O SISTEMA É INEFICAZ E QUANDO JULGA GASTA MAIS DO QUE DEVOLVE AOS RECLAMANTES
JOSÉ PASTORE
Uma das tarefas mais difíceis nas ciências sociais é matematizar o valor dos serviços intangíveis. Quanto vale a ação de um juiz que corrige a injustiça praticada por um empregador? Quanto vale a decisão de um tribunal que termina com uma greve de ônibus?
Se, de um lado, é difícil estimar o benefício de uma sentença judicial, de outro, é mais fácil calcular o seu custo. Segundo os dados do Relatório Geral da Justiça do Trabalho de 2001, aquele órgão encerrou nas Varas do Trabalho 1.642.613 ações, tendo pago aos reclamantes R$ 5.735.978.055 e utilizado, para tal, R$ 4.403.347.000 dos recursos da União. Ou seja, para solucionar um caso no valor de mil reais, a Justiça do Trabalho gastou, em média, R$ 767 - o que dá uma taxa de retorno fracamente positiva.
O problema não pára aí. Dos 1.642.613 casos resolvidos, 805.880 foram acertados por acordo, em geral, na primeira audiência (49,1%); 59.545 solucionaram-se por desistência (3,6%) e 244.722, por arquivamento (14,9%).
Foram julgados e executados 532.466 processos (32,4%). Portanto, mais de dois terços foram solucionados de forma expedita e menos de um terço exigiu um maior esforço.
Nos casos de acordo, foram pagos aos reclamantes R$ 2.392.679.316; nas execuções, R$ 3.343.298.738. Na hipótese de 25% da verba total (R$ 4.403.347.000) terem sido gastas com os trabalhos mais rápidos (R$ 1.100.836.000) - e 75% com os mais demorados (R$ 3.302.511.000), verifica-se que, para cada mil reais referentes a um acordo, desistência ou arquivamento, o órgão gastou R$ 460; e para cada mil reais referentes a uma execução, gastou R$ 980 - uma taxa de retorno quase nula.
Ao se incluir na receita da Justiça do Trabalho as taxas e emolumentos por ela cobrados para (1) arrematação, adjudicação e remição (5% do valor da ação); (2) atos dos oficiais de justiça (R$ 11,06 para zona urbana e R$ 22,13 para a zona rural); (3) agravo de instrumento ou de petição (R$ 44,26); (4) embargos à execução, embargos de terceiros e embargos à arrematação (R$ 44,26); (5) recurso de revista (R$ 55,35); (6) impugnação à sentença de liquidação (R$ 55,35); (7) despesa de armazenagem em depósito judicial (0,1% ao dia do valor da avaliação); (8) cálculos de liquidação realizados pelo contador do juízo (0,5% do valor liquidado) e outros -, verifica-se que para julgar mil reais, o órgão gasta mais de mil reais - o que torna a taxa de retorno negativa. E ao se adicionar, por fim, o valor do tempo e outras despesas das partes para preparar e acompanhar as ações assim como os honorários advocatícios, a taxa de retorno de um julgamento que chega à execução é gravemente negativa.
O pior é que, além de caro, o sistema atual desperdiça talentos. A maior parte do tempo dos juízes é consumida com reclamações individuais de escandalosa trivialidade. É triste ver magistrados que acumularam 10 ou 15 anos de estudo e experiência enfrentando, todos os dias, a mesmice de questões banais, tais como, acertos de salário, férias, aviso prévio, horas extras, 13.º salário e outras verbas não acordadas na hora da demissão.
Estamos diante de um sistema ineficaz que, quando julga, gasta mais do que devolve aos reclamantes e subutiliza a inteligência dos seus servidores.
De quem é a culpa? Dos juízes não é, muito menos dos funcionários.
Magistrados e servidores têm uma carga de trabalho colossal. Em 2001, tramitaram pela Justiça do Trabalho do Brasil, 2.527.671 ações! É um volume monstruoso, quando se sabe que nos Estados Unidos os processos de natureza trabalhista giram em torno de 75 mil por ano e, no Japão, apenas 2.500. Só no Rio de Janeiro, cada juiz resolve mil casos por ano e, em São Paulo, 1.244! - quase todos fundados nas banalidades apontadas!
A causa desse quadro kafkiano está em nossa lei trabalhista que, por ser velha e detalhista, não deixa o menor espaço para as partes negociarem - a não ser o salário, a participação nos lucros e o banco de horas.
A CLT é um livro grosso que impressiona pelo seu tamanho e os acordos e convenções preocupam pela sua anemia. Nos países de tradição negocial, dá-se o inverso: a maior parte das regras de relacionamento entre empregados e empregadores está no contrato de trabalho - e não na lei.
O que isso tem a ver com a Justiça do Trabalho? Tudo! O que é acertado por negociação normalmente não dá encrenca. E se der, as próprias partes estabelecem no contrato modos expeditos para resolver os impasses (autocomposição, conciliação, mediação, etc.).
Entre nós, como tudo é estabelecido na lei, qualquer desvio constitui uma violação legal que, é óbvio, tem de ser levada aos tribunais, o que gera 2,5 milhões de ações por ano. Temos uma lei que instiga conflitos.
Neste momento em que está sendo montado o Fórum Nacional do Trabalho para estudar a reforma trabalhista, a sociedade terá de ser bem esclarecida sobre a causa real da distorção apontada e decidir se deseja continuar com uma legislação que "fabrica" conflitos e é cara ou se prefere um sistema que inibe conflitos a custos desprezíveis.
José Pastore é professor da FEA-USP. Site: www.josepastore.com.br
Uma das tarefas mais difíceis nas ciências sociais é matematizar o valor dos serviços intangíveis. Quanto vale a ação de um juiz que corrige a injustiça praticada por um empregador? Quanto vale a decisão de um tribunal que termina com uma greve de ônibus?
Se, de um lado, é difícil estimar o benefício de uma sentença judicial, de outro, é mais fácil calcular o seu custo. Segundo os dados do Relatório Geral da Justiça do Trabalho de 2001, aquele órgão encerrou nas Varas do Trabalho 1.642.613 ações, tendo pago aos reclamantes R$ 5.735.978.055 e utilizado, para tal, R$ 4.403.347.000 dos recursos da União. Ou seja, para solucionar um caso no valor de mil reais, a Justiça do Trabalho gastou, em média, R$ 767 - o que dá uma taxa de retorno fracamente positiva.
O problema não pára aí. Dos 1.642.613 casos resolvidos, 805.880 foram acertados por acordo, em geral, na primeira audiência (49,1%); 59.545 solucionaram-se por desistência (3,6%) e 244.722, por arquivamento (14,9%).
Foram julgados e executados 532.466 processos (32,4%). Portanto, mais de dois terços foram solucionados de forma expedita e menos de um terço exigiu um maior esforço.
Nos casos de acordo, foram pagos aos reclamantes R$ 2.392.679.316; nas execuções, R$ 3.343.298.738. Na hipótese de 25% da verba total (R$ 4.403.347.000) terem sido gastas com os trabalhos mais rápidos (R$ 1.100.836.000) - e 75% com os mais demorados (R$ 3.302.511.000), verifica-se que, para cada mil reais referentes a um acordo, desistência ou arquivamento, o órgão gastou R$ 460; e para cada mil reais referentes a uma execução, gastou R$ 980 - uma taxa de retorno quase nula.
Ao se incluir na receita da Justiça do Trabalho as taxas e emolumentos por ela cobrados para (1) arrematação, adjudicação e remição (5% do valor da ação); (2) atos dos oficiais de justiça (R$ 11,06 para zona urbana e R$ 22,13 para a zona rural); (3) agravo de instrumento ou de petição (R$ 44,26); (4) embargos à execução, embargos de terceiros e embargos à arrematação (R$ 44,26); (5) recurso de revista (R$ 55,35); (6) impugnação à sentença de liquidação (R$ 55,35); (7) despesa de armazenagem em depósito judicial (0,1% ao dia do valor da avaliação); (8) cálculos de liquidação realizados pelo contador do juízo (0,5% do valor liquidado) e outros -, verifica-se que para julgar mil reais, o órgão gasta mais de mil reais - o que torna a taxa de retorno negativa. E ao se adicionar, por fim, o valor do tempo e outras despesas das partes para preparar e acompanhar as ações assim como os honorários advocatícios, a taxa de retorno de um julgamento que chega à execução é gravemente negativa.
O pior é que, além de caro, o sistema atual desperdiça talentos. A maior parte do tempo dos juízes é consumida com reclamações individuais de escandalosa trivialidade. É triste ver magistrados que acumularam 10 ou 15 anos de estudo e experiência enfrentando, todos os dias, a mesmice de questões banais, tais como, acertos de salário, férias, aviso prévio, horas extras, 13.º salário e outras verbas não acordadas na hora da demissão.
Estamos diante de um sistema ineficaz que, quando julga, gasta mais do que devolve aos reclamantes e subutiliza a inteligência dos seus servidores.
De quem é a culpa? Dos juízes não é, muito menos dos funcionários.
Magistrados e servidores têm uma carga de trabalho colossal. Em 2001, tramitaram pela Justiça do Trabalho do Brasil, 2.527.671 ações! É um volume monstruoso, quando se sabe que nos Estados Unidos os processos de natureza trabalhista giram em torno de 75 mil por ano e, no Japão, apenas 2.500. Só no Rio de Janeiro, cada juiz resolve mil casos por ano e, em São Paulo, 1.244! - quase todos fundados nas banalidades apontadas!
A causa desse quadro kafkiano está em nossa lei trabalhista que, por ser velha e detalhista, não deixa o menor espaço para as partes negociarem - a não ser o salário, a participação nos lucros e o banco de horas.
A CLT é um livro grosso que impressiona pelo seu tamanho e os acordos e convenções preocupam pela sua anemia. Nos países de tradição negocial, dá-se o inverso: a maior parte das regras de relacionamento entre empregados e empregadores está no contrato de trabalho - e não na lei.
O que isso tem a ver com a Justiça do Trabalho? Tudo! O que é acertado por negociação normalmente não dá encrenca. E se der, as próprias partes estabelecem no contrato modos expeditos para resolver os impasses (autocomposição, conciliação, mediação, etc.).
Entre nós, como tudo é estabelecido na lei, qualquer desvio constitui uma violação legal que, é óbvio, tem de ser levada aos tribunais, o que gera 2,5 milhões de ações por ano. Temos uma lei que instiga conflitos.
Neste momento em que está sendo montado o Fórum Nacional do Trabalho para estudar a reforma trabalhista, a sociedade terá de ser bem esclarecida sobre a causa real da distorção apontada e decidir se deseja continuar com uma legislação que "fabrica" conflitos e é cara ou se prefere um sistema que inibe conflitos a custos desprezíveis.
José Pastore é professor da FEA-USP. Site: www.josepastore.com.br