quarta-feira, fevereiro 28, 2007

O QUE HÁ DE TÃO MARAVILHOSO SOBRE OS ESTADOS UNIDOS

Dinesh D’Souza2

Uma das coisas que mais surpreenderam as pessoas na história do ataque de 11 de Setembro (2001) é que ele ocorreu numa época em que o ideal americano parecia se espalhar irresistivelmente por todo o mundo.

Francis Fukuyama escreveu O fim da História tendo como argumento a inexorável propagação das idéias liberais de uma democracia constitucional do Ocidente. Mas acho que muitos de nós agora estamos bastante conscientes de que há uma poderosa resistência aos EUA.
O antiamericanismo tem três escolas no mundo:
1. A escola européia, basicamente a escola francesa – difícil de ser levada a sério. Segundo ela, a americanização do mundo está anulando o que é típico, regional, da cultura de cada canto do mundo. Pensam eles: "temos a língua francesa, maravilhosa, ótimos restaurantes franceses, excelentes intelectuais, e estas coisas estão sendo dizimadas". Esta é a crítica européia.
2. Crítica asiática – basicamente da Malásia, Cingapura e agora, cada vez mais, da China. Segundo essa escola, o Ocidente resolveu o problema econômico, mas não resolveu o problema cultural. O Ocidente sabe como criar prosperidade, tecnologia, mas não sabe criar ordem social. O Ocidente tem alta mobilidade social, mas também uma taxa alta de criminalidade, de divórcio, de filhos ilegítimos, e uma cultura popular que é quase sempre trivial, se não, vulgar. Os que advogam a visão asiática dizem: "Podemos fazer melhor. Podemos combinar prosperidade econômica, por um lado, com decência social, por outro".Esta é a crítica asiática.
3. Crítica islâmica – (talvez a mais importante para os EUA) – O mundo inteiro quer importar seletivamente as idéias dos EUA e do Ocidente em geral. Todo mundo quer importar algumas coisas do Ocidente, mas não outras. Os chineses querem o capitalismo ocidental, mas não querem a democracia do Ocidente. Intelectuais indianos querem a tecnologia ocidental, mas não querem a cultura ocidental. Para a visão islâmica, essa tentativa de "selecionar" o que se quer do Ocidente ou dos EUA é uma ilusão. A americanização ou a ocidentalização são uma ilusão. Na visão islâmica, você não pode selecionar partes dos EUA ou do Ocidente para importar. Se você quiser levar uma parte, vai levar quase tudo ou tudo. E se você levar tudo, o efeito disso seria cataclísmico, iria minar a fé em Alá, subverter a hierarquia política e religiosa, criaria uma revolução moral na sociedade, deixaria o mundo islâmico irreconhecível em relação ao que tem sido desde os tempos de Maomé. Este é o medo dos seguidores do Islamismo. E estão absolutamente certos. O ideal americano e do Ocidente é subversivo, é um ideal revolucionário. E por que é subversivo?

A importância da civilização ocidental
Vivemos num mundo que vem sendo dramaticamente moldado, nos últimos 200 anos, pela civilização ocidental. A atual geração pergunta, perplexa: "Como é que a civilização ocidental passou a dominar o mundo"? Se você voltar na História aos anos 1600, as civilizações que dominavam o mundo eram a chinesa e a do mundo árabe islâmico. Eram as mais avançadas em estudos, conhecimento, na exploração, em riqueza, na literatura... Em todos os ramos imagináveis da civilização esses "caras" estavam no topo, acima da civilização ocidental conhecida à época como a cristandade, que estava muito atrás. Então, como essa relativamente atrasada civilização do Ocidente progrediu tanto que se tornou capaz de, em pouco mais de cem anos, conquistar todas as civilizações do mundo? Como isso aconteceu? A explicação convencional que nos dão nas escolas e nas Universidades é a de que o Ocidente se tornou rico e poderoso através da opressão. Que foram especificamente os crimes da escravidão e do colonialismo que se constituíram no segredo para a ascensão e poderio do Ocidente. E esse argumento conduz o debate tanto dentro como fora dos EUA. E serve como argumentação para o terrorismo. Dentro dos EUA, a favor de uma reparação.
A argumentação genérica no mundo árabe é a de que "vocês, árabes, estão por baixo porque os do Ocidente estão por cima; vocês estão pobres porque eles estão ricos; eles se tornaram ricos às suas custas".Assim, a primeira pergunta que nos devemos fazer é: será que isso é mesmo verdade? Será que o Ocidente, de fato, se tornou rico desse modo?
Se você fizer uma pequena pesquisa mundo afora, vai se dar conta de que não há nada de "ocidental" nem na escravidão nem no colonialismo. Se você olhar o colonialismo, as colônias inglesas, por exemplo. A Índia foi colônia da Inglaterra por alguns bons anos, mas muito antes dos ingleses, foi ocupada pelos persas, afegãos, mongóis, pelos turcos, pelos árabes. A Inglaterra deve ter sido o sétimo ou oitavo colonizador a invadir e ocupar a Índia.
Não há nada de caracteristicamente ocidental nem na escravidão nem no colonialismo. A escravidão existiu em toda civilização de que se tem notícia: os chineses a tiveram, os indianos também, os gregos, os romanos. A escravidão era uma realidade em toda a África. Os índios da América tinham escravos muito antes que Colombo pusesse os pés neste continente.
O que é caracteristicamente ocidental não é a escravidão, mas a revolução. O movimento para libertação, para pôr fim à escravidão, este sim, é um traço característico de uma conquista ocidental. Tudo isso é para dizer que opressão é um argumento muito fraco para o sucesso do Ocidente.
A razão para a ascensão e riqueza do Ocidente é que a civilização ocidental inventou três coisas que nunca existiram antes e essas três coisas são a ciência, a democracia e o capitalismo. Todas essas três coisas se baseiam num princípio universal. Veja, por exemplo, a ciência: em toda cultura as pessoas querem aprender. Os chineses, por exemplo, gravavam os eclipses, os maias desenvolveram o calendário, os indus inventaram o número zero. Mas a ciência, pela qual quero dizer laboratórios, experimentação, verificação, comprovação, esta é a invenção da invenção: o método científico. Esta é uma idéia ocidental.
Agora veja o Capitalismo. Em toda sociedade as pessoas comercializavam. Não há nada de caracteristicamente ocidental no dinheiro. Mas Capitalismo, que pressupõe o direito de propriedade, contratos e Cortes de Justiça para assegurá-los, empresas de financiamento, de seguro, contabilidade, e todos esses ingredientes que fazem parte do Capitalismo, isso tudo representa uma evolução tipicamente ocidental.
O mesmo pode ser dito a respeito da Democracia. O que eu proponho é que o verdadeiro poder do Ocidente foi desenvolvido internamente, em torno da Ciência, Capitalismo e Democracia, um fator atuando sobre o outro. São as três colunas do sucesso do Ocidente.
Agora falando especificamente dos EUA. O que há de tão relevante no ideal americano que a tantos soa tão atraente, atraindo imigrantes de todo o mundo e que fascina as pessoas onde quer que você vá? Você pode estar num hotel em Bombaim, em Barbados, que todos demonstram isso. Há alguma coisa de muito fascinante no ideal americano que precisa ser explicado.
Ao mesmo tempo, o ideal americano é para outras pessoas tão repulsivo! E eu não estou falando só de uns caras malucos do mundo islâmico. Estou falando também de pessoas daqui dos EUA. O que há de tão significativo no ideal americano que provoca tão fortes reações em ambos os lados?
Para responder a essa pergunta, eu me faço uma pergunta diferente: o que é que teria acontecido comigo se eu não tivesse vindo para os EUA, se eu tivesse ficado na Índia? E a razão porque eu me faço essa pergunta é porque andei vendo a literatura a respeito da imigração para os EUA e basicamente a resposta não tem muitas variáveis. Os imigrantes vêm para os EUA por uma simples razão: para ficarem ricos, ganhar muito dinheiro. Os críticos dos EUA gostam dessa explicação porque é um modo de atribuir a sedução pelos EUA à ganância. Apesar de conter algo de verdade, eu diria que essa explicação é muito limitada e fundamentalmente distorcida. A explicação material é verdadeira em parte e é por isto que é tão conhecida.
O que sucede, na verdade, é que os EUA, mais que outro país, proporcionam uma vida boa e agradável ao cidadão comum. Pense no seguinte: se você é um "cara" rico, vai se dar bem em qualquer lugar. Eu até diria que se você é rico pode viver melhor fora dos EUA do que nos EUA. Por que? Porque se você mora fora dos EUA vai usufruir do que podemos chamar de "as regalias da aristocracia", que se resumem no prazer de sentir que você é um ser superior. Nos EUA isso lhe é negado, não importa quanto dinheiro você tenha. Posso citar o exemplo do Bill Gates. Se Bill Gates estiver andando pelas ruas de Nova Iorque e parar alguém, ao acaso, e lhe disser: "_ Olhe, eu lhe dou cem dólares se você beijar meus pés".Qual seria a resposta do americano típico? O americano típico diria a ele o seguinte: "_ Bill, vá para o inferno! Você pode ter mais dinheiro que eu, mas não é melhor do que eu".E essa é a idéia que mostra o limite do que o dinheiro pode comprar nos EUA. Sendo assim, o "cara" rico vive melhor fora dos EUA.
Mas os EUA proporcionam uma vida boa ao homem comum. Como imigrante, isso é óbvio demais para mim. Tenho um amigo em Bombaim que há uns dez anos vem tentando obter um visto para se mudar para os EUA e não consegue nunca. Perguntei a ele: por que é que você quer tanto ir para os EUA? Ele me disse que é porque ele quer morar num país em que, ao menos, as pessoas pobres são gordas. Em outras palavras, o homem comum vive bem nos EUA. Para mim, no entanto, essa é uma explicação limitada e parcial para o que é verdadeiramente atraente e significativo nos EUA.
Volto à pergunta que apresentei pouco atrás: o que teria sido da minha vida se eu não tivesse vindo para os EUA? Se eu tivesse ficado morando na Índia, provavelmente passaria toda a minha vida dentro de uma área de cinco milhas de raio de onde eu nasci. Sem dúvida, teria me casado com uma garota da minha religião, classe e padrão de vida. Quase certamente seria um médico, um engenheiro ou um programador de software. Eu teria todo um conjunto de opiniões que facilmente já estariam ultrapassadas. Isso é o que o destino teria me proporcionado. Não estou dizendo que não teria nenhuma outra escolha. Mas a escolha seria confinada dentro de certos parâmetros.
Nos EUA, ao contrário, tenho que escrever o script da minha própria vida. Nos EUA nossa vida é como uma folha de papel em branco e nós somos os autores. Nos EUA, o destino não é dado a você, mas é construído por você. É assim que perguntam ao garoto: "_ Bill, o que você quer ser quando crescer?"A resposta está com a criança, não com os pais. Esta noção de você ser o arquiteto de seu próprio destino, ou, se quiserem, a idéia de que você é o motorista condutor de sua própria vida, esta é a força do ideal americano que é irresistível, particularmente para os jovens em todo o mundo. Se você chegar para um "cara" e lhe propuser: "_ Você tem duas escolhas: alguém pode escrever o script da sua vida ou você pode escrever por si próprio", não é difícil perceber o que as pessoas escolheriam. Nisso consiste a força do ideal americano.
Mas não disse ainda o que há de tão controvertido nesse ideal. E é isso que proponho como a maior revolução moral desde o século XVII. Uma revolução moral que radicalizou a idéia de liberdade individual que ultrapassou tudo o que os fundadores dos EUA pudessem ter concebido. Eles acreditavam em três tipos de liberdade: econômica, política e de expressão e religião. Acreditavam que a natureza humana é igual em todo lugar. As pessoas buscam as mesmas coisas na vida. Dê a elas esses três tipos de liberdade e elas podem realizar o sonho americano por conta própria. Isto era o que os fundadores dos EUA entendiam por liberdade. Mas essa idéia de liberdade foi radicalizada e em décadas recentes foi particularmente radicalizada pelo filósofo Rousseau. Não digo que Rousseau tenha sido a causa da mudança. Digo que ele a articulou com eloqüência e força.
Rousseau disse: "_ Há um modo de ser humano que é o meu jeito. Há um modo para mim de viver a vida que apenas eu posso determinar por conta própria. E se me vejo diante de uma importante decisão – a quem amar, com quem me casar, o que devo ser, uma decisão moral a tomar, de qualquer espécie, – não resolvo nada disso consultando meus pais, ou meus professores, meus líderes religiosos, nem mesmo a Deus. Então, como eu decido? Decido consultando meu ser interior. Considero-me como um ser humano com dotes pessoais que estão dentro de mim. Eu me pergunto o que devo fazer e obedeço a esse conselho infalível".
Em outras palavras, Rousseau está enunciando uma nova idéia, a idéia de autenticidade, de ser verdadeiro comigo mesmo. É uma idéia imensamente poderosa. Ele acrescentou às liberdades individuais enumeradas pelos fundadores dos EUA uma nova: a liberdade interior ou liberdade moral. Vocês podem ver como essa idéia é tremendamente sedutora e tremendamente polêmica. Para o mundo islâmico, é ameaçadora para a autoridade de Alá porque ela oferece uma corrente filosófica que rivaliza com as religiões. De repente, a esposa e o filho muçulmanos dizem: "_ Eu não tenho que obedecer ao chefe da casa, ou ao mulah,3 ou à sharia,4 ou mesmo a Deus. Só tenho que ouvir meu interior." É uma idéia bastante radical. E é uma idéia polêmica mesmo dentro dos EUA. É, de certa forma, a raiz e a base das denominadas "guerras das culturas".
Foi Edmund Burke quem disse, não muito tempo atrás: "- Para amarmos nosso país, nosso país tem que ser amável". E o que ele quer dizer com isso é que nós amamos nosso país porque ele é nosso, mas que esta não é a maior forma de patriotismo. A maior forma de patriotismo é amar seu país não apenas porque ele é seu, mas também porque ele é bom.
A pergunta com que nos deparamos hoje, nesses tempos difíceis, é: que coisas nós temos para amarmos nosso país? Podemos encontrar aqui o que Burke diz e ver se isso se confirma?
Temos que responder ao argumento islâmico no que ele tem de mais importante. Se você disser aos muçulmanos: "- Olhe, nosso país é próspero, nosso país é pluralista, nosso país é multiforme, nosso país é livre, tratamos as mulheres com igualdade...", o mais inteligente crítico muçulmano dirá: "_ Sim, vocês têm tudo isso, mas, e daí? Essas não são as coisas mais importantes. O princípio de vocês é a liberdade, o nosso é a virtude. Nós estamos tentando pôr em prática a vontade de Deus. Podemos estar errando, mas, ao menos, estamos tentando".
O argumento deles é que a virtude é um princípio mais elevado que a liberdade. Como é que se responde a essa espécie de argumento? Começo a resposta concordando com eles. Eu concordo que a virtude é um objetivo fundamental para uma boa sociedade. Mas o meu argumento é que a liberdade é a pré-condição essencial para se chegar à virtude. Em outras palavras, é preciso haver liberdade para que a virtude seja uma virtude. Considere uma mulher no Irã que é obrigada a usar véu. Na minha opinião, ela não é recatada. Por que? Porque ela está sendo constrangida a ser. Para exercermos a virtude, temos que ser capazes de escolhê-la com liberdade.
Portanto, o maior triunfo de uma sociedade livre não é apenas o fato de que ela nos proporciona mais prosperidade, nos torna mais pluralistas, nos proporciona mais generosidade, ou porque tratamos melhor as mulheres. O maior triunfo de uma sociedade livre é que a liberdade é condição fundamental para vivermos não somente uma boa vida, mas também – o que me parece mais importante – uma vida que é boa.
1- Tema do livro de mesmo nome What’s so great about America. 2- Dinesh D’Souza é indiano naturalizado americano. Extratos de palestra proferida no CATO Institute e publicada na CATOAudio de JUN.2002. Acervo da Biblioteca do IL-RJ. 3- Chefe religioso islâmico.4- Conjunto de leis islâmicas ditadas por Maomé, bastante rigorosas para os padrões ocidentais.

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