Frédéric Bastiat
Eu gostaria que se instituísse um prêmio, não de quinhentos francos, mas de um milhão, com guirlandas, medalhas e fitas, em favor de quem conseguisse dar uma boa, simples e inteligente definição para a palavra: ESTADO.
Que grande serviço essa pessoa estaria prestando à sociedade!
O Estado! O que é? Onde ele está? O que faz? O que deveria fazer?
Tudo o que dele sabemos é que se trata de um personagem misterioso e, sem sombra de dúvida, o mais solicitado, o mais atormentado, o mais ocupado, o mais aconselhado, o mais acusado, o mais invocado e o mais provocado que exista no mundo.
Pois é, caro leitor. Eu não tenho a honra de conhecê-lo, mas aposto dez contra um que há seis meses você inventa utopias e, se você as inventa, aposto dez contra um que encarrega o Estado de realizá-las.
E você, cara leitora, tenho certeza de que deseja, do fundo de seu coração, acabar com todos o males da triste humanidade e sei que não se sentiria embaraçada se o Estado se propusesse a fazê-lo.
Mas, infelizmente, o coitado, como o personagem Fígaro, não sabe quem escutar e nem para que lado se virar. As cem mil bocas da imprensa e da tribuna lhe gritam ao mesmo tempo:
“Organize o trabalho e os trabalhadores”
“Acabe com o egoísmo”
“Reprima a insolência e a tirania do capital”
“Faça experiências com o esterco e com os ovos”
“Sulque o país de estradas de ferro”
“Irrigue as planícies”
“Refloreste as montanhas”
“Crie fazendas-modelo”
“Funde oficinas”
“Colonize a Argélia”
“Dê leite às crianças”
“Instrua a juventude”
“Socorra a velhice”
“Envie para o campo os habitantes das cidades”
“Taxe os lucros de todas as indústrias”
“Empreste dinheiro, e sem juros, àqueles que o desejarem”
“Libere de taxas a Itália, a Polônia e a Hungria”
“Crie e aperfeiçoe o cavalo de montaria”
“Incentive a arte, forme mais músicos e bailarinas”
“Proíba o comércio e, ao mesmo tempo, crie uma marinha mercante”
“Descubra a verdade e plante em nossas cabeças uma semente de razão. O Estado tem por missão esclarecer, desenvolver, aumentar, fortalecer, espiritualizar e santificar a alma dos povos”.
“— Eh, meus senhores, um pouco de paciência! — responde o Estado, com um ar digno de dó. Vou tentar satisfazê-los, mas, para tanto, preciso de recursos. Preparei projetos para angariar fundos através de cinco ou seis impostos bem novinhos e bem bonzinhos. Vocês vão ver com que prazer irão pagá-los”.
E logo uma gritaria geral se levanta: “Acudam! Acudam! Que mérito há em fazer coisas usando recursos! Para que, então, você se chama Estado? Não queremos que nos assole com novos impostos, mas que nos retire a obrigação de pagar os antigos!
Acabe com:
o imposto do sal,
o imposto das bebidas,
o imposto das cartas,
o imposto de circulação de mercadorias,
as patentes,
as prestações!”
No meio desse tumulto e após o país ter mudado duas ou três vezes o seu Estado — por não estar ele satisfazendo a todos os pedidos —, eu quis demonstrar que muitos destes são contraditórios. O que é que fui inventar, meu Deus! Não podia guardar para mim essa infeliz constatação?
Eis-me desacreditado para sempre. E agora me apontam como um homem sem tripas e sem coração, um filósofo frio, um individualista, um burguês e, para tudo dizer em uma só palavra, um economista da escola inglesa ou americana.
Perdoem-me, escritores sublimes, pois nada pára, nem mesmo as contradições. Estou errado, sem dúvida, e me retraio de bom grado. Não desejo outra coisa, estejam certos, senão que vocês tenham conseguido descobrir, apesar de nós, um ser benfeitor e inesgotável que se chama Estado, que tem pão para todas as bocas, trabalho para todos os braços, capital para todos os empreendimentos, crédito para todos os projetos, bálsamo para todas as feridas, alívio para todos os sofrimentos, conselhos para todas as perplexidades, soluções para todas as dúvidas, verdades para todas as inteligências, distração para todos os aborrecimentos, leite para a infância, vinho para a velhice, que acuda a todas as nossas necessidades, atenda a todos os nossos desejos, satisfaça a todas as nossas curiosidades, conserte todos os nossos erros, repare nossas faltas e nos dispense a todos, daqui em diante, de previdência, prudência, julgamento, sagacidade, experiência, ordem, economia, temperança e atividade.
E por que não iria eu desejar isso? Que Deus me perdoe! Quanto mais reflito sobre o assunto, mais reconheço que a coisa é cômoda e que está demorando muito a chegar ao meu alcance essa fonte inesgotável de riquezas e de luzes, esse remédio universal esse tesouro sem fim, esse conselheiro infalível que vocês chamam de Estado.
É por isso que estou pedindo que me mostrem, que me definam esse Estado. E é também por isso que estou propondo a instituição de um prêmio para o primeiro que descobrir essa fênix. E vocês vão concordar comigo que essa descoberta preciosa ainda não foi feita, pois, até o presente momento, tudo o que se apresenta sob o nome de Estado o povo logo derruba, justamente porque não preenche as condições um tanto contraditórias do programa.
Será que é preciso dizer? Pois bem, creio que, com relação a esse assunto, temos sido enganados com as mais bizarras ilusões que o espírito humano possa inventar.
O homem repudia o sofrimento e a dor. E, contudo, ele é condenado pela natureza ao sofrimento da privação, se não se der a pena do trabalho. Ele só tem, portanto, uma escolha dentre esses dois males. Como fazer então para evitá-los ambos? Até agora ele só descobriu e só descobrirá um meio: aproveitar-se do trabalho de outrem. É fingir que o trabalho e a satisfação não são destinados naturalmente a cada um de nós e pensar que todo o trabalho cabe a alguns e todas as satisfações a outros. Daí surge a escravidão, a espoliação, seja sob que forma apareça: guerras, imposturas, violências, restrições, fraudes etc., abusos monstruosos, mas coerentes com o pensamento que os fez nascer. Devemos odiar e combater os opressores, mas não podemos dizer que sejam absurdos.
A escravidão está desaparecendo, graças aos céus, mas, por outro lado, essa disposição que temos para defender nosso bem faz com que a espoliação direta e inocente não seja fácil. Uma coisa, porém, permaneceu: é essa infeliz inclinação primitiva que trazem em si os homens para dividir em duas partes o lote complexo da vida, lançando sobre outrem o sacrifício e a pena, e guardando para si a satisfação e o prazer. Resta saber sob que nova forma se manifesta essa triste tendência.
O opressor não age mais diretamente sobre o oprimido por suas próprias forças. Não! Nossa consciência tomou-se muito meticulosa para isso. Existem ainda o tirano e a vítima, mas, entre eles, se coloca um intermediário que é o Estado, ou seja, a própria lei. O que pode haver de mais limpo, de mais próprio para fazer calar nossos escrúpulos? E isso é talvez o caminho mais apreciado para se vencerem as resistências. Portanto, todos, sem exceção, por um motivo ou por outro, dirigimo-nos ao Estado. Nós lhe dizemos: “Acho que entre o meu trabalho e meus prazeres não está havendo uma proporção que me satisfaça. Gostaria muito, para restabelecer o equilíbrio desejado, de avançar um pouquinho nos bens de outra pessoa. Mas isso é perigoso. Será que você não poderia me facilitar essa operação? Não poderia me dar um bom lugar? Ou então não poderia atrapalhar um pouco os negócios de meus concorrentes? Ou será que não poderia me emprestar graciosamente algum dinheiro, que você arranjaria com alguém? Ou ainda educar meus filhos às expensas do povo? Ou me conceder prêmios de incentivo? Ou me assegurar bem-estar quando eu chegar aos cinqüenta anos? Desse modo, alcanço meu objetivo com toda a tranqüilidade de minha consciência, porquanto a própria lei terá agido por mim, e eu terei todas as vantagens da espoliação sem ter corrido os riscos e atraído o ódio por tê-la praticado!”
Posto que é certo, por um lado, que nós pedimos ao Estado alguma coisa de semelhante ao que foi dito, e que, por outro lado, o Estado não pode proporcionar satisfação a alguns sem sobrecarregar outros com mais trabalho, na espera de uma outra definição de Estado, creio-me autorizado a dar a minha. Quem sabe se ela não vai me trazer o prêmio? Ei-la:
O ESTADO é a grande ficção através da qual TODO MUNDO se esforça para viver às custas de TODO MUNDO.
Pois hoje, como antigamente, cada um, um pouco mais, um pouco menos, gostaria bem de se aproveitar do trabalho de outrem. Tal sentimento ninguém ousa proclamá-lo; nós o dissimulamos para nós mesmos. E então o que fazemos? Imaginamos a existência de um intermediário. E aí nos dirigimos ao Estado. E cada classe social vem, por sua vez, dizer: “Você, que pode tirar, leal e honestamente, algo de alguém, tire do povo e nós partilharemos”. Infelizmente o Estado tem uma inclinação demasiadamente forte para seguir esse diabólico conselho, já que se compõe de ministros, de funcionários, de homens, enfim, que como todos os homens, trazem no coração o desejo e aproveitam sempre com pressa a oportunidade de ver aumentar suas riquezas e sua influência. O Estado compreende bem depressa o partido que pode tirar do papel que o povo lhe confia. Ele passa a ser o árbitro, o senhor de todos os destinos; ele tira muito, logo lhe resta também muito para si; ele multiplica o número de seus agentes, aumenta o âmbito de suas atribuições e acaba por adquirir proporções esmagadoras.
Mas o que é importante observar é a espantosa cegueira do povo diante de tudo isso. Quando soldados felizes reduziam os vencidos a escravos, eles eram bárbaros, todavia não eram absurdos. O objetivo deles, como o nosso, era viver às custas de alguém. E, como nós, eles não perdiam a ocasião. O que devemos pensar de um povo para o qual a pilhagem recíproca não é muito pilhagem, porque é recíproca? E para o qual ela não é criminosa, porque é feita legal e ordeiramente? E não acrescenta nada ao bem-estar do povo, mas, ao contrário, o diminui de tudo aquilo que custa esse intermediário dispendioso que chamamos de Estado?
E essa grande quimera, nós a colocamos, para a glória do povo, no frontispício da constituição. Eis as primeiras palavras do preâmbulo:
“A França constituiu-se em república para... elevar todos os cidadãos a um grau mais elevado de moralidade, de luz e de bem-estar”.
Assim é a França ou essa abstração, que eleva os franceses aos mais altos padrões de moralidade, de bem-estar, etc. Não seria isso estar possuído pela bizarra ilusão que nos leva a tudo esperar de uma outra energia diferente da nossa? Não seria dar a entender que existe ao lado e fora dos franceses um ser virtuoso, esclarecido, rico, que pode e deve derramar sobre eles suas graças? Não seria admitir — e, sem dúvida, de maneira bem gratuita — que há entre a França e os franceses, entre a simples denominação abreviada, abstraia, de todas as individualidades e essas próprias individualidades relações de pai para filho, de tutor para pupilo, de professor para aluno? Sei bem que, às vezes, se afirma metaforicamente que a pátria é uma doce mãe. Mas, para pegar em flagrante delito de inanidade a frase constitucional, basta mostrar que ela pode ser mexida — e eu diria não só sem inconvenientes, mas mesmo com vantagem. A exatidão seria prejudicada se o preâmbulo fosse o seguinte:
“Os franceses se constituíram em república para elevar a França a um grau sempre mais elevado de moralidade, de luz, de bem-estar”.
Ora, que valor tem um axioma no qual o sujeito e o predicado podem trocar de posição sem inconveniente? Todo mundo compreende quando se diz: a mãe amamentará seu filho. Mas seria ridículo dizer-se: o filho amamentara sua mãe.
Os americanos tinham outra idéia das relações dos cidadãos com o Estado quando colocaram no início de sua constituição essas simples palavras:
“Nós, o povo dos Estados Unidos, para formar uma união mais perfeita, estabelecer a justiça, assegurar a tranqüilidade interna, prover à defesa comum, aumentar o bem-estar geral e garantir os benefícios da liberdade para nós mesmos e para nossos descendentes, decretamos...”
Aqui não há invenções quiméricas ou abstrações às quais os cidadãos venham reivindicar tudo. Eles não esperam nada senão de si próprios e de sua própria energia.
Se eu me permiti criticar as primeiras palavras de nossa constituição não foi, como se pode pensar, para me ocupar com uma simples sutileza metafísica. Quero dizer que essa personificação do Estado tem sido no passado e será no futuro uma fonte fecunda de calamidades e de revoluções.
Eis o povo de um lado e o Estado de outro, como se fossem dois seres distintos, este tendo que se espalhar sobre aquele, aquele com o direito de reclamar junto a este a torrente de felicidade humana que pretende alcançar. Que deve acontecer?
De fato, o Estado não é maneta è nem poderia sê-lo. Ele tem duas mãos: uma para receber e outra para dar, ou, melhor dizendo, a mão rude e a mão delicada. A ação da segunda subordina-se necessariamente à da primeira. A rigor, o Estado pode tomar e não devolver. Isso se explica pela natureza porosa e absorvente de suas mãos, que retém sempre uma parte e às vezes a totalidade daquilo que tocam. Mas o que nunca se viu, não se verá jamais e não se pode mesmo conceber é que o Estado devolva ao povo mais do que ele tomou. É, portanto, de maneira louca que nos colocamos diante dele numa postura de mendigos. É radical e totalmente impossível conceder uma vantagem particular a algumas pessoas que constituem a comunidade, sem infligir um prejuízo superior à comunidade inteira.
O Estado se acha então colocado, por nossas exigências, dentro de um círculo manifestamente vicioso.
Se ele se recusa a dar o bem que se exige dele, é acusado de impotência, de querer mal ao povo, de incapacidade Se tenta realizar o que pedem, fica condenado a cobrar impostos redobrados, a fazer mais mal do que bem e a atrair para si, por outro lado, a desaprovação geral.
Dessa forma, coexistem no povo duas esperanças e no governo duas promessas: muitos benefícios e nenhum imposto. Esperanças e promessas que, por serem contraditórias, não se realizam nunca.
Não estará aí a causa de todas as nossas revoluções? Pois entre o Estado que esbanja promessas impossíveis e o povo, que imaginou esperanças irrealizáveis, vêm-se interpor duas classes de homens: os ambiciosos e os utopistas. O papel deles é todo indicado pela situação. Basta que esses cortejadores da popularidade gritem nos ouvidos do povo: “O poder te engana! Se estivéssemos no lugar dele, nós te acumularíamos de benefícios e te libertaríamos dos impostos”.
E o povo acredita, e o povo espera, e o povo faz uma revolução!
Nem bem esses amigos do povo chegaram ao poder e já são chamados a atender aos pedidos: “Dêem-nos, pois, trabalho, pão, assistência, crédito, instrução, colônias e, conforme as promessas de vocês, livrem-nos das garras do fisco”.
O novo Estado não fica menos embaraçado que o Estado velho, pois, diante da impossibilidade, pode-se prometer, mas não dá para cumprir. Ele procura ganhar tempo, pois precisa de tempo para amadurecer seus projetos grandiosos. Primeiramente, faz algumas tímidas tentativas: de um lado, desenvolve um pouco a instrução primária, de outro, modifica um pouco o imposto das bebidas (1830). Mas a contradição aparece sempre diante dele: se quiser ser filantropo, é forçado a permanecer fiscal, e se renuncia à fiscalização, tem que deixar também a filantropia.
Essas duas promessas se excluem sempre e necessariamente uma a outra. Usar o crédito, isto é, devorar o futuro, é bem urna maneira atual de conciliá-los. Tenta-se fazer um pouco de bem no presente às custas de muito mal no futuro. Mas esse processo evoca o espectro da Bancarrota, que espanta o crédito. O que fazer então? Aí o novo Estado decide como um bravo: reúne forças para se manter, abafa a opinião, recorre ao arbitrário, ridiculariza seus antigos princípios, declara que não pode administrar a não ser com impopularidade, em suma ele se proclama governo.
E é aí que outros cortejadores da popularidade aparecem. Eles exploram as mesmas ilusões, passam pelos mesmos caminhos, obtêm o mesmo sucesso e vão em seguida cair no mesmo abismo.
Foi assim que chegamos a fevereiro. Nessa época, a ilusão que é o assunto deste artigo tinha penetrado mais que nunca nas idéias do povo com as doutrinas socialistas. Mais que nunca esperava-se que esse Estado, sob a forma republicana, abrisse bem grande a porta da fonte dos benefícios e fechasse a dos impostos.
“Já me enganaram de sobra, dizia o povo, e vou fiscalizar para que não me venham a enganar mais uma vez”.
O que podia fazer o governo provisório? Infelizmente o que se faz sempre em tais circunstâncias: prometer e ganhar tempo. Ele não fez por menos. E para dar mais solenidade a suas promessas, fixou-as através de decretos: “Aumento do bem-estar, diminuição do trabalho, assistência, crédito, instrução gratuita, colônias agrícolas, preparo do campo e, ao mesmo tempo, redução das taxas que incidem sobre o sal, as bebidas, as canas, a carne. Tudo será concedido... que venha a Assembléia Nacional!”
A Assembléia Nacional veio e, como não se podem realizar duas contradições, sua tarefa, sua triste tarefa, limitou-se a pôr abaixo, o mais delicadamente possível, um após o outro, todos os decretos do governo provisório.
Entretanto, para não tornar a decepção tão cruel, foi preciso transigir um pouco. Alguns compromissos foram mantidos, outros tiveram um pequeno começo de execução. Por isso a administração atual vive se esforçando para imaginar a criação de novos impostos.
Agora eu me levo em pensamento para alguns meses no futuro e me pergunto, com tristeza n’alma, o que acontecerá quando os agentes do governo forem ao interior recolher os novos impostos de sucessões, de renda, de lucros, com a exploração agrícola. Que o céu desminta meus pressentimentos, mas vejo ainda aí um papel a ser desempenhado pelos cortejadores de popularidade.
Leiam o último manifesto dos montanheses[1] a propósito das eleições presidenciais. É um pouco longo, mas, ao final das contas, pode ser resumido em duas palavras: O Estado deve dar muito aos cidadãos e tirar deles muito pouco. É sempre a mesma tática ou, se se quiser, o mesmo erro.
“O Estado deve dar gratuitamente instrução e educação a todos os cidadãos”.
Ele deve:
“Oferecer um ensino geral e profissionalizante adequado, tanto quanto possível, às necessidades, às vocações e às capacidades de cada cidadão”.
Ele deve:
“Ensinar ao cidadão deveres para com Deus, os homens e si próprio; desenvolver seus sentimentos, suas aptidões e suas faculdades, dar-lhe, por fim, a ciência de seu trabalho, a inteligência de seus interesses e o conhecimento de seus direitos”.
Ele deve:
“Colocar ao alcance de todos as letras e as artes, o patrimônio do pensamento, os tesouros do espírito, todas as alegrias intelectuais que elevam e fortificam a alma”.
Ele deve:
“Reparar todo sinistro, incêndio, inundações etc. (este et coetera diz mais do que o seu tamanho) que venham a se abater sobre o cidadão”.
Ele deve:
“Intervir nas relações do capital com o trabalho e se tornar o regulador do crédito”.
Ele deve:
“Dar à agricultura incentivos sérios e uma proteção eficaz”.
Ele deve:
Resgatar as estradas de ferro, os canais as minas”. (E sem dúvida também administrá-los com a capacidade industrial que o caracteriza!)
Ele deve:
“Provocar as experiências generosas, encorajá-las e ajudá-las por todos os meios e com todos os recursos capazes de fazê-las triunfar. Como regulador do crédito, ele comandará largamente as associações industriais e agrícolas, a fim de assegurar-lhes o .sucesso”.
O Estado deve tudo isso, sem prejuízo dos serviços que já vem prestando hoje. E, por exemplo, ele deverá sempre se colocar diante do estrangeiro numa atitude de ameaça, pois, dizem os signatários do programa, “unidos por esta solidariedade santa e pelos precedentes da França republicana, fazemos votos e depositamos nossas esperanças além das barreiras que o despotismo eleva entre as nações: o direito que queremos para nos, nos o queremos para todos aqueles que o jugo dos tiranos oprime; nós queremos que nosso glorioso exército seja também, se preciso for, o exército da liberdade”.
Vocês vêem que a mão delicada do Estado, essa boa mão que dá e distribui, ficará muito ocupada no governo dos montanheses. Vocês vão pensar que o mesmo acontecerá com a mão rude, com essa mão que penetra e seca nossos bolsos?
Não se enganem! Os cortejadores de popularidade não conheceriam o seu trabalho se não tivessem a arte de, ao mostrar a mão delicada, esconder a mão rude.
O reino deles será certamente o jubileu do contribuinte.
“É o supérfluo, dizem, e não o necessário que o imposto deve atingir”.
Não será um bom tempo o dia em que o fisco, para nos acumular de benefícios, se contentar em atacar o nosso supérfluo?
E isso não é tudo. Os montanheses aspiram a que o “imposto perca o seu caráter opressivo e não seja mais do que um ato de fraternidade”.
Bondade do céu! Eu sabia bem que está na moda colocar a fraternidade em tudo, mas não imaginei que pudesse entrar na declaração de impostos.
Chegando aos detalhes, os signatários do programa dizem:
“Queremos a abolição imediata dos impostos que incidem sobre os objetos de primeira necessidade, como o sal, as bebidas et coetera. Queremos ainda:
A reforma do imposto predial, dos impostos de circulação de mercadorias, das patentes.
A justiça gratuita, isto é, a simplificação das formas e a redução dos custos”. (Isso diz sem dúvida respeito ao selo.)
Assim, imposto predial, de mercadorias, selo, sal, bebidas, correios, tudo entra. Esses senhores acharam o segredo de dar uma atividade escaldante para a mão delicada do Estado, paralisando a mão rude.
Pois bem, eu pergunto ao leitor imparcial: não se trata de uma posição infantil e, mais do que infantil, perigosa? Como é que o povo não vai fazer revolução em cima de revolução, se ele estiver decidido a só parar quando houver realizado esta contradição: “Nada dar ao Estado e dele receber tudo”?
Será que os montanheses, uma vez no poder, não seriam vítimas dos meios que empregam para conquistá-lo?
Cidadãos, em todos os tempos, dois sistemas políticos se apresentaram e todos os dois podem-se sustentar por boas razões. Segundo um deles, o Estado deve fazer muito, mas deve também tirar muito. Segundo o outro, a dupla ação do Estado deve-se fazer sentir muito pouco. Entre esses dois sistemas é preciso optar. Mas, quanto ao terceiro sistema, participando dos dois outros, e que consiste em tudo exigir do Estado e nada dar, acho que é quimérico, absurdo, pueril, contraditório, perigoso. Aqueles que o defendem para ter o prazer de acusar todos os governos de incapacidade e para expô-los assim aos ataques de todos vocês, essas pessoas elogiam e enganam a vocês ou, pelo menos, estão se enganando a si próprias.
Quanto a nós, pensamos que o Estado não é ou não deveria ser outra coisa senão a força comum instituída, não para ser entre todos os cidadãos um instrumento de opressão e de espoliação recíproca, mas, ao contrário, para garantir a cada um o seu e fazer reinar a justiça e a segurança.
[1] Em 1848, nome adorado pelos membros do Partido Social Democrata. (N.T.)
quarta-feira, janeiro 03, 2007
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