2 peras”, no caso de uma subtração). O que, na aritmética, equivale ao que é, na leitura, aprender as palavras sem ter aprendido as letras. Isso supõe, por parte das crianças, aptidões intelectuais muito acima da média geral.Também, nesse ensino moderno das matemáticas, intentou-se o uso de uma base de numeração distinta da base decimal (como na informática, em que a base é binária). Isso equivale, mais ou menos, a ensinar a física a partir da lei da relatividade! Só os gênios conseguem acompanhar.O resultado foi que a maioria dos alunos não aprendia direito as noções básicas da aritmética. Interpelado a respeito desse insucesso, um ex-ministro francês da educação, o filósofo Luc Ferry, chegou a declarar: “Não há problema: para isso podem usar a calculadora”!O que há de comum entre o método global de leitura e a teoria dos conjuntos é, ao que parece, o ódio pelo ser individual como base do universo criado, e portanto do Ser que o criou.

Obrigar as crianças a pensar primeiro “no coletivo” não será uma forma de prepará-las para o socialismo, até quiçá para o panteísmo? É de se suspeitar...A “rebelião” dos pais de famíliaO fracasso do ensino público tem favorecido a criação de vários movimentos de pais de alunos que, indignados com o efeito pernicioso que as experiências pedagógicas têm provocado na instrução de seus filhos, começaram a reagir, alertando o público, os meios acadêmicos, os políticos e a mídia.O seguinte artigo, do conhecido quotidiano parisiense “Le Figaro”, retrata a fisionomia e a ação dos mais conhecidos movimentos de reação:Esses rebeldes no assalto da fortaleza “Educação Nacional”Marie-Estelle Pech“Le Figaro”, 20-10-2006A partir de dois ou três anos atrás, graças a seu caráter militante sem tréguas e à sua presença crescente na mídia, certas associações pesam cada vez mais no debate sobre a educação.“SOS Educação”, “Salvar a Literatura”, “Salvar as Matemáticas”, Laurent Lafforgue, Jean-Claude Brighelli, Marc Le Bris ou Rachel Boutonnet... De dois ou três anos para cá, associações e personalidades interferem no debate político sobre a educação, quebrando o monopólio do diálogo entre o ministro da Educação e os sindicatos de professores.

Nem todos defendem as mesmas teses nem propõem as mesmas soluções, mas eles estão de acordo no essencial: a constatação do estado catastrófico do ensino na França. No estilo de Fanny Cappel, diplomada em Letras Clássicas e membro de “Salvar a Literatura”, uma associação de cerca de 400 professores, todos denunciam o impacto de “certos dogmas pedagógicos” sobre a formação dos mestres: “Dogmas tão absurdos quanto perigosos, que impedem os professores de exercer livremente sua profissão, e que impedem os alunos de aprender qualquer coisa de modo sólido”.Igualmente, todos deploram o “nível lamentável” dos que são aprovados no bacharelado, responsável pelo insucesso de 40% dentre eles no primeiro ciclo universitário. “Salvar a Literatura”, bem como “SOS Educação” estigmatizam um “igualitarismo obtuso” que, sob pretexto de oferecer a todos um “pretenso sucesso”, baixou o nível dos diplomas, eliminou a repetição em caso de fracasso nos exames, uniformizou o curso de todos os alunos e induziu a uma “heterogeneidade incontrolável” nas salas de aula.

Todos estão de acordo em postular um “retorno aos fundamentos”, apreciado pelo atual ministro da Educação Nacional, particularmente nas escolas primárias. Laurent Lafforgue é um defensor fervoroso desse retorno ao básico. Esse conhecido matemático, que ganhou a medalha Fields [principal prêmio internacional de matemática], tornou-se conhecido do grande público no ano passado, após ter comparado os “especialistas e sindicatos da Educação Nacional” aos khmers rouges [as milícias comunistas que promoveram o genocídio do Cambodge em 1975]. Uma afronta que lhe valeu a exclusão do Alto Conselho da Educação, responsável pela reforma dos programas. Para ele, o sistema de ensino público está em via de “destruição total”, devido a políticas impostas pelo “conjunto da nomenklatura da Educação Nacional”.Os pedagogos no banco dos acusadosSignatário de um apelo recente em favor da “refundação da escola”, juntamente com Rechel Boutonnet (a mestra que prega em seus best sellers o retorno do método silábico), e Jean-Claude Brighelli, Lafforgue freqüenta hoje os colóquios sobre a educação nacional. Recentemente, numa reunião organizada pela associação “Família, escola, educação”, ele dedicou seu tempo a denunciar a desestruturação do ensino na escola primária e suas repercussões no ensino médio e superior. Para o matemático, “pode-se resumir uma boa parte dos males atuais dizendo que quiseram proscrever todo e qualquer ensino explícito, qualificado de dogmático, e substituí-lo por um espírito que pretensamente favorece a experiência e a descoberta pessoais”. Assim, “onde os antigos programas do primário exigiam aprender as conjugações verbais, os novos convidam a observar as variações da forma verbal”.

Os pedagogos, sempre e ainda mais agora, no banco dos réus.No que diz respeito às soluções, a unanimidade se reduz a pedaços. “SOS Educação” aprecia “Salvar a Literatura”, mas esta última não retribui o apreço. Deseja distanciar-se de “pressupostos ideológicos” que ela não partilha.“Salvar a Literatura” acredita numa escola republicana forte, capaz de transmitir a todos os alunos que lhe são confiados –– “quaisquer que sejam sua origem social, confessional, cultural" –– um patrimônio comum de conhecimentos de alcance universal, verdadeira base da Nação.

Os militantes de “SOS Educação” seriam, segundo Fanny Cappel, ultra-liberais que querem estender “abusivamente a todos os campos da atividade humana o conceito, aliás desviado, de liberdade...”.

O feminismo e a co-educação obrigatóriaOutro aspecto da revolução pedagógica desenvolvida na segunda metade do século XX foi o de tornar obrigatória ou, pelo menos, de favorecer abertamente a co-educação, não somente na escola primária mas durante todo o curso colegial e o liceu.Segundo as feministas da primeira hora (cuja inspiradora foi Simone de Beavoir em seu livro O Segundo Sexo, no qual afirmava que “a mulher não nasce, mas se faz”), a educação mista deveria diminuir as desigualdades entre homens e mulheres no acesso ao trabalho e às altas funções. Mais ainda, deveria contribuir para acabar com os estereótipos feminino e masculino, os quais, segundo o feminismo, perpetuam a sociedade patriarcal, necessariamente opressiva para as mulheres.

Frutos amargos da revolução pedagógicaGilles de Robien, ministro francês de educação, tentou várias vezes corrigir o rumo do ensino Passaram-se 40 anos desde que se realizaram essas primeiras experiências. Pouco mais tarde, tais métodos “modernos” de ensino foram impostos, em maior ou menor medida, nos programas educativos de quase todos os países ocidentais. Qual foi o resultado? Um verdadeiro desastre...Senão, vejamos o caso francês. Quanto às operações básicas da aritmética, o panorama é catastrófico. Numa avaliação dos alunos de 2ª série, o resultado foi que somente 1 aluno em cada 4 consegue fazer uma divisão de 178,8 por 8! De fato, o ensino segundo o método das matemáticas modernas já foi abandonado há um certo tempo.Quanto aos resultados do método global de aprendizado da leitura, segundo dados fornecidos pelo Movimento SLECC (acrônimo de Saber Ler Escrever Contar Calcular), de 15 a 20% dos alunos que entram no colegial ainda não sabem ler, e 13% dos alunos que terminam a 1ª série continuam sem ter aprendido (mas, segundo a Sra. Ketherine Weiland, diretora da Inspeção Geral de Letras do Ministério da Educação, isso não é grave porque eles ainda não terminaram os estudos). O Relatório Périssol descobriu que 11% dos jovens de 17 a 22 anos têm dificuldades de leitura e escrita, suficientes para que sua vida diária seja afetada. Trata-se, portanto, de analfabetos funcionais.Esse diagnóstico de naufrágio provocou o que o jornal “Le Monde” qualificou com o título A querela dos globalistas e dos silábicos. De um lado, segundo o quotidiano, “os partidários do método global. Esses defendem uma técnica que se assemelha à magia: em poucas palavras, não se aprendem nem os sons, nem as letras, nem as sílabas: fotografam-se as palavras e repetem-se. [...] Do outro lado, os partidários do método silábico. O dogma difere: a criança é convidada a associar a cada sílaba um som e a formar pacientemente palavras, e, depois frases. [...] Não falta mais nada para desencadear uma nova guerra escolar. [...] A leitura tornou-se nossa mais recente guerra de religião! Essa rachadura certamente separa hoje mais do que a divisão entre a esquerda e a direita, entre o Mac[Intosh] e o PC, entre [os dicionários] Petit Robert e Larousse”.(4)Na realidade, é uma querela entre os professores formados nas Escolas Normais, partidários dos métodos ditos “modernos”, e os pais de família que desejam voltar aos métodos tradicionais, apoiados numa minoria de professores com bom senso.

O resultado da querela foi que o atual ministro francês de educação, Gilles de Robien, passou uma circular anunciando a retomada do método silábico, a qual suscitou uma rebelião dos professores apoiada pelos diretores de estabelecimentos, 12.000 dos quais fizeram uma manifestação em Paris, o que forçou o ministro a voltar vergonhosamente atrás.

Quando o ministro Robien anunciou no diário “Le Figaro” que iria iniciar a reforma do ensino da gramática e do cálculo na escola primária, e, especificamente, que as quatro operações aritméticas deveriam ser aprendidas o mais cedo possível, os mesmos especialistas da pedagogia replicaram, no dia seguinte, que o ministro não entende nada de educação e que, segundo seus estudos, o aprendizado precoce da divisão é nefasto para os alunos (sic!).(5) Tal é o peso dos preconceitos pedagógicos e dos interesses corporativos dos sindicatos de professores. Os alunos, que vão às favas!Repercussão da revolução escolar no ensino universitárioEstudantes franceses participam de manifestação em Paris junto com a CUT e partidos de esquerda Essa deterioração inexorável do ensino primário e secundário tem afetado as universidades francesas de duas maneiras.

De um lado, como o maior esforço financeiro tem sido dirigido para as Zonas de Educação Prioritária, sobra muito pouco dinheiro público para as universidades, as quais carecem dos professores necessários para atender adequadamente o conjunto dos estudantes, assim como lhes faltam laboratórios e equipamentos de pesquisa de alta tecnologia.

De outro lado, exceto no grupo reduzido das chamadas Grandes Escolas, nas universidades francesas não há um processo de seleção de candidatos: qualquer estudante que, no fim do Liceu, consegue passar no exame de bacharelado tem direito de se inscrever numa faculdade. Mas grande parte dos que ingressam nas faculdades não estão preparados. O resultado é que 40% dos que começam estudos universitários não conseguem terminar o 2º ano e obter um Diploma de Estudos Universitários Gerais. Dessa maneira, a cada ano letivo, 80 mil estudantes deixam a faculdade sem nenhum diploma. A verdadeira seleção dá-se nesse momento, porque continuam os estudos superiores rumo ao mestrado e ao doutorado somente aqueles que teriam conseguido passar nos exames de seleção, caso houvesse um filtro de entrada. Com isso as universidades perderam tempo e dinheiro, e os estudantes capazes de continuar os estudos foram afetados ao receber um ensino necessariamente inferior, em anfiteatros superlotados e sem um acompanhamento personalizado, por causa do excesso de alunos.

O resultado dessa situação foi que as universidades francesas manifestamente estão perdendo a corrida em relação a suas concorrentes estrangeiras. Segundo a chamada classificação de Shangai, que cataloga as 500 melhores universidades do mundo de acordo com um leque de critérios objetivos, somente três universidades francesas situam-se entre as 100 primeiras, sendo que a melhor colocada ocupa o 45º lugar!Isso constitui um golpe muito duro não somente para o orgulho nacional francês, mas sobretudo para o desenvolvimento do país, porque suas melhores cabeças começam a migrar para centros de alta tecnologia situados nos Estados Unidos e em outros países desenvolvidos. E lá se estabelecem depois para trabalhar.“S.O.S. Educação”: exemplo de reação bem sucedidaNa ponta de lança do combate à degradação do ensino público e ao predomínio dos sindicatos de professores na preparação dos programas escolares, encontra-se na França a associação “S.O.S. Educação”.

A entidade foi fundada em novembro de 2001, por um grupo de jovens pais de alunos reunidos em torno de Sylvain Marbach, engenheiro de pesquisas, e de Domitille Létondot, psicóloga escolar. Esses jovens pais de família foram todos educados na década de 1980/1990 e ficaram escandalizados com as deficiências de um sistema supostamente democrático, mas que não corresponde às necessidades da maioria dos alunos. Decidiram então criar um movimento para informar os cidadãos sobre o estado da escola e defender suas idéias junto aos políticos.

O programa da associação resume-se em 10 pontos:1. Dar prioridade à transmissão do saber; 2. Adaptar os cursos ao nível dos alunos;3. Todas as crianças devem saber ler no fim da escola primária; o método global deve ser substituído pelo método silábico;4. Verificar os conhecimentos adquiridos pelos alunos antes de admitir seu ingresso no colégio e no liceu;5. Dar uma qualificação profissional já no fim dos estudos secundários; revalorizar as escolas técnicas e, para certas profissões, permitir aprendizes desde a idade de 14 anos;6. Restaurar o prestígio e a autoridade dos professores;7. Restaurar a disciplina dentro da aula; enviar os pré-delinqüentes para internatos de reabilitação;8. Organizar cursos de civismo, que ensinem aos alunos seus deveres, pelo menos tanto quanto são ensinados os seus direitos;9. Limitar o poder dos sindicatos de professores na Educação Nacional;10.

Sancionar os professores que cometem faltas graves.Um artigo de “Le Monde”, de 8 de novembro de 2006, sob o título O marketing de SOS Educação para impor o b.a.-ba, reconheceu a vitalidade e a eficácia dos métodos da associação:“Na sede da associação, no 13º bairro de Paris, oito empregados e voluntários se empenham, por meio da Internet e de remessas de mala-direta, em enviar duas mensagens: subjacente à denúncia dos resultados desastrosos de método global [do aprendizado da leitura], defende-se uma vigorosa ideologia anti-funcionários.

“SOS Educação” combate as ‘velhas’ organizações ‘subvencionadas’ que são seus olhos; os sindicatos de professores; os movimentos pedagógicos; e, em geral, o que ela chama de ‘corporativismos’; por vezes, ‘agitadores que fazem subversão nas escolas’. A associação define-se como ‘rigorosamente independente de toda e qualquer organização política, sindical ou profissional’, assumindo uma orientação baseada na ‘ética da responsabilidade individual’.

Seu público é composto por todos aqueles que vêem nas ‘pedagogias modernas’ um ‘desastre’, que esperam ‘o restabelecimento da autoridade dos professores’, a ‘reintrodução dos cursos de Moral’, ou ainda ‘um exame de admissão no colegial’, e estão dispostos a contribuir financeiramente para a causa. O emprego da mala-direta teve seus efeitos positivos: a associação congrega 220.000 simpatizantes — pessoas que responderam positivamente a seu ‘referendum nacional sobre a educação’, lançado em 2005 — bem como 64.000 membros que contribuíram com uma cotização mínima de 15 euros [40 reais]”.*________________*Cfr. Le marketing e SOS Education pour imposer le b.a. –ba, Luc Cédelle, in "Le Monde", 8-11-2006.Desmentido o mito da “igualdade de oportunidades”Um socialista empedernido poderia eventualmente admitir que o ensino francês está perdendo competitividade face a seus concorrentes, principalmente em relação aos países anglo-saxões. Mas, reconhecido isso, ele apressar-se-ia em insistir que, mesmo assim, trata-se de um imperativo moral: a educação de massas não procura a excelência de uns poucos privilegiados, mas a “igualdade de oportunidades” para todos e a eliminação das desigualdades sociais.Entretanto, mais uma vez os resultados, 40 anos depois, provam que a realidade desmente essa utopia.Certamente houve, na segunda metade do século XX, um crescimento excepcional da escolarização: em 50 anos, a duração média da escolaridade passou de 7 a 14 anos; e a proporção de bacharéis entre os egressos do liceu passou de 5%, em 1950, a cerca de 80% em 2006. Se nos anos 40 somente 6% de filhos de operários passavam o bacharelado, ao lado de 25% de filhos de empregados e 66% de filhos de profissionais, na geração atual essa proporção passou a 30%, 50% e 75% respectivamente (ou seja, atualmente cinco vezes mais filhos de operários e duas vezes mais filhos de empregados obtêm o bacharelado do que 60 anos atrás).

Porém, todos os estudos sociológicos confirmam que isso não representou uma mudança na “pirâmide” dos resultados acadêmicos, nem na “pirâmide” dos empregos após os estudos, nem na pirâmide social. Um dos motivos é que o aumento do número de diplomas os desvalorizou: hoje, para obter um bom emprego, não basta um diploma, é necessário o bom diploma da faculdade prestigiosa. Outra explicação é que as carreiras universitárias longas, que conduzem aos cargos mais elevados e mais bem remunerados, continuam sendo primordialmente procuradas pelos filhos de profissionais, ao passo que os filhos de operários ingressam majoritariamente em carreiras técnicas curtas, quando não começam a trabalhar logo após o fim dos estudos secundários. Dessa forma, apesar dos fortes investimentos financeiros do Estado, permanece quase inalterada a pirâmide social. A natureza se vinga.Em inícios de 2006, o jornal esquerdista “Le Monde” publicou interessante série de artigos sobre a crise social francesa. O quarto da série, escrito pelo jornalista Thomas Piketty, versou sobre Educação: as promessas da discriminação positiva. Ele constatava amargamente que “a elevação geral dos níveis de educação suscitou frustrações à altura das esperanças que ela tinha feito nascer. As desigualdades de percurso e de sucesso escolar apenas se deslocaram para cima, quando não aumentaram”.

A explicação do articulista é simples de compreender: “Antigamente a desigualdade era bruta: alguns deviam começar a trabalhar aos 14 ou 16 anos para ganhar sua vida, enquanto outros tinham a chance de poder continuar seus estudos. Hoje todos podem, ou crêem poder, atingir uma formação longa; mas desigualdades mais sutis reaparecem no caminho (entre cursos geral e profissional no liceu, entre as diferentes carreiras no ensino superior...).

Aqueles que perdem a boa opção, e que no fim dos estudos conhecem o maior índice de desemprego, são freqüentemente os mesmos que antigamente começavam a trabalhar mais cedo — só que agora nem sequer encontram emprego”.(6)A razão da persistência dessas desigualdades de resultado, primeiro na educação e depois no curso da vida, encontra-se na existência da família, esteio de toda sociedade bem constituída.Um meio para eliminar a família: educação estatalO ensino socialista conduz à eliminação da família: a educação das crianças deve ser diretamente realizada pelo Estado Nos primórdios dessas experiências de engenharia social, o Instituto Nacional de Estudos Demográficos da França publicou, em 1961, um trabalho intitulado O sucesso social na França, que estudava as circunstâncias exteriores — familiares e sociais — suscetíveis de influenciar a carreira das pessoas. Referindo-se à família, o estudo chegava, sem pestanejar, à seguinte conclusão: “Enquanto ela continuar a preencher, na sociedade, suas funções essenciais de identificação social e de perpetuação de um nome, assim como de educação das crianças, parece muito difícil garantir a todos a igualdade completa de oportunidades”.(7) (Por isso, para Engels, o comunismo devia conduzir à eliminação da família, e a educação das crianças deveria ser diretamente realizada pelo Estado).

De fato, estudos americanos recentes confirmam, de modo insofismável, que é mesmo no interior da família, e desde o começo da vida, que as normais diferenças de nível educacional começam a aparecer entre as crianças.Dois psicólogos infantis da Universidade de Kansas (EUA), Betty Hart e Todd R. Risley, fizeram uma pesquisa aprofundada a respeito da aquisição da linguagem. Analisaram 42 famílias de Kansas City, que visitaram mensalmente durante três anos após o nascimento de uma criança, gravando tudo o que era dito entre a criança e os pais. Após transcrever cada encontro, os pesquisadores analisaram o estilo de comunicação de cada casal e o respectivo desenvolvimento da linguagem de sua criança.

Descobriram, primeiramente, que o crescimento do vocabulário das crianças variava enormemente de uma classe social para outra, e que a diferença entre as classes começava muito cedo na vida.Aos três anos de idade, as crianças cujos pais eram profissionais tinham um vocabulário de aproximadamente 1.100 palavras, enquanto as crianças de famílias pobres tinham um vocabulário de aproximadamente 525 palavras. Em seguida descobriram que o coeficiente intelectual das crianças era proporcional ao seu vocabulário: o coeficiente médio das crianças filhas de profissionais era de 117, enquanto o das crianças nascidas em famílias modestas, somente de 79.

O mesmo estudo concluiu que, nos primeiros três anos de vida, as crianças de famílias abastadas recebiam, em média, 500.000 expressões de encorajamento contra apenas 80.000 desencorajamentos; enquanto as crianças pobres recebiam apenas 75.000 encorajamentos contra 200.000 expressões de desencorajamento.

Dessa maneira, Hart e Risley mostraram que o tipo de linguagem em relação ao qual as crianças são expostas na primeira infância apresenta uma relação direta com o coeficiente intelectual, a atitude face à vida e os posteriores sucessos ou insucessos acadêmicos da criança.

Outro estudo da antropóloga Annette Lareau e sua equipe, que se instalaram por três semanas seguidas nos lares de famílias de diferentes condições sociais, constatou que as famílias de classe média e alta seguem uma estratégia similar para cultivar seus filhos: eles conversam com seus filhos, tratando-os como adultos em formação, e por isso encorajando-os a fazer perguntas, a pôr em dúvida pressupostos tidos como verdadeiros e a negociar as regras de comportamento no lar. Ao mesmo tempo essas famílias planejam e aplicam incontáveis atividades para desenvolver os talentos das crianças: aulas de piano, visitas a museus, prática de esportes, etc. Enquanto nas famílias operárias dá-se mais liberdade aos filhos para preencher seu tempo livre (brincando na rua com amigos, por exemplo), mas menos liberdade no relacionamento com os adultos.

A conclusão do articulista do diário “The New York Times”, que resumiu o resultado dessas e outras pesquisas do mesmo gênero, foi que “postas em conjunto, as conclusões desses pesquisadores podem ser um pouco desestabilizadoras. [...] Seus trabalhos sugerem que as desvantagens que a pobreza impõe às crianças não são primordialmente relativas a bens materiais. [...] As verdadeiras vantagens que obtêm as crianças da classe média provêm de processos mais sutis: a linguagem que usam os pais, as atitudes face à vida que eles transmitem. Qualquer que seja o método empregado para avaliar a educação das crianças, os pais de classe média tendem a fazê-lo de modo diferente dos pais pobres — e a via que eles seguem tende a fornecer a suas crianças um conjunto de vantagens”.(8)O sucesso do ensino diferenciado entre as classesTony Blair praticamente eliminou, na Inglaterra, o sistema de escola única, instaurando maior concorrência entre as escolas públicas. Na foto o St. John's College, em Cambridge. Contrariamente à França, onde as escolas de sociólogos igualitários gastaram fortunas para tentar provar que bastava fornecer aos alunos uma “igualdade de oportunidades” num sistema escolar único, para assim compensar as desvantagens provenientes da educação familiar, nos Estados Unidos têm-se realizado numerosas experiências, com êxito, a partir do pressuposto contrário: o favorecimento de escolas diferenciadas.

Trata-se de escolas privadas financiadas pelo Estado, que se instalam nos bairros mais pobres e recebem unicamente alunos provenientes de minorias desfavorecidas, como os imigrantes hispânicos ou os negros. Nessas escolas, o horário acadêmico é mais longo e os professores oferecem tutoria adicional após o fim das aulas, assim como aulas aos sábados. Igualmente, os professores tentam modelar o comportamento dos alunos, motivando-os por meio de cartazes, slogans, prêmios e castigos. Pois está provado que crianças respeitosas, disciplinadas e laboriosas alcançam melhores resultados escolares e obtêm melhores empregos no fim dos estudos.A mensagem inerente ao sucesso dessas escolas é, segundo o mesmo articulista do “The New York Times”, a seguinte: “Para conseguir que os alunos pobres compensem as desvantagens, eles não podem receber a mesma educação fornecida aos alunos da classe média, mas uma educação muito melhor: precisam ficar mais tempo nas aulas do que os alunos da classe média, ter professores mais bem treinados e um currículo que os prepare psicológica, emocional e intelectualmente para os desafios que deverão enfrentar no futuro”.(9) Por exemplo, numa das escolas que seguem esse princípio, instalada no Bronx, bairro pobre da cidade de Nova York, a média dos alunos obteve, no teste de controle de 2006, resultados 12% acima da média do estado de Nova York.

Apesar dos excelentes resultados obtidos por essas escolas pioneiras, os principais opositores ao financiamento público de tais escolas especializadas são... os sindicatos de professores! Baseados nos mesmos preconceitos libertários e igualitários de seus colegas franceses, que saem às ruas para fazer manifestações e obrigam o ministro a dar marcha à ré...Para resolver uma crise escolar similar na Inglaterra (segundo a ministra da Educação Ruth Kelly, 40% dos alunos têm um nível escolar insuficiente; de acordo com estatísticas, uma criança de cada cinco não domina o inglês no fim da escola primária, e uma de cada quatro não está à altura em matemática), o governo trabalhista de Tony Blair praticamente eliminou o sistema de escola única, instaurando maior concorrência entre as escolas públicas. Estas, caso o desejem, poderão desfrutar de plena autonomia em relação às autoridades locais que as gerem, e passar a ser administradas por um trust, uma fundação, uma igreja ou um grupo de pais de alunos.(10)Está comprovado o fracasso rotundo da co-educaçãoAté agora, questionar o “dogma” da educação mista acarretava quase inevitavelmente, no Brasil, ser tachado de “retrógrado”, “machista” e outros epítetos do mesmo naipe.Surpreendentemente, em alguns países desenvolvidos, atualmente até as correntes de esquerda e os movimentos feministas começaram a discutir o “dogma”, e a exigir, com base em rigorosos estudos científicos e estatísticas, o reconhecimento do fracasso educativo dos colégios que adotaram a co-educação, como também a necessidade de aceitar o fato de que rapazes e moças são diferentes. Em conseqüência, necessitam de uma educação diferenciada.

Em alguns desses países, a discussão já deu margem à adoção de medidas concretas, como a criação de estabelecimentos educativos públicos single sex (sexo único), ou a separação, dentro de um mesmo colégio, de aulas para rapazes e aulas para moças, numa certa faixa etária.Convém citar, a esse propósito, os interessantes dados fornecidos por um estudo de Maria Calvo Charro, Professora de Direito Administrativo na Universidade Carlos III, de Madrid, sob o título Todos iguais, mas diferentes — O Direito a uma Educação Diferenciada.A acadêmica espanhola cita o caso do estado australiano de New South Wales, o mais populoso da Austrália, onde, em 2001, os pedidos de inscrição nas escolas públicas mistas tinham caído 50%; ou ainda o caso dos länder alemães de Berlim e Renânia do Norte-Westfália, nos quais, desde 1998, por iniciativa dos socialistas e dos verdes, e com o apoio dos movimentos feministas, foram autorizadas as aulas diferenciadas por sexo, após uma investigação séria.Na Grã Bretanha, diz a autora, os melhores colégios não são mistos. Em 2004, o ministro da Educação da época, David Miliband, mostrou a necessidade de insistir nos benefícios obtidos pelos jovens na educação em colégios diferenciados. Mais recentemente, após quatro anos de investigação, um informe preparado pela Faculdade de Educação da Universidade de Cambridge (universidade que obteve, aliás, o 2º lugar no ranking mundial de universidades da classificação da Shangai, acima citado), analisou pormenorizadamente os benefícios que resultam da educação diferenciada, comparada com a educação mista.Na província francófona de Québec, no Canadá, o prestigioso Conselho Superior da Educação julgou necessária, num informe de 1998, uma radical reforma pedagógica destinada a separar moças e rapazes nos colégios, a qual já está sendo posta em prática.Nos Estados Unidos, já em 2002, a administração Bush derrogou a obrigatoriedade da co-educação, imposta naquele país por uma lei de 1972. Em 24 de outubro do ano passado, a secretária de Educação, Margaret Spellings, anunciou novos regulamentos que dão ainda maior flexibilidade aos estabelecimentos educacionais para oferecer aos pais opções adicionais para educar os filhos em regime de separação de sexos.

O exemplo emblemático de sucesso na educação diferenciada é a Young Women’s Leadership Academy, do bairro pobre de East Harlem, que consegue 100% de sucesso de suas alunas (nos dois últimos anos, todas as alunas egressas desse estabelecimento conseguiram entrar na universidade), face à magra média de 42% das escolas mistas de Nova York.Diferenças dos sexos: inatas, e não produto de condicionamentos Steven Rhoads, em seu livro, demonstra cientificamente que as diferenças entre os sexos começam antes do nascimento Qual a razão dessa nova tendência? –– pergunta a Dra. Calvo Charro. “Simplesmente, o reconhecimento de algo que temos tentado negar ao longo dos últimos anos, e que, sem embargo, é evidente, uma vez que o constatamos na nossa vida diária no relacionamento com o sexo oposto: porque somos diferentes”. E explica: “Décadas de investigação na neurociência, na endocrinologia genética, na psicologia do desenvolvimento, demonstram que as diferenças entre os sexos nas suas aptidões, formas de sentir, de trabalhar, de reagir, não são unicamente o resultados de uns papéis tradicionalmente atribuídos a homens e mulheres, nem de condicionamentos histórico-culturais, mas são inatas”. A professora espanhola cita o livro Taking sex differences seriously (Tomando a sério as diferenças entre os sexos), de Steven Rhoads, cujas conclusões científicas demonstram que as diferenças entre os sexos começam antes do nascimento.Mesmo uma conhecida feminista, a deputada socialista alemã Heidi Simonis, reconhece que “é preciso desfazer-se definitivamente do preconceito de que as moças precisam de aulas conjuntas com os rapazes para não ficar em desvantagem no trabalho profissional. Isso é totalmente falso, assim como a afirmação de que rapazes e moças aprendem a conhecer-se melhor estando juntos”.

A parlamentar sueca Chris Heister, presidente da Comissão para o Estudo da Educação daquele país nórdico, apresentou, em julho de 2004, um informe definitivo sobre essa questão, intitulado Todos somos diferentes. Nele se reconhece que o fracasso atual da educação provém do empenho em desprezar as diferenças entre os sexos. Diz o documento: “Tem-se demonstrado que as meninas, quando pequenas, entre os 7 e os 15 anos, assimilam com mais rapidez que os meninos. De outro lado, é preciso tomar em linha de conta que as moças atingem a maturidade muito antes que os rapazes; mesmo que tenham a mesma idade, não se pode tratá-los de igual maneira”.Conclui a Dra. Calvo Charro: “Diversos estudos sobre a co-educação, levados a cabo por pedagogos, psicólogos, psiquiatras e demais profissionais, levam-nos a reconhecer uma série de efeitos amplamente demonstrados: 1) não se consegue a pretensa igualdade de oportunidades e de sexos; pelo contrário, os estereótipos se radicalizam; 2) o rendimento escolar é mais baixo do que nos colégios diferenciados; 3) a violência de gênero é muito elevada; e 4) o conhecimento do sexo oposto, paradoxalmente, é desvirtuado, posto que as moças e os rapazes não se mostram como são, mas como o sexo oposto gostaria que fossem, ocultando muitas reações, sentimentos e idéias por temor do escárnio e da incompreensão, gerando muitas vezes reações de frustração nas moças e de violência machista nos rapazes”.

Novo “sexo débil”: fruto da co-educaçãoAs principais vítimas, curiosamente, não são as moças, mas os rapazes. De fato, os professores gostariam que eles se comportassem de maneira ordenada e tomassem apontamentos meticulosos, como fazem as moças, e tendem a “criminalizar” a conduta dos rapazes. A doença escolar atualmente mais estudada é o suposto “transtorno de déficit de atenção com hiperatividade”, que é tratado com remédios cujo elemento ativo é uma droga com efeito “calmante”, o metilfedinato (calcula-se que, em alguns distritos escolares dos Estados Unidos, entre 20 e 25% dos meninos estão sob os efeitos desse medicamento). Quando, na realidade, sua única “doença” é a de serem meninos e rapazes: ativos, enérgicos, competitivos e irrequietos, se comparados com suas disciplinadas colegas!Não é portanto de se estranhar que, por causa da prevalência da educação indiferenciada, na imensa maioria dos países desenvolvidos, sejam hoje as mulheres que obtenham os primeiros lugares nos liceus e ingressem em maior número nas universidades. O que reforça nos rapazes o preconceito de que “estudar é negócio para moças”. A revista “Business Week” publicou em maio de 2003 um preocupante artigo sobre como os rapazes estão sendo “marginalizados”, dessa forma, do sistema educativo, transformando-se no “sexo débil” dos novos tempos.O lançamento do livro As armadilhas da educação mista, no mesmo ano de 2003, provocou na França viva controvérsia na sociedade e entre os políticos. Seu autor, Michel Fize, é um conhecido especialista nos temas da adolescência, juventude e família, membro do Centro Nacional da Pesquisa Científica. Entre 1997 e 2002, foi assessor técnico da então Ministra da Juventude e Esportes, nem mais nem menos que Marie-Georges Buffet, a atual secretária-geral do Partido Comunista Francês e candidata à presidência da República!Como vencer a crise e voltar ao sistema educativo eficiente?Analisado sumariamente o fracasso rotundo da revolução pedagógica — tanto do ponto de vista estritamente pedagógico, pelo insucesso dos novos métodos de aprendizado, quanto do ponto de vista social, pelo fracasso das políticas visando combater as desigualdades sociais e sexuais — cabe perguntar: qual é a solução para restaurar um sistema educativo eficiente, que satisfaça os pais e beneficie os alunos e a sociedade em seu conjunto?Os partidos de esquerda e alguns centros acadêmicos retrógrados ainda pregam a mesma receita “politicamente correta”, que não deu certo no passado: aumento do gasto público na educação primária e secundária; manutenção de um sistema único de ensino público; imposição de programas uniformes de educação, tanto para os estabelecimentos públicos quanto para os privados; luta contra a violência e sexismo no interior dos colégios e liceus, pregação da tolerância, etc.

A verdadeira solução entretanto consiste em “adorar o que foi queimado e queimar o que foi adorado”. Ou seja, em reconhecer que os sexos são diferentes; que há classes sociais com níveis culturais diversos; que as capacidades individuais são desiguais; e que, portanto, a melhor educação é aquela que mais perfeitamente se adapte ao público-alvo. Portanto, uma educação autônoma e diferenciada.

Os poderes públicos devem reconhecer que os pais de família são os primeiros educadores de seus filhos, e que o papel do Estado não é substituí-los, mas fornecer-lhes um leque de opções, a fim de facilitar-lhes a melhor escolha dentro de suas possibilidades; e, quando necessário, ajudá-los com subsídios personalizados a superar os eventuais handicaps de que padecem seus filhos, devido à pobreza e à deficiente cultura do ambiente familiar.

É preciso ainda reconhecer que, na formação da criança, é fundamental o papel da autoridade (dos pais, dos professores, etc.), da disciplina e do esforço pessoal, renunciando ao pressuposto absurdo de que os alunos podem se auto-educar, e desenvolver espontaneamente suas virtudes morais e seus talentos intelectuais. Nesse sentido, é preciso dar novamente um lugar de destaque ao ensino da Religião e da Moral verdadeiras.É necessário, finalmente, abandonar os preconceitos ridículos que impuseram, em nome da igualdade dos sexos e da liberação da mulher, a educação mista de rapazes e moças, praticamente no mundo inteiro e até na maioria dos estabelecimentos católicos de ensino.

Finalmente é imperioso reconhecer, como afirma William Bennett, autor do Livro das Virtudes para Meninos e Jovens, que a família é o primeiro e melhor Ministério de Saúde, o primeiro e melhor Ministério da Educação e o primeiro e melhor Ministério de Bem-estar Social. É ela que pode mais adequadamente, pela mera convivência no lar, satisfazer as necessidades emocionais, morais e educativas dos mais jovens.

A restauração da educação passa, pois, pela restauração da família. E esta depende, por sua vez, da restauração religiosa e moral de nosso ambiente cultural. O que somente pode ser obtido caso os homens abram suas almas à graça divina, dispensada principalmente mediante os sacramentos, dos quais a Igreja Católica é a depositária.Sem restauração religiosa, é impensável uma restauração pedagógica. Dela depende o futuro de nossas crianças e do mundo.

Santa Ana ensina a Nossa Senhora menina “A família é o primeiro e melhor Ministério de Saúde, o primeiro e melhor Ministério da Educação e o primeiro e melhor Ministério de Bem-estar Social. É ela que pode mais adequadamente, pela mera convivência no lar, satisfazer as necessidades emocionais, morais e educativas dos mais jovens”.